A Areia Vermelha escrita por Phantom Lord


Capítulo 13
Capítulo 12, Em Chamas




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Começo a me esgueirar de volta para os andares inferiores até chegar no amplo saguão de escadas que antecede o salão de festas. Ali a música é obviamente alta e eu passo pelas portas sem ser notado. As pessoas estão embriagadas e cheias, preocupadas demais com coisas sem a menor importância para se concentrarem em qualquer um que ande por ali. Meu olhar passa por vários convidados e para em uma jovem moça de cabelos negros que dança com Plutarco. Ele troca algumas palavras com ela com um sorriso e eu rio. Ele parece mais traiçoeiro e cruel fazendo isso com a pobre Katniss, pois o modo mais tenebroso e menos conspiratório em que ela pode morrer está sendo cuidadosamente planejado por ele.

Quando eles se separam eu esquivo meu olhar para Peeta que está de pé diante de uma mesa, com os braços juntos diante do busto. Não expressa coisa alguma e parece distante demais para me notar olhando para ele. Ainda estou caminhando pelo salão e decido pular para dentro de um corredor lateral que dá acesso aos jardins da mansão.

O perfume de flores invade as minhas narinas, misturando-se com o cheiro da rosa branca. Já estou acostumado ao perfume dela e ainda é meu favorito. Devo admitir que a decoração dos jardins me surpreendeu, há flores coloridas e perfumadas em casos, canteiros, arbustos e aros. Ainda assim, não paro para admirar o lugar. Estou andando sem rumo pela minha casa, enquanto analiso a minha situação atual.

É hora de pensar no Massacre Quaternário deste ano. O projeto foi brilhantemente desenvolvido por ninguém menos do que Plutarco Heavensbee. Ele já não parava de trabalhar quando era apenas um auxiliar da Capital, mas agora está se empenhando vinte e quatro horas nessa nova edição. Imagino que ele, tanto quanto outros auxiliares, está com medo do que uma revolução poderia acarretar à eles e portanto, está determinado a dar um fim em tudo isso.

Como presidente, não é meu trabalho me preocupar com o que deve acontecer dentro daquela arena. Plutarco me assegura que está tudo saindo conforme seus planos e eu estou seguro de que isso será o suficiente. Me agrada tê-lo aqui na Capital, mas às vezes ele passa muitas horas desaparecido à trabalho.

A festa se encerra quase ao amanhecer. Neste tempo eu ainda pude explorar as estufas inferiores, os jardins de trás, o memorial de heróis de Panem e o meu próprio jardim particular de rosas. Infelizmente ele está decadente desde o dia em que eu me afastei para me trancar na Sala de Chá. Mas as rosas ainda estão impecáveis e crescem em ramos fortes que as sustentam no ar.

Quando retorno à mansão, a decoração está sendo retirada por empregados. Eles me notam, acenam e sorriem e eu devolvo a saudação com gentileza, mas não exagero quando digo que essas pessoas se matam para a minha satisfação. São todos pobres tolos que enxergam em mim o espírito de um velho bondoso e ingênuo.

Nas horas que se seguem, minha presença é requisitada em 17 reuniões diferentes em toda a Capital, sem falar nas ligações urgentes de líderes distritais. Eu não estou disposto a atender ninguém, mas permaneço no meu gabinete. Minha auxiliar está tendo problemas em cuidar das minhas justificativas e eu decido atender uma das vídeo-conferências. Pressiono uma tecla miúda no canto da mesa do meu gabinete e depois de um chiado baixo, meu televisor se liga sozinho e se expande no ar, revelando três rostos familiares.

Os dois primeiros são do secretário das relações e do chefe da Organização Pacificadora de Panem. O terceiro rosto pertence à Plutarco. Os três me encaram como se estivessem materializados em minha sala.

_ Bom dia, Sr. Presidente._ cumprimenta-me o ministro das relações. Depois de uma breve hesitação, ele continua._ A situação está se tornando desfavorável no Oito, senhor.

_ Eu pensei que isso fosse um problema temporário._ digo em um tom quase severo. Estou olhando diretamente para o rosto do meio, do chefe da OPP._ O senhor Lancster não está cuidando das tropas e recrutamento de novos soldados?

_ Sim, senhor._ confirma o homem do meio, enrijecendo o rosto quadrado._ Mas...como eu tenho lhe advertido nos relatórios semanais, não há muitos voluntários para a OPP agora que a revolução começou e o recrutamento tem de se tornar obrigatório.

_ Cuidarei disso._ respondo um pouco irritado. Lancster abre a boca para dizer mais alguma coisa, mas eu o corto._ Tem permissão para iniciar o recrutamento imediatamente, é só isso. Um bom dia, Sr. Lancster.

Pressiono outra tecla no painel do canto da mesa e o rosto do chefe da OPP desaparece com um “plim”. Agora apenas o secretário e Plutarco me encaram. O primeiro parece severamente preocupado, mas o gamemaker-chefe está absolutamente sereno e paciente.

_ O incêndio está se espalhando por vários distritos, senhor._ ouço o secretário dizer. Incêndio é a expressão que usamos para definir o espírito de rebelião.

Eu permaneço em silêncio, esperando um longo relatório sobre a situação de cada distrito, mas não vem. O secretário está ansioso, para não dizer desesperado, como se não pudesse ficar nem mais um instante naquela conferência.

_ Plutarco?_ eu chamo.

Ele arqueia as sobrancelhas e suspira brevemente. Depois começa a falar, mais para o secretário do que para mim.

_ A situação logo será controlada, está tudo planejado. É necessário que trabalhamos juntos para manter tudo dentro dos limites até o anúncio público do Massacre Quaternário.

_ Certo, certo._ assente o secretário. Ele está calado, aguardando meu consentimento para sair da vídeo-conferência.

_ É só isso, Sr. Secretário._ digo. Ele agradece, se despede e vai embora com outro “plim”.

Antes que Plutarco também se despeça, ele me diz:

_ Senhor, eu creio que não devo lhe dizer o que fazer, mas não deve se preocupar com Katniss Everdeen enquanto ela estiver na Arena. Eu sugiro que o senhor tenha como foco as insurreições no distrito oito.

Eu aceito a sugestão de Plutarco com mais naturalidade do que imaginei que poderia. Depois de encerrar a reunião, eu me levanto da minha cadeira alta e desligo o televisor, que tremula e desaparece. Mas hesito. Religo o dispositivo e ele chia antes de reiniciar a holografia que se projeta a minha frente.

_ Atualizações sobre o distrito oito.

Automaticamente o símbolo dourado de Panem surge se expandindo na tela preta acompanhado das notas principais do hino nacional. A apresentação é interrompida e na tela surge uma equipe de filmagem indicando pontos do distrito.

_ O depósito foi incendiado e totalmente destruído nessa última noite..._ ouço a repórter dizer. Ela está indicando um prédio atrás dela que está carbonizado e em ruínas fumegantes.

Depois, novas imagens são mostradas e ela continua a falar. Há mais edifícios fumegantes, alguns ainda tomados pelas chamas. Pacificadores marcham nas ruas, tentando fazer uma multidão furiosa recuar, mas começam a ser apedrejados. Então um deles faz uma bobagem. Ele dispara sua arma elétrica na direção de uma das pessoas que o apedreja. É uma menina de uns dez anos de idade. Ela cai no chão, estrebuchando de dor. A multidão silencia por um instante e começa a cercar o corpo miúdo e frágil. Mas descobrem que é tarde. O choque foi além da capacidade que ela suportava. Então acontece. Eu sinto um arrepio quando vejo.

Os olhos da multidão se voltam para o pacificador que disparou. Olhos marejados por lágrimas de raiva, dor e sofrimento. Todos eles estão encarando o pacificador com uma expressão tenebrosa, quase insana. Os olhares queimam e brilham como se eles estivessem prestes a explodir por dentro. Mas estão em silêncio. Até que alguém ergue o braço no ar e berra furiosamente.

No instante seguinte, há muitos pés correndo desordenadamente. Os revoltos estão avançando contra a equipe de pacificadores que também estão correndo para salvar as próprias vidas. Não há arma que os pare agora. Não há corpo que caia que os fará desistir. Estão tomados pelo mais profundo sentimento de ódio e desespero.

A multidão alcança o pacificador que disparou contra a menina e ele desaparece no meio deles. Não posso ver o que está sendo feito de seu corpo, mas é algo violento que o faz chorar e berrar. Sangue frersco respinga no rosto de alguns e o pacificador é silenciado. A multidão volta a perseguir os pacificadores até que percebem que a câmera por onde eu os vejo está filmando. Uns berram insultos e fazem gestos até que alguém derruba a câmera. Enquanto ela deita para o chão, vejo os tamancos da repórter se arrastarem pelas vielas barrentas do distrito oito. Ela se junta a equipe de pacificadores que está fugindo e desaparece entre eles. Pés pisam na lama e a fazem espirrar na lente até que alguém finalmente a destrói com pisões, chutes e golpes com ferramentas. O áudio desaparece e a TV chia.

E aí eu percebo que estou me escorando na borda da minha escrivaninha. Boquiaberto. Incapaz de dizer algo ou até mesmo de me mover. Então eu me dou conta.

Se aquela rebelião alcançar a Capital, eu sei que terei um destino pior do que aquele estúpido pacificador.


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