Somewhere I Belong escrita por Akasha Korhinny Aylam


Capítulo 3
Capítulo Três: Onegai...




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I...

Que mundo era esse onde as pessoas não podiam descansar em paz? Se já não se teve paz em vida, pelo menos na morte, pelo menos nessa, se deveria poder desfrutar de tal dádiva divina. Estava chorando novamente, mas nem mesmo deu atenção a isso. As lágrimas do céu que banhavam seu rosto mesclavam-se com as suas, destruindo sua identidade.

I will never know

Myself until I do this on my own

And I will never feel

Anything else until my wounds are healed

Mantinha os lábios lacrados, fazendo uma prece mental. Pedia com todas as forças a loucura. Sim, pois se estivesse louco aqueles olhos infelizes não passariam de devaneios seus. Devaneios de um louco. E nunca teria existido alguém tão azarado.

– Tu existes, Shun – afirmaram como se pudesse ler-lhe o pensamento.

Deteve-se onde estava, o que se resumia ao começo da praia. Dali em diante só havia areia e, mais além, o mar. Uma praia deserta como o vazio em seu interior.

– Não... – negou, virando-se. – Minha vida é... Boa, se comparada a sua.

Não estava louco. Ele era mais real do que muitas coisas em sua vida. Mais real do que todo aquele sangue no asfalto, mas real do que as palavras dos amigos, mais real do que a luz daqueles faróis, mais real do que o deserto que lhe afligia. As gotas de água pareciam deixar-lhe mais visível. Tão real com seus cachos lilás-tremeluzentes mimetizados pelas violetas do jardim do orfanato e seus olhos rosáceos tão reluzentes quanto um diamante. Pegou-se imaginando o quanto brilhariam se não fosse por aquele pesar que os povoavam.

– Então, por que vejo meus olhos quando olho nos teus? – Ele retrucou, movendo a cabeça para a esquerda e estreitando os olhos, retornou a postura ereta, declarando. – Obrigado.

– Pelo o quê? – espantou-se.

– Por ter-te importado – explicou-se sem desviar um instante sequer aquelas gemas preciosas de suas esmeraldas. – Por ter dito aquelas coisas a mim. Foram muito bonitas, mesmo que eu já não possua vida.

– Você possui sim – corrigiu-o com a maior sinceridade do mundo. Dizer que alguém como ele não possuísse vida era praticamente um crime –, até que os magos realizem seu último desejo, estará preso a essa terra, então possui alguma vida. E, a propósito, foi a melodia de sua flauta que ouvi mais cedo, né?

– Pudeste ouvi-la?

– Sim – afirmou e logo retratou-se, ansiando ouvi-la novamente. – Bem, havia o som da chuva, e estava bem longe... Você a tocaria outra vez?

Ele guardou silêncio por alguns momentos, após o que estendendo uma mão a frente do corpo, fez aparecer uma flauta dourada extremamente sólida. Devia ser a mesma que fora da mãe dele. A mesma com que encantara os Três Magos.

– Sempre – alegou o bastardo, levando o instrumento aos lábios.

Adentrou mais a praia e deixou-se cair sobre as areias encharcadas. De algum modo, vê-las não lhe incomodava em nada. O deserto que se formara em seu ser parecia inexistente diante daquela canção. Tamanho era o poder que emanava dela. Um poder de cuidado de carinho e de entrega. Se possível, gostaria de ficar ali sentado escutando-a para sempre. Ser abandonado neste lugar não foi ruim, afinal. Ele se sentara a seu lado e fechara os olhos. Apenas a música e apenas ela reinava naquele momento nos corações de ambos. E poderia fazê-lo para sempre, que não seria incômodo.

– É a coisa mais linda que já ouvi – elogiou-o ao findar da última melodia. – Você é um excelente músico.

– Eu sou? – Quem parecia espantado agora era ele.

– Sim, é – assegurou. – Foi. E sempre será. Agora entendo o porquê de ter chamado a atenção dos Três Magos.

Ele voltou a trancar-se em silêncio e desviou os olhos, que também era o que de mais real possuía depois da flauta, de seu rosto. Parecia indeciso quanto ao que dizer e quando o decidiu, não lhe olhou.

– Quer... Saber como minha família morreu?

– Não importa – disse o mais novo com simplicidade e um sorriso suave, floreado por seus olhos cerrados. Todo o seu semblante sorria. Esse era seu primeiro sorriso espontâneo desde muito tempo. – Você fez tudo o que pôde, pensou neles e deu tudo o que foi seu por eles. É o que interessa.

Abriu os olhos ao passo que o bastardo fechou os dele, exibindo um tímido sorriso. Aquele simples ato o tornara totalmente visível, totalmente real. Um novo silêncio se instalou e pétalas de rosas vermelhas pairaram no ar a despeito da forte chuva, entre ambos. Anunciavam a chegada de seu mestre, com seus cabelos azuis e olhos como um céu livre de nuvens e de tudo mais. Era como a esperança de uma manhã sem nuvens campada de flores e perfume. Uma poderosa força diante daquele cenário mortuário de temporal noturno. Diante das lágrimas das bruxas queimadas no passado. Uma primavera eterna.

– Você está pronto, Sorento? – perguntou com esmero no olhara e sobriedade na voz.

– Não – confessou o flautista, surpreendendo a Shun e ao Mago. – Eu queria ficar mais um pouco por aqui. Nunca pensei que... Fosse sorrir tão rápido, Albafica.

– Nem mesmo eu previ isso. Entretanto, não posso voltar o tempo.

– Eu sei – disse ele, assentindo e levantando. – Shun, se eu pudesse fazer um novo desejo, escolheria ficar aqui para tocar sempre para ti. Não obstante, não me é possível. Ao invés disso, deixo-os para guardar-te. Espero que eles possam proteger-te com a mesma fidelidade com que esperaram a realização de meu último desejo.

– Eu... Eu não... Ahn... – mordeu os lábios para reprimir as palavras. Não tinha o direito de pedir que ele ficasse. Não depois de tanto tempo de espera. Mas só a ideia de que nunca mais poderia ouvir aquela melodia o assombrava. Fazia aquele deserto voltar a crescer. – Por favor, prometa que irá tocar para mim de onde estiver.

– Sempre – jurou Sorento, levando o instrumento aos lábios e tocando.

Shun fechou os olhos e assim os manteve até que já não pudesse mais ouvir as notas entoadas por ele. Até que estivesse sozinho novamente. E mesmo depois que a melodia cessou, não conseguia abri-los. Não podia. Acabara de encontrar seu lugar e vira escapar por entre seus dedos num instante. Sentiu alguém segurar seus ombros.

– Como prometemos, seremos sua lança e seu escudo, Shun. – Era a voz de Minos.

– Contudo, não acho que você precise disso... – lamentou Albafica. – Nem o povo do pai de Sorento, já que todos se foram...

– Albafica tem razão – concordou Dégel com um suspiro. – Entretanto, não temos escolha. Devemos protege-lo. Só acho uma pena que não possamos fazer nada para salvá-lo do que realmente lhe machuca.

– Onegai watashi o ataeru... – lamuriou o virginiano tapando os olhos.

– Esse é seu único desejo, minha criança?

– Minos! – ralharam com ele os outros dois e Dégel prosseguiu:

– Sorento nunca nos perdoaria!

– Ele vai perdoar – insistiu o falso capelão. – Afinal de contas, devemos proteger Shun. De nada adiantará nossos cuidados se o deixarmos ser corroído pela solidão – argumentou e acamou as bochechas do menor com as mãos. – Agora... Deixe-nos ouvir seu desejo de novo, minha criança.

Shun limpou as lágrimas e olhou com veemência para o par cobalto-anis que lhe fitava, obstinado.

I will never be anything 'til I break away from me

And I will break away

I'll find myself today

– Levem-me para junto dele.


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Notas finais do capítulo

Onegai watashi o ataeru = Do japonês, algo como "Devolvam-me, por favor".



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