Brazilian Superman escrita por Goldfield


Capítulo 6
Capítulos 10 e 11




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Capítulo 10

A proposta.

Na manhã seguinte, Super-Homem voava sorridente pelos céus de São Paulo, acenando para os cidadãos enquanto, sempre atento, utilizava seus sentidos aguçados para tentar captar algum eventual pedido de socorro ou sinal de emergência.

Em terra, um rapaz desinformado que ainda não ouvira falar do mais novo herói brasileiro apontou espantado para o alto, indagando em alta voz:

–         É um jato trazendo a nossa Seleção?

–         É nosso presidente em seu recém-comprado avião? – emendou uma garota sonsa, fitando o céu com as mãos no rosto.

–         Não, seus babacas! – exclamou um flanelinha. – É o Super-Homem!

Sobre os prédios, o kriptoniano ouvira tais indagações por meio de sua espetacular audição e, mesmo confundido com uma aeronave, sorriu para o grupo antes de desaparecer por uma avenida.

Cláudio estava realizado. Era exatamente isso o que queria: ajudar os outros e fazer com que as pessoas comuns se sentissem protegidas, mesmo aquelas que praticamente ignoravam ou menosprezavam sua existência. Era um super-herói. Era o Super-Homem. O losango em seu peito era motivo de imenso orgulho.

Mas até os idealistas mais justos caem um dia do cavalo, ou no caso de Kal-El, dos céus...

Sobrevoando a região do Vale do Anhangabaú, o extraterrestre se deparou com uma visão curiosa sobre um dos prédios: era possível visualizar claramente uma grande faixa branca pendurada junto ao terraço, com a inscrição “Preciso de você, Super-Homem!” num vermelho chamativo. Julgando ser algum problema sério, o benfeitor dirigiu-se imediatamente até a cobertura, onde uma mulata de parar o trânsito o aguardava com ar de mistério.

–         Há alguma coisa errada? – perguntou o herói.

–         Vejo que consegui mesmo chamar sua atenção, Super-Homem... – afirmou a mulher em tom ladino. – Meu chefe tem muito interesse em falar com você...

–         Chefe? – estranhou o alter ego de Cláudio Gusmão, cruzando os braços.

–         Sim, eu trabalho para o excelentíssimo deputado federal Leonardo Líbero, um congressista comprometido com o progresso e qualidade de vida do país, e que, conseguindo se livrar das vãs acusações contra sua ilustre pessoa, concorrerá a um novo mandato nas eleições deste ano.

–         E o que esse tal deputado quer comigo?

–         Eu li a entrevista que você concedeu àquela repórter do País Diário, e lá diz que não é deste planeta, certo? Acredito que até os alienígenas sintam curiosidade, caro Super-Homem... Se isso for mesmo verdade, procure o senhor Líbero no apartamento dele em Brasília, perto da Esplanada dos Ministérios. Garanto que não irá se arrepender...

A mulata, Cássia, afastou-se do kriptoniano rebolando em direção a uma porta que levava até o interior do edifício. Super-Homem, por sua vez, permaneceu imóvel durante alguns minutos pensando nas intenções daquele político que lhe era totalmente desconhecido... Seriam boas ou ruins? Caberia ao próprio super-herói descobrir.

No final da tarde daquele mesmo dia, cidadãos comuns e políticos de Brasília puderam contemplar a figura do Super-Homem sobrevoando a área central da cidade. Alguns destes últimos chegaram de início a se assustar, pensando que o povo brasileiro finalmente havia se revoltado contra seus desmandos e que o herói era na verdade um avião kamikaze prestes a se chocar contra o Congresso, porém respiraram aliviados assim que perceberam se tratar do generoso Kal-El.

Entretanto, o “Homem de Aço”, como estava sendo chamado por alguns funcionários da imprensa, não viera à capital federal para visitar o presidente ou participar de algum ato cívico. Encontrava-se em Brasília com o objetivo de ter uma conversa com o misterioso deputado Leo Líbero. Seja qual fosse o interesse do político no herói, este precisava descobrir do que se tratava. Tinha a esperança de ser algo em prol da sociedade e da nação, algo que pudesse melhorar a vida das pessoas... Enganaria-se totalmente.

Depois de breve busca, Super-Homem encontrou o apartamento de Líbero. Pousou na sacada e, após olhar de forma receosa para o aparentemente vazio interior do imóvel por alguns instantes, resolveu entrar. Deu alguns passos, olhou ao redor e, antes que fosse capaz de chamar pelo anfitrião, ouviu-o dizer com contentamento:

–         Eu estava esperando por você. Já achava que não viria mais.

–         Você é o deputado federal Leonardo Líbero? – inquiriu Super-Homem, voltando-se para um sujeito careca trajando terno, que estava sentado numa cadeira próxima de uma estante de livros.

–         Pode me chamar apenas de “Leo”.

Em seguida o político apontou para uma cadeira vazia perto da janela.

–         Quer se sentar?

–         Não, obrigado, estou melhor de pé! – respondeu o herói, braços cruzados e olhar intimidador. – Por que me chamou aqui?

–         Irei direto ao ponto. Andei lendo nos jornais sobre suas proezas, e confesso que fiquei extremamente interessado em seus poderes e habilidades sobre-humanos. Com certeza um homem de tantos dons deveria utilizá-los da melhor maneira possível, se é que me entende...

–         Como assim?

–         A questão é simples, Super-Homem: quanto dinheiro deseja ganhar com o intuito de trabalhar para mim? Antes um aliado do que uma ameaça, não é mesmo?

Kal-El espantou-se. Aquele congressista, que deveria trabalhar dia e noite elaborando leis e medidas que ajudassem a resolver os problemas dos cidadãos brasileiros, estava querendo lhe comprar para seu próprio benefício. Enfurecido, Super-Homem reteve-se para não partir a cara de Líbero ali mesmo, afirmando quase num rugido:

–         Eu não estou e nunca estarei à venda, ainda mais para um político tão sujo quanto você!

–         Ora, não é preciso se exaltar, Super-Homem. Compreendo perfeitamente sua postura, suas convicções... Você luta em nome da verdade, da justiça, dos bons ideais... Ainda não abriu os olhos em relação ao país em que vive...

–         Do que está falando? O Brasil é uma nação soberana e consciente! Possui sim seus problemas, mas com minha ajuda e a mobilização das pessoas certas, garanto que eles em breve serão solucionados!

Ouvindo isso, Leo, sem poder se segurar, soltou uma alta e intensa gargalhada, que perdurou por cerca de três minutos. Super-Homem aguardou calado até que o deputado deixasse de rir, cada vez mais revoltado com aquele homem tão vil. Ainda com lágrimas nos olhos, Líbero exclamou, divertindo-se ao extremo:

–         Puxa, é pior do que eu pensava! Sua ingenuidade, senão burrice, mal cabe dentro dessa sua cabeça oca!

–         Sua falta de patriotismo não me afeta, verme... – murmurou o super-herói.

–         Patriotismo? Por PC Farias, Super-Homem, caia na real! Vivemos num país de corruptos, pessoas alienadas e aproveitadores de todo tipo! Um legítimo antro no qual as noções morais mais básicas estão se desintegrando em meio a uma população indolente e apolitizada em quase sua totalidade!

–         Isso não é verdade...

–         Ah, não é? Apenas olhe ao redor, seu idiota! A política do “pão e circo” nunca esteve tão viva quanto agora! Não lhes faltando futebol, carnaval e programas imbecis na televisão, como reality shows, novelas e babaquices dominicais, os brasileiros estão satisfeitos! Não fazem questão de reclamar de nada! A corrupção rola solta aqui em Brasília, há uma verdadeira guerra civil em curso nas ruas das grandes cidades, pessoas humildes no Nordeste sofrem com a fome e outras incontáveis privações todos os anos... E a maioria dos brasileiros nem se importa. Estamos passando por um maciço, e talvez irreversível, processo de alienação das massas, Super-Homem.

–         Não... Não é assim!

–         Ainda não concorda? Pois veja o momento no qual estamos vivendo. Dentro de dias terá início a Copa do Mundo. O país inteiro pára por causa de um evento esportivo cuja conquista não mudará em nada a atual conjuntura político-social da nação. A conquista do hexa acabará com a corrupção? Não. Voltar com a taça nos braços fará com que a violência urbana decline? Também não. Vencer outros países no futebol saciará a fome dos brasileiros que vivem na miséria? Negativo. E mesmo assim os telejornais passam a praticamente só veicular notícias sobre a Seleção, aulas são suspensas e trabalhadores dispensados para que possam assistir aos jogos... Uma ilusão eufórica e útil àqueles que desejam desviar a atenção do povo. O futebol é aclamado como maior paixão dos brasileiros porque isso convém a alguém...

–         Quem é você para me falar tudo isso? Não passa de um corrupto inescrupuloso!

–         Sim, certamente. Estou tirando vantagem da situação. Às vezes me pergunto se isso não estaria no sangue de todo brasileiro. Porém, se quer mesmo saber, eu já fui um político idealista. Achava que poderia mudar este país completamente com meus projetos... E quem diria que muitos deles acabariam utilizados pelos deputados em bem próprio... Minha desilusão foi grande, mas pelo menos não vivo mais de fantasias. E você deve fazer o mesmo, Super-Homem! Em sua mente há um Brasil que não existe de verdade! Junte-se a mim, e poderemos sobreviver nesta nação injusta usando nossos próprios métodos!

–         Nunca, seu patife! Eu ainda acredito no Brasil, e sempre lutarei por ele!

–         Você até poderia se dar bem como garoto-propaganda de uma dessas campanhas governamentais cheias de falso ufanismo, sabia? Mesmo não aceitando minha proposta, gostaria de lhe pedir que ao menos passe a observar melhor o mundo ao redor de si. Garanto que essa visão idealizada que você tem do Brasil desaparecerá instantaneamente!

Super-Homem já tinha dado as costas para Líbero, caminhando de volta até a sacada. Sem olhar para trás, o herói levantou vôo, face bem diferente de quando havia chegado, e o mesmo se aplicava aos pensamentos que tinha naquele momento. As palavras duras do deputado faziam com que seu coração pesasse tanto que mesmo com sua força kriptoniana não fosse talvez capaz de levantá-lo. Não podia, no entanto, acreditar nelas. Nunca trairia seus ideais. Nunca deixaria de louvar o Brasil e seu povo inigualável...

Capítulo 11

Caindo na real.

Anoitecia. Com a mente mais confusa do que nunca devido às amargas afirmações de Leo Líbero, Super-Homem voava de volta à cidade de São Paulo, sobrevoando a rodovia Anhangüera, no interior do estado homônimo. Recusava com todas as forças tudo que o deputado lhe dissera, porém estava mais perto do que pensava de descobrir que o Brasil não era mesmo o país que pintara em seus pensamentos repletos de idealismo e uma cega compaixão.

Passando por cima de serras e pequenas cidades, seguindo quase perfeitamente o traçado da rodovia, Kal-El acabou vendo algo que chamou sua atenção: um acidente automobilístico ocorrera há pouco numa das pistas, no qual um carro-forte colidira violentamente com uma caminhonete.

O primeiro veículo tombara com o impacto e encontrava-se deitado no asfalto, portas traseiras abertas e a carga de barras de ouro esparramada ao longo da via. O motorista, felizmente, parecia bem, e naquele momento xingava a tudo e todos de pé no acostamento. Já a situação do segundo veículo não era das melhores: capotara duas vezes e, quase totalmente amassado, estava jogado num dos cantos da pista. Ao ver um braço se mexer com dificuldade através de uma das janelas quebradas, Super-Homem chegou à desesperadora conclusão de que havia pessoas vivas presas nas ferragens.

Mais que depressa, o herói desceu até a estrada para resgatar as pobres vítimas. No entanto, notou que, conforme se aproximava da caminhonete, sentia-se fraco e com um crescente mal-estar em todo o corpo. Não conseguiu compreender tal fato, até ler, de relance, a placa do veículo avariado: “Ouro Preto – MG”. Rapidamente seu cérebro extraterrestre assimilou tudo aquilo, e uma cena de seu aniversário de dezoito anos veio à tona em suas memórias:

Gusmão apanhou o pacote, um tanto trêmulo devido à emoção de estar sendo presenteado pela paixão de sua vida. Abriu-o sem demora, vendo tratar-se de uma corrente folheada a ouro, para ser usada no pescoço, cujo pendente era uma pequena pedra vermelha de belo brilho.

–         Puxa, Lena, obrigado! – agradeceu Cláudio, encantado com o que ganhara. – Eu adorei!

–         Fico muito feliz por ter gostado do presente! Eu o comprei numa daquelas cidades históricas de Minas Gerais, quando viajei para lá semana passada!

A pedra na corrente que Lena lhe dera anos antes era kriptonita vermelha, e ao fitar a carga danificada da caminhonete com maior atenção, notou que ela emitia inconfundível brilho esverdeado. Tratava-se de kriptonita verde, a única coisa à qual era realmente vulnerável. Os indivíduos acidentados provavelmente a estavam transportando até São Paulo para estudos. Se o herói chegasse mais perto para tirar os feridos de dentro do veículo, acabaria inevitavelmente desmaiando. Estava de mãos atadas, e um gemido agonizante vindo das ferragens apenas aumentou sua desolação.

–         Por favor, alguém me ajude! – gritou Super-Homem, tentando a todo custo chamar a atenção dos demais ao redor. – Alguém precisa tirar essas pessoas daqui!

Porém ninguém lhe deu ouvidos. A causa era simples: todos que se encontravam na estrada naquele momento haviam saído de seus carros e agora corriam e lutavam pelas barras de ouro jogadas sobre o asfalto. Até o motorista do carro-forte deixara de soltar xingamentos e buscava sua parte da carga perdida. As pessoas socavam-se, chutavam-se, empurravam-se. Um policial à paisana chegou até a sacar um revólver 38 e disparar para o alto só com o objetivo de dispersar a multidão e assim poder apanhar um maior número de barras. Ninguém havia notado a presença do Super-Homem, muito menos a situação dos ocupantes da caminhonete.

–         Pelo amor de Deus, essas pessoas aqui precisam de ajuda! – implorou Kal-El, gritando com o máximo de sua voz. – Não posso chegar perto da caminhonete, vocês precisam prestar auxílio!

Novamente ninguém ouviu, e a correria pelo ouro continuou, cada vez mais acirrada e selvagem. Um senhor de idade avançada chegou a saltar violentamente sobre um rapaz, derrubando-o para que ele não pegasse duas barras que estavam em seu caminho. Com um imenso aperto no coração, Super-Homem finalmente percebeu que não poderia esperar ajuda por parte daqueles cidadãos tão cruéis e gananciosos. Ele mesmo teria de tirar os acidentados das ferragens, resistindo à radiação da kriptonita. Tinha ao menos de tentar...

Determinado, o herói seguiu até a caminhonete. Cerrou os dentes assim que os efeitos da pedra tornaram-se mais intensos. Seus músculos oscilaram, seus ossos fraquejaram, mas ele precisava continuar. Precisava salvar aquelas vidas, não importava o preço. Empregando o máximo de sua força já abalada, o herói rasgou o metal do veículo como se fosse papel, permitindo que uma jovem mulher, com alguns ossos quebrados e cortes pelo corpo, pendesse para fora da carcaça ainda respirando. Super-Homem sentou-a cuidadosamente no chão e, resistindo à kriptonita com extrema dificuldade, iniciou a retirada do segundo ocupante. Este, desmaiado, possuía uma grave fratura num dos braços, e provavelmente seria necessário amputá-lo. Já com dores nos membros e no tronco, o alienígena retirou toda a estrutura de ferro que prendia o ferido, tomando-o nos braços e repousando-o no asfalto com o máximo de cautela.

Em seguida, extremamente debilitado, Super-Homem tentou caminhar para longe da kriptonita, mas acabou caindo de joelhos sobre a pista, gemendo. A exposição à pedra fora deveras intensa. Ao longo da rodovia, o mesmo grupo de pessoas, com a adição de alguns novos motoristas e até alguns membros do resgate que haviam vindo socorrer possíveis vítimas, continuava se digladiando pelas reluzentes barras douradas. Sem poder agüentar mais, o super-herói tombou inconsciente, vencido não só pela dor, mas também pela cruel ironia da ocasião. Naquele fim de tarde junino, não era somente seu corpo exausto que caía por terra, mas também seus outrora inabaláveis ideais. Seu organismo invulnerável não entrara em colapso somente por causa da kriptonita, mas também devido ao depressivo pensamento de que Leo Líbero estava mesmo certo.

Continua... 


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