Minhas relações familiares estavam quase tão fracassadas quanto as amorosas.

Estava jogada no colchão do Jason, atitude ridícula imaginando o número de garotas que ele levava para lá quando nossos pais não estão em casa, ouvindo as ideias dele para a enrascada em que tinha se metido.

O quarto do Jason, diferente do meu, era incrivelmente arrumado. As prateleiras tem livros clássicos, como O Apanhador No Campo De Centeio, O Sol É Para Todos e On The Road. A cama está sempre bem feita, os CDs e Vinis enfileirados e o quarto todo tem uma cor creme.

– Está entendendo? - ele perguntou colocando um CD de Jazz, que embora eu gostasse do gênero, não aguentava mais ouvir. - Irei fazer par ou ímpar, a garota que sair eu ligo cancelando, talvez diga que descobri uma rubéola.

As garotas as quais meu irmão se referia eram Reyna e Piper. Com o aniversário de casamento de Zeus e Hera, ele tinha cometido a desinteligência de convidar as duas para o acompanharem na festa. E agora ele queria escolher uma para cancelar dizendo que estava doente.

Homens.

Não estava afim de ouvir as lamentações dele, tudo o que eu estava fazendo ultimamente era ouvir lamentações alheias. Porém, em qualquer outro cômodo que não fosse o meu quarto e o do Jason, Hera estava falando sobre a maldita festa.

Se Hera contasse as traições de Zeus, dariam números maiores que os anos de casamento.

– Jason, não adianta fazer nada disso. - disse firme - Você pode não ter notado, mas nós não estamos na pré-história, as pessoas tem celulares e compartilham fotos de celebrações a todo instante. Sem contar que elas se conhecem, uma irá acabar contando para a outra. Encare os fatos, irmãozinho, e vire homem.

A minha intenção não era duvidar da masculinidade de Jason ou criticá-lo, mas foi exatamente o que ele entendeu, porque ergueu as sobrancelhas e me lançou um olhar intimidador. Deveria ser de família.

Ele bocejou fazendo par ou ímpar, par ganhou, por tanto ele iria com Reyna a festa.

– Ouvi boatos de que você fez um streep louco na festa do Di Ângelo e que a história da tatuagem é verdade. - ele disse sarcástico vingando-se, afinal eu tinha quebrado nossa regra de não intrometer-me na vida dele - E se a tatuagem é verdade, então você também saiu com ele.

Não era uma pergunta.

A realidade é que faziam algumas semanas que eu não via Nico, quer dizer, nós conversávamos no intervalo das aulas e por mensagens, apenas conversas, não tinha vindo a se repetir o que eu tinha mais interesse, assuntos sexuais.

É eu tinha interesses sexuais em Nico Di Ângelo e ele tinha interesse sexual em todo mundo. Não estava ligando para isso, tinha até aceitado dar umas saídas com Valdez. Porém, precisava admitir, não era tão emocionante.

Jason percebeu que eu estava fantasiando e balançou a mão na frente do meu rosto, despertando-me do meu devaneio.

– Deve ser engraçado ver vocês dois juntos. O Di Ângelo é todo insensível e psicopata e você é essa coisa... estranha. - ele fez uma careta.

Atirei um dos travesseiros em Jason.

Teríamos começado uma luta de travesseiros nostálgica se a porta do quarto do meu irmão não houvesse abrido com um baque forte e violento. Levei um susto, mas ao perceber quem era me assustei ainda mais.

Zeus estava parado no batente da porta, aparentava estar com o humor pior do que o normal. Eu o entendia, passar o final de semana servindo de manequim para Hera e pagando as contas da festa de aniversário de casamento não era fácil.

Ele estava com roupas casuais e confortáveis. Até mesmo ele ficava confortável quando esta em casa. Usava uma calça de tecido leve, camisa simples e chinelos. E pendurado no pescoço tinha duas gravatas diferentes, provavelmente Hera estava tentando se decidir entre prata e vermelho.

– Jason. Saia. - ele ordenou.

Esperei que Jason, meu irmão, que mais parecia um soldado romano, acatasse sem reclamar, como ele sempre fazia. Contudo ele soltou um olhar de indignação.

– Esse quarto é meu! - ele gritou.

Realmente, a intrusa era eu.

Zeus não se abalou, olhou-o impaciente.

Finalmente Jason saiu do quarto, pisando forte e com uma expressão facial que faz jus a expressão "cara de orifício anal". Zeus fechou a porta atrás dele e notei o quanto eu estava ferrada.

Desde o dia em que ele me saindo do apartamento de Nico ele tinha evitado falar comigo, reafirmando minha posição de ovelha negra da família. Se ele estava quebrando o silêncio, não seria para um caloroso pedido de desculpas, seria para mais humilhação.

– Estava ajudando Hera com os preparativos, quando recebo um e-mail nada agradável. - ele falou tirando o aparelho celular do bolso e entregando-o na minha mão. - Tem noção de como eu me sinto cada vez que algum engraçadinho me envia essa droga?

A situação era péssima, meu pai não utilizava a palavra droga. Até mesmo quando estavam falando sobre substâncias ilícitas, ele usava o termo entorpecente.

Reconheci as imagens na tela do celular.

Por semanas elas tinham me assombrado, não conseguia entrar em redes sociais ou utilizar a internet sem que alguém caçoasse compartilhando a porcaria do vídeo onde eu passava vergonha com Luke. Tinha chegado até a desativar contas, mas não adiantava. Uma vez na internet, para sempre na internet. Era como se sempre fosse ser reconhecida como a garota do boquete.

Zeus tinha chegado a prestar queixa, depois de me xingar de todos os nomes possíveis e imagináveis, processando os pais de Luke. Este foi obrigado a exclui-lo, mas eram tantos compartilhamentos e pessoas salvando-o que era impossível tirá-lo definitivamente da rede.

– Você pode agir como se não fosse minha filha do portão para fora, contudo enquanto estiver morando na minha casa vai seguir as minhas regras. - ele falou severamente. - É importante para Hera que tudo saia perfeito, portanto você irá colaborar com ela.

Eu pisquei.

É importante para Hera que tudo saia perfeito? É importante para mim que aquela vaca para de andar de salto as quatro da manhã e me deixe dormir, é importante que ela pare de gastar a minha futura herança em bolsas da Gucci. São tantas prioridades que eu não conseguia ver como uma festa de aniversário de um casamento fracassado poderia sair perfeita.

– É importante para Hera ter milhões de sapatos de salto, embora só tenha dois pés. Não sei como posso ser útil. - respondi - Você não quer que eu saia para as compras com ela e comece a chama-la de mamãe?

Para variar, meu pai não achou graça.

– Se começássemos a nos chamar de adjetivos que nos representam, tenho medo de como a chamaríamos. - respondeu me deixando extremamente irritada, afinal ser chamada de bastarda não era o suficiente - E refiro-me a não atrapalhar a noite dela, entende? Ela separou roupas novas para você e você usará, será cordial e educada com todos.

Eu sorri.

Seja qual fosse o universo paralelo onde meu pai pensava viver, ele deveria saber que educada e cordial jamais seriam elogios a mim. Não sentia essa necessidade que as pessoas tinham de serem generosas umas com as outras, minha única necessidade no momento era transar novamente com Nico Di Ângelo e arranjar uma boa desculpa para não comparecer aquela festa.

Decidi ser inteligente. Assenti cinicamente e esperei que Zeus fosse embora convencido de que eu colaboraria.

– Ingênuo você, papai. - sussurrei.