Um Anjo (quase) Caído escrita por Gaby Molina
Heath
— Vocês parecem perdidos — notou uma garota, se aproximando. A pele era ligeiramente mais bronzeada que a minha, e ela possuía cabelos escuros enrolados e olhos cor de âmbar.
— De fato — sorri. — Qual é o seu nome?
Ela pareceu surpresa por eu querer saber o nome dela.
— Audrey Miller.
Merda.
— Eu sou Heath Seeler, e esse é o meu primo, Damien Gull.
— Americanos?
— Sim, senhorita, alunos de intercâmbio — fitei-a nos olhos.
— Por quanto tempo?
— Depende do que eu encontrar aqui — sorri novamente.
O sinal tocou.
— Bem, preciso ir para a aula agora — ela me fitou. — Mas se precisar de qualquer coisa... Sabe onde me encontrar.
Ela sorriu uma última vez. Pisquei, dando um sorriso de canto, e ela foi feliz para a aula.
— Heath, que merda foi essa? — Damien ergueu uma sobrancelha.
— Uma missão de reconhecimento, oras.
— Precisa que eu te lembre do que aconteceu da última vez que você deu em cima de alguém?
— Mas era diferente, a garota era um anjo. Essa menina é mortal. E, se me permite citar — pigarreei. — Nefilim que servem aos Céus não devem se envolver fisicamente ou emocionalmente com mortais. Eu não fiz nenhuma das duas coisas, fiz?
— Essa é realmente a única parte do Código que você se lembra?
— Claro que não. Também me lembro dos cinco elementos: ar, fogo, água, terra e queijo.
— Queijo?
— Tenho certeza de que li em algum lugar que o quinto elemento é queijo.
— Só não entendi o que você descobriu com essa missão, Sherlock Holmes.
— Eu descobri que aquela garota não é Serena Argent. Isso diminui nossa busca de 98 garotas para 97, viu só? — sorri e o arrastei para o corredor. — Precisamos pegar nossos horários. Como fazemos isso?
— Acho que temos que ir para a diretoria.
— Hã... Certo — aproximei-me de uma garota loura que estava arrumando o próprio armário. Encostei-me nele. — Oi — sorri.
Ela não retribuiu o sorriso, nem sequer olhou para mim.
— Onde é a diretoria? — perguntei.
Ela se virou para mim. Seus olhos azuis me analisaram de cima a baixo, e não demonstraram reação.
Menina estranha.
— Você tem cara de quem vai aprender o caminho rapidinho — fechou o armário, quase me acertando, e saiu andando graciosamente.
Damien estava se segurando muito para não rir.
— Está rindo do que, retardado? — ergui uma sobrancelha.
— Da sua cara de cachorrinho pidão quando percebeu que ela não ia se jogar em cima de você. Deve ser uma sensação nova.
— De fato — admiti. — Será que ela é lésbica?
— Ou apenas não está interessada em você.
Ponderei a ideia por um minuto.
— Isso não faz o menor sentido. Ela com certeza é lésbica.
Apesar de tudo, chegamos à diretoria. Bati na porta e entrei.
— Com licença...
Uma mulher de meia-idade com óculos quadrados me encarou.
— Os senhores não deveriam estar em aula?
— Nós... Hum... Nos atrasamos. Precisamos do nosso horário.
— Ah, vocês devem ser os novos alunos de intercâmbio. Seeler e Gull?
— Isso mesmo.
Ela nos entregou dois papéis.
— Como eu chego à sala 3B? — indaguei, ingênuo.
— Considerando seu atraso colossal, sr. Seeler, eu diria que o senhor tem muito tempo para descobrir.
E então ela nos enxotou para fora da sala dela. Simples assim. Senti saudade de Caius.
Serena
— Tenho certeza de que Heath estava prestes a me chamar para sair — contou Audrey na aula de Matemática.
— Hm.
— Pode ao menos fingir estar feliz por mim, por favor?
Quase contei a Audrey que o tal garoto veio ser engraçado comigo cinco minutos depois também, mas não o fiz. Até porque ele devia fazer isso com qualquer coisa viva que aparecesse no campo de vista dele.
Típico americano delinquente com complexo de superioridade.
— Estou feliz por você.
A dark shadow hid your face
When I found out you didn't tell me
Everything that there was to know
About...
Outra música sobre Patricia. Chega de músicas sobre a Patricia, censurei-me.
— O que você está anotando aí? — perguntou uma voz na minha frente.
— Não é da sua conta — soltei.
E depois percebi que a pergunta havia vindo do professor.
— É mesmo? — o sr. Timann ergueu uma sobrancelha. Ele amava fazer isso.
— Ah, não percebi que era o senhor.
— Agora percebeu. O que me diz?
— Já disse. Precisa que eu repita? O papel é meu.
— É isso. Srta. Argent, vou mandar ligarem para os seus pais.
Soltei uma risada alta.
— Boa sorte com isso.
Ele me fuzilou.
— Detenção.
— Era tudo o que eu queria — zombei, deitando a cabeça na mesa.
Heath
— Damien! — encontrei o garoto no horário de almoço. — O que é "detenção"?
— Hã... Espere aí — Damien pegou seu celular (que havia ganhado da família com quem estávamos morando, e que deveria ser usado apenas para emergências) e digitou no Google. — Aqui, achei. Detenção. Ah, é quando você desrespeita alguma regra e tem que ficar até depois da aula na escola.
Até os professores sabiam que aquele lugar era um inferno.
— Então... Eu consegui ir parar no Corredor das Indulgências mortal no primeiro dia de aula?
Damien deu dois tapinhas em minhas costas, compadecido.
— Exatamente.
Depois da última aula — alguma coisa inútil terminada em ia —, ainda tive que descobrir sozinho onde ficava a sala de detenção.
Então, é, eu fui parar na detenção por chegar atrasado. E cheguei atrasado na detenção.
— Atrasado — a professora de Inglês, que mais parecia uma górgona, me encarou. Fiquei esperando virar pedra, mas não aconteceu.
— Desculpe — murmurei e me sentei no fundo da sala.
— Vocês vão passar a próxima hora aqui — a Górgona nos encarou. — Sem aparelhos eletrônicos. Sem conversa. Sem comida. Sem sair. Mijem nas calças, no lixo; eu realmente não me importo. Espero não vê-los aqui de novo amanhã.
Dito isso, ela saiu e trancou a porta.
Havia apenas quatro pessoas na detenção: eu, um garoto que estava desenhando na carteira com a ponta seca do compasso, uma menina ruiva que não parava de tentar me devorar com os olhos e a garota loura que fora rude comigo mais cedo.
Ela não fizera questão de acenar para mim, nem nada. Não me importei.
Foi quando ela começou a ouvir música.
— A Górgona disse "sem eletrônicos" — comentei.
— Você é o que, meu pai? — ela zombou, com sua voz fina carregada de sarcasmo. — Não gosta de The Beatles?
— O que é isso?
A garota ergueu uma sobrancelha, me encarando como se eu fosse louco.
— Você não conhece The Beatles?
— Não tem isso lá de onde eu venho.
— Quer dizer na América?
Sorri.
— Por aí.
— Tenho certeza de que as pessoas escutam Beatles na América.
— Ah, já que você é uma especialista no assunto...
Ela desviou o olhar, fingindo nunca ter falado comigo.
— Qual é o seu problema? — disparei, ainda encarando-a. — Você é alérgica a sorrisos, ou algo do gênero?
— Só a sorrisos de delinquentes idiotas com complexo de superioridade — ela praticamente cuspiu as palavras, escrevendo alguma coisa em uma folha de papel. — Essa coisa de sorrir e fazer as menininhas fazerem tudo o que você quiser? Não funciona comigo.
— É mesmo? — encarei-a, sorrindo para irritá-la.
— Audrey passou o dia todo falando de você.
— Quem?
— Exatamente — ela pegou uma barrinha de cereal e mordeu como se estivesse arrancando a minha cabeça. — É claro que você não se lembra. Afinal, veio dar em cima de mim cinco minutos depois, não é mesmo?
— Dar em cima de você? — soltei uma risada. — Para quem está falando de mim, você é bem convencidinha, não é? Afinal. Conversa com as pessoas, come barrinhas de cereal, ouve música... Que grande rebelde da detenção você é.
— Cara, alguém deveria realmente te chutar de volta para o seu país — ela revirou os olhos. — Ou te expulsaram de lá também?
Não respondi.
Ainda não, mas estão quase lá.
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