Somewhere I Belong escrita por Akasha Korhinny Aylam


Capítulo 4
Capítulo Quatro: Que Assim Seja, Minha Criança




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Belong.

Paris, França. Na casa de Camus, padrinho de Hyoga.

O grupo chegara na manhã do dia 31 a seu destino. Haviam abandonado a van alugada num barranco e arranjado outro carro. Durante o dia, ninguém falou sobre o ocorrido. E, a culpa do que acontecera fora de Shun. Por não ter lhes dado ouvidos e retornado para o carro.

Se tivéssemos ficado esperando por ele, aquelas pessoas teriam nos linchado. Pensou Hyoga, tentando convencer-se. O padrinho havia ido fazer uma social na casa de amigos e os deixara cuidado da residência. Tinham marcado de encontrar-se na sala para pensar na desculpa que dariam sobre o desaparecimento de Shun e da van. Com a folga da empregada e a saída do padrinho, era o momento perfeito para conversarem sobre o ocorrido.

Estava no corredor do segundo andar quando todas as luzes se apararam.

– Oi, pessoal! – chamou, estranhando que ninguém tivesse gritado por causa do apagão. – Pessoal?

Ouviu uma estranha canção ecoar pelo ar, que também foi sua única resposta. Praguejou baixo, se perguntando se aquilo era alguma brincadeira de Ichi. Seiya não estava com muito ânimo para zoações desde o “incidente” e nem seria tão idiota. E, mesmo sob a atmosfera pesada que os rondava, ainda era dia das bruxas. Dificilmente passaria sem nenhuma brincadeira.

Apoiou-se à parede esquerda, tomando cuidado para não derrubar os quadros quando esbarrava em um, e avançou, seguindo a canção, na mesma direção que as escadas. Porém, esta findou antes que alcançasse o acesso. Um calafrio percorreu sua espinha. Aquele silêncio era assustador.

Tateando chegou à sala e encontrou escancarada a porta que dava no jardim, de modo que a luz da lua entrava no recinto. Não via ninguém, apenas as roupas e os sapatos espalhados pelo carpete persa. Mais um calafrio. Estava começando a sentir medo.

De repente, começou a ouvir a canção novamente e a pergunta que gelou sua espinha veio de trás de si. Da escada.

– Qual és teu maior desejo, Hyoga Macov?

Tratou de sair correndo para fora da casa. Não conhecia aquela voz e sabia que nenhum dos amigos tinha habilidade com instrumentos musicais. E aquilo era nada mais, nada menos, do que uma flauta. Uma flauta de verdade e não um aparelho reproduzindo uma música. Além disso, lembrava nitidamente que escutara uma canção de flauta em meio às vozes na chuva. Será que alguém que tinha a ver com aquele cordeiro os seguira até ali?! E se tinha, o que pretendia com tudo aquilo?! Um simples cordeiro não era motivo para tanta cena!

I wanna heal, I wanna feel

What I thought was never real

Assustado, embrenhou-se pelo jardim, esperando alcançar a rua. Poderia encontrar o padrinho e depois decidiria o que fazer. Já não acreditava que pudesse ser uma brincadeira de Ichi ou de qualquer um dos outros. Eles não conheciam ninguém em Paris. Muito menos um músico. Tinha que ser alguém ligado àquele incidente.

Não poderia estar aqui por Shun, negou mentalmente com o coração disparando. Ele deve ter morrido antes que pudesse dizer qualquer coisa. Ninguém nos perseguiria por alguém que não conheceu.

Quando finalmente alcançou o lugar onde ficava a saída estancou. Não havia saída alguma. Só o muro folheado por trepadeiras se estendendo para ambos os lados. Alto demais para ser escalado. A canção tornou a encher-lhe os ouvidos, estagnada, vazia e solitária.

No centro do jardim, havia um balanço de ferro branco e nele estava sentada uma figura encerrada em vestes negras. O russo arregalou os olhos azuis. De fato, não era nenhum de seus amigos e nem ninguém que já tivesse visto. No entanto, o opaco brilho emitido por seus olhos e cabelos tornava impossível dedicar-lhe ignorância. Era como se a noite se tornasse mais escura perante sua inquietante presença. Seus olhos eram de um magenta único. Lindos solitários, trocando uma companhia inexistente e quieta. Seus cabelos, simples cachos de um púrpuro que remontava a magia das sereias, dançavam a suave melodia junto ao vento. Parecia à própria expiação do que existe de mais profundo e sublime nos corações das pessoas. Tão capaz de transformar em notas audíveis seus pesares e amores, quanto de torná-los reais, benfeitores ou prejudiciais. Como uma bela e severa justiça. E estava ali, com seus diamantes raros estagnados em seu rosto, tão vazios e acusadores, ainda que solitários, só havia ele e si, medonhos.

– Perguntar-te-ei uma vez mais. – Ele não estava com a flauta próxima aos lábios, mas a música prosseguia obedecendo aos toques de seus dedos no instrumento. – Qual és teu maior desejo, Hyoga Macov?

– Por favor, espere Sorento.

Conhecia bem aquela voz. Carregada com aquele tom preocupado. Seu dono estava acomodado sobre o alto muro com a lua a suas costas, como uma moldura prateada e exagerada em sua paixão eterna de iluminar a noite. O aquariano entreabriu a boca, espantado, ao notar que o mesmo brilho que emanava do flautista, se fazia presente no amigo, deixando que sua pele clara como marfim e seus os olhos suaves cor-de-aceitação se destacassem mais que a moldura celeste. Olhos que na humildade de seu mirar, podiam ser comparados a uma mera pedra sem valor ou a um cristal de jade, sem nunca fazerem-se menos encantadores e piedosos. Quando fora que ele se tornara tão belo? Antes não o era, não o podia ser. Teria notado se fosse. Só que, tendo notado ou não, entre um cortar e outros das madeixas levadas com o vento a seu rosto, o real perdão imponente pregado por eles estava ali, reluzindo. Para quem quisesse constatar sua altiva graça. Para quem quisesse ser cuidado por seu carinho. Quer o soubesse querê-lo ou não.

– Shun?! O... Que estás fazendo aqui?! – indagou aquele flautista, pasmo, vendo-o saltar de seu recanto para cair perto de Hyoga.

– Não consegue imaginar? – brincou o menor, passando a seu lado como se não existisse e indo até o flautista. – Pedi as Estações que me trouxessem até você. Mas, confesso que nunca pensei que fosse encontrá-lo num lugar como esse.

– Eu só...

– Não precisa se explicar – interrompeu-o Shun, pondo um dedo sobre seus lábios. – Eu sei. Vejo o mundo com outros olhos agora. Olhos que podem prender qualquer um... Não precisa entoar sua linda melodia aqui. Deixe-me cuidar disso a minha maneira – pediu e finalmente olhou para o loiro.

– Shun... – gaguejou o russo. – Como é que você pode estar vivo?

– Isso já não importa, né, Hyoga? O que interessa é que estou aqui agora – retrucou o japonês, dando de ombro e sorrindo de modo angelical. – Como os outros já não podem desejar nada, irei transferir os desejos deles para você por ser o único que ainda vive dentre aqueles que realizaram o meu. Você ficará com os desejos deles, além do seu próprio, totalizando oito desejos. É o máximo que posso fazer por um conhecido de longa data.

– Que papo é esse de desejos, Shun? – disse, sentindo que a cada instante a situação ficava mais bizarra e digna de um conto de fadas saído da mente de alguma garota maluca que fica inventando alegorias para se expressar. – E conhecido de longa data?

– Darei uma alma a você e pelos demais levarei sete memórias que lhe sejam dolorosas. Memórias que você escolherá – prosseguiu sem esquentar com as perguntas do outro. – Agora... Diga o que você quer.

– Uma alma? Sete memórias? – Hyoga olhou para o tal Sorento que se mantinha calado atrás do mais novo. O vazio em seu olhar desaparecera, embora não soubesse dizer o que o preenchera. – Não brinque comigo... Isso tudo não passa de uma brincadeira de mau-gosto. E onde estão os outros? Onde estão escondidos? Diga-me!

– Então é a sua mãe? – quis saber ele, arqueando uma sobrancelha.

– Ahn?

– Quanto mais medo você sente, mais se agarra a este crucifixo que ela deixou para você. – Era verdade. Estava com a mão direita envolta nele desde que saíra correndo da casa. – É a alma dela que você quer, né?

– Não! – gritou Hyoga, assustado. Realmente pensara na mãe ao ouvir aquelas palavras. Estaria Shun lendo sua mente? – O que eu quero é que você pare com isso!

– Você não quer se lembrar desse encontro – continuou ele com a face calma e coberta de gentileza. – Não quer lembrar que alguém viajou com você, pois assim sofreria com a dor de todas as mortes. Não quer lembrar que convidou alguém para essa viagem. Não quer que seu padrinho se lembre de ter estado com amigos seus neste feriado. Não quer se lembrar de ter conhecido nenhum dos outros ou a mim. Não quer lembrar a dor da morte de sua mãe. E não quer se lembrar de Nastia Macov. É isso o que você quer, né?

I wanna let go of the pain I've held so long

(Erase all the pain till it's gone)

De uma forma estranha, todo o seu ser foi preenchido por uma resoluta vontade de dizer sim. Sentira alívio com a possibilidade de esquecer-se de tudo aquilo. Isso é uma loucura!

– Então, que assim seja – decretou Shun. – Minha criança.

Sentiu um torpor inegável acometer-lhe o ser e despencou sobre a grama. Hyoga Macov acabara de morrer. Todos os antigos amigos de Shun Amamiya terminaram mortos. Sete feitos em pó, um renascido em vida.

– Tu apagaste os últimos anos da vida dele, Shun – observou o flautista. – Deixaste-o sem nada.

– Eu o livrei da dor e da culpa e, principalmente, do medo – alegou o titeriteiro com um sorriso suave na face. – Quando ele acordar, será apenas uma criança segura no carinho da mãe. Tenho certeza que até ligará para ela.

– A mãe dele está morta – lembrou-o Sorento, fazendo a flauta dourada desaparecer em pleno ar –, não podemos trazer os mortos de volta a vida.

– Por isso ele esqueceu à senhora Nastia. Para ele, sua mãe será Mia Katsuharu, a senhora que o adotou há alguns anos. E para ela, ele será seu filho biológico, pois dei sua alma a ele – explicou, dando às costas ao ex-amigo caído. Já não havia nenhuma insegurança e nem dor em seu olhar. – Ela é uma pessoa muito gentil e que já sofreu demais. Tenho certeza que ficará feliz se Hyoga nunca mais chorar pela perda da senhora Nastia. Assim como ela já não chora por ter perdido a capacidade de ser mãe desde que o conheceu.

– Mesmo depois do que aconteceu... Tu não o castigaste – admirou-se o músico, recordando-se do próprio desejo.

Seu último desejo. De fato, Shun era alguém que amava ao próximo e que faria de tudo para salvar uma vida. Poderia ter sido a salvação de Lucoh, se tivesse vivido nove séculos antes... Mas para tudo tem-se um tempo, incluindo o amor e a vida.

I wanna heal, I wanna feel

Like I'm close to something real

Ainda assim, era quase como se tivesse recebido cinco desejos. Tê-lo era algo semelhante a um sonho. Minos, foi você que o trouxe para mim, não é? Estava cansando de ouvir minhas confissões lamentosas.

– Ele perdeu os melhores amigos – ressaltou o mais jovem, inflando as bochechas fingindo estar realmente aborrecido com sua declaração. – E o túmulo da senhora Macov não será mais visitado por seu único parente vivo. Então, não diria que fui completamente benevolente. Mas, se quiser me chamar de fraco, vá em frente. Continuarei achando que crime nenhum vale uma vida.

– Não mesmo, tua justiça é o perdão – afirmou, segurando com delicadeza o rosto de Shun e o apertando de leve para expulsar o ar. – Não há nada de errado no perdão, quando é concedido sem excessos. Assim como a própria justiça, que sem o controle da lei se torna vingança. Saiamos daqui antes que esta criança renascida acorde.

A ilusão que mantinha o portão oculto se desfez, permitindo de acessassem a calçada externa à casa de Camus e saíssem de vez da vida de Macov.

Caminharam em silêncio por alguns minutos. Um procurando uma forma para dizer que estava imensamente feliz com a companhia do outro, embora imaginasse um destino mais utópico para ele. E o outro buscando uma forma de dizer que isso não importava e que estar com ele já era sua utopia realizada.

I want to find something I've wanted all along

Somewhere I belong

– Precisamos de uma denominação, né? – falou Shun, dando um sorriso nervoso e pensando que se conversassem, acabariam falando o que realmente interessava. Mais cedo ou mais tarde.

– Não nos apresemos – aconselhou Sorento, num agradecer mudo. Se dependesse de si dar o primeiro passo, ficariam quietos por mais um século. Literalmente. – Temos muito tempo para pensar, mein liebe. Embora, eu almejasse outro caminho para você...

– Este é o caminho que escolhi: Proteger o povo de seu pai – disse, parando e pedindo pela atenção dos olhos dele, que lhe foi concedida de pronto. – Protegerei o último tesouro que restou dele – prometeu, acabando com a pouca distância entre seus corpos. – O lugar ao qual pertenço. Você.

I wanna heal, I wanna to feel like

I'm somewhere I belong

Calou-se ao ter a cintura envolta e a face acarinhada com certa hesitação. Não precisa ter receio, Sorento. Não vai me atravessar, pois somos igualmente reais. Somos iguais. Se pudesse escolher, seria tocado da mesma forma que a lembrança da terra da mãe dele era. Com paixão e confiança. Porém compreendia aquele medo. Se a sensação de ter tudo o que mais lhe é desejado escapando de seus dedos já é terrível, quem dirá senti-la de novo e de novo, e outra vez, e continuamente por tanto tempo. Meu lugar é com você.

– Ser impedido de entrar no Céu em troca de estar com você não é nada – declarou, entreabrindo a boca ao sentir as pontas dos dedos dele percorrerem seus lábios com arreigado cuidado. – Nada – repetiu para logo provar o gosto daquele primeiro beijo casto de uma vida herege.

I wanna heal, I want to feel like

I'm somewhere I belong

Uma melodia, dois sorrisos, uma proteção. Seja lá para onde tudo isso nos levar...

...Somewhere I belong


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Notas finais do capítulo

FIM
Bem, se chegou até aqui, espero que tenha curtido a leitura :)(Ichi-chan, consegui te deixar feliz ou mereço um puxão de orelhas?) :PBjinhos, até a próxima! ^-^/