O Garoto Que Tinha Medo De Amar escrita por Gin


Capítulo 8
Pensamentos Complexos


Notas iniciais do capítulo

Para Gabriel

Talvez você não saiba que me ajudou

Mas eu nunca vou me esquecer do que fez



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/421004/chapter/8

Ainda não tinha amanhecido quando Ícaro abriu os olhos. Havia algo o incomodando, mas ele não sabia dizer o que era, nem desde quando isso havia começado. Tirou o lençol do corpo e sentou-se na cama, olhando para o quarto um pouco desarrumado. Só estava daquele jeito porque ele havia chegado há apenas três dias, mas com certeza estaria pior se fosse um pouco mais.

Ícaro levantou-se e começou a olhar pela janela. Seus olhos demoraram um pouco para se acostumar com a escuridão do local. O sol ainda demoraria para nascer, e ele não estava conseguindo dormir. Deitou-se no chão e começou a pensar nos dias anteriores. Pensou em Louise e em Lara, e imaginou como seria difícil a vida das duas. Como será que Lara se sentia com esse tipo de deficiência? Obviamente não era nem um pouco fácil... Depois sua mente saltou, e ele imaginou Richard tocando violão, enquanto Brandon, com toda sua estranheza, atuava, esboçou um breve sorriso ao imaginar a cena. Pensou em Britney e Ryan, aqueles dois sempre andavam juntos, Ícaro se perguntou se eles não eram namorados. Depois, seu pensamento foi para Amy, será que ela estava melhor? Será que conseguiu dormir aquela noite? Ícaro tinha suas dúvidas a respeito disso, mas esperava que ela estivesse bem. Por fim, voltou seu pensamento para Clara. Pensou em dezenas de situações que podiam estar acontecendo com ela, mas ele sabia que nenhum era a verdadeira.

Ícaro se deitou novamente e ficou observando o teto por um bom tempo, imaginando todo tipo de coisa que ele ainda viria a encarar nesse ano, pensou tanto, que acabou engolido nos próprios pensamentos, e adormeceu.

Ao som de centenas de batidas, Ícaro despertou irritado, ele sabia que era Richard. Vestiu uma blusa e passou pelo espelho. Seu cabelo estava todo bagunçado, seus olhos azuis totalmente caídos, e cheio de olheiras. Se não soubesse que era ele, Ícaro teria levado um susto consigo mesmo. Ao perceber que as batidas não pararam, dirigiu-se a porta, abrindo-a. Mas logo viu, que não era Richard, mas sim, Brandon. Ele usava uma camisa que dizia: “ F = m.a”. Ao ver que a porta foi aberta, ele olhou lateralmente para Ícaro e ficou encarando ele, sem dizer uma palavra.

— É... Olá Brandon, bom dia. – Falou Ícaro com uma tonalidade irônica.

Brandon olhou por todo o quarto de Ícaro e depois olhou pelo corredor.

— Seu quarto não é muito arrumado não é? – Falou ele, enfim.

— É porque você não viu o quarto da minha casa ainda, é dez vezes mais bagunçado que isso. – Falou Ícaro, sorrindo.

— Ah é? Imagino que seja divertido morar sobre essa quantidade massiva de escombros.

— Sim, com certeza, é perfeito para se deitar e quebrar suas costas.

Brandon riu com esse último comentário, mas não foi uma risada simples, foi uma gargalhada demorada e capaz de fazer várias pessoas acordarem ao mesmo tempo.

— É... Brandon, por favor, ainda tem gente dormindo.

— Verdade, ok, ok. Parei, mas então... – Ele encarou Ícaro de uma forma estranha.

— Então... – Ícaro continuou.

— Eu vim aqui para convidar você para comparecer na nossa reunião do clube de histórias.

— Clube de histórias? Isso existe? Quantos clubes tem nessa escola? Espera! Quantos clubes você participa?

— Apenas um, clube do teatro. – Falou Brandon, como se Ícaro fosse um retardado.

— E esse tal “clube de histórias”?

— Ah! Isso não é um clube de verdade, nós só chamamos assim porque foi o único nome que conseguiram inventar. – Assim que Brandon falou isso começou a saltar sem direção e sem razão.

— É... A criatividade de vocês com certeza me surpreende... Mas uma coisa, o que é esse clube de histórias?

Brandon parou de pular e olhou demoradamente para o quarto e para Ícaro, depois começou a falar:

— É basicamente pessoas se encontrando e contando histórias umas às outras. Nós nos reunimos em um local e começamos a trocar contos.

— Interessante, quando e onde? – Perguntou Ícaro, animado, era uma boa ideia poder compartilhar uma história com outras pessoas.

— Hoje, no seu quarto, as 9 horas da noite.

— Meu quarto? Porque aqui? E porque tão tarde? Já passa do horário de recolher, se você não sabe.

Brandon fez um “X” com as mãos e encarou a parede.

— Não tem graça se não for tão tarde, e seu quarto é perfeito para contarmos histórias, não tem muita coisa e o que tem ainda é bagunçado.

— O que isso tem a ver com histórias?

— É um bom ambiente para qualquer garoto, assim é mais fácil se sentir à vontade. Os outros quartos são limpos porque os pais devem pagar uma funcionária para limpar, mas parece que os seus não.

Ícaro deu um leve sorriso ao ouvir isso.

— Bom... Acho que meus pais devem saber que gosto de bagunça, por isso não fizeram nada. – Mentiu Ícaro.

— Ok então. Nos vemos depois. Não arrume a bagunça, não iremos gostar.

— Espera, quem mais vem?

— Richard, Ryan, Sebastian, Ronald e eu.

— Ronald? Quem é? – Ícaro se esforçou para tentar lembrar de algum Ronald, mas não conseguiu.

— Não o conhece? Melhor ainda, ai vocês podem se conhecer! – A última palavra de Brandon saiu como um trovão de tão alta, alguns quartos começavam a mexer a maçaneta, provavelmente para saber que barulho era aquele.

— Eu estou indo! Pessoas irritadas estão vindo! – E ao dizer isso, Brandon saiu correndo.

Algumas portas se abriram e no impulso, Ícaro fechou a porta do seu quarto assustado com a bronca que poderia levar, felizmente parecia que ninguém sabia de onde tinham escutado o barulho.

Ícaro olhou pela janela do seu quarto e percebeu que não havia quase ninguém lá em baixo ainda, eram apenas seis da manhã, e os poucos que estavam ali, se encaminhavam ao refeitório para comer alguma coisa. Ele tomou um banho, escovou os dentes e deu uma leve arrumada nos seus cabelos, se olhou no espelho e percebeu que estava tão normal quanto um elefante voando, mas era assim mesmo que ele se sentia, todos os dias.

Pouco tempo depois, Ícaro estava se dirigindo ao refeitório, quando ele observou Allan conversando com uma garota. Ele parecia cabisbaixo e de alguma maneira abalado. Ícaro lutou contra as forças que lhe faziam ir conversar com ele, aquilo não era da sua conta, e o que Allan parecia sentir era totalmente contraditório. De qualquer maneira, não cabia a ele se preocupar com o que Allan estava passando, por mais que ele tivesse interesse em saber o que Allan teria a dizer.

Antes de ir até o refeitório, Ícaro resolveu passar no campo de atletismo, para ver se via Jocelyn, mas não achou ninguém correndo ali, com exceção de um garoto que corria para impressionar uma mulher mais velha, talvez uma mãe de algum aluno. Havia duas garotas sentadas na fonte que agora funcionava normalmente, ele a olhou por um tempo lembrando do dia anterior, pensou em Amy novamente, mas logo afastou seu pensamento. Foi até o mais próximo que podia de chegar no dormitório feminino, com a leve esperança de achar Clara, mesmo no fundo, sabendo que não a viria.

Com os corredores do colégio vazios, foi bem simples conseguir chegar ao refeitório, Ícaro decidiu que iria acordar cedo todos os dias para poder comer em paz. Ao chegar, pegou um pão e um copo de suco, e observou o local por um tempo, Amy estava sentada sozinha no canto da sala, devorando duas coxinhas ao mesmo tempo. Sem pensar, Ícaro foi até lá e se sentou ao seu lado.

— Bom dia. – Ele disse, sorrindo pra ela.

— B-Bom dia. – Disse ela com a boca cheia.

— Está melhor de ontem? – Ícaro disse em baixo volume, não seria bom se alguém escutasse.

Amy assentiu lentamente, envergonhada, depois engoliu o que sobrou das duas coxinhas.

— Eu... Não consegui dormir direito, por isso, quando o sol raiou, já vim direto para cá. – Ela abaixou a cabeça e ficou olhando para o chão por um momento, depois levantou e olho para Ícaro. – E você, como passou a noite? Viu as estrelas?

Ele deu um leve sorriso, mas logo ficou preocupado com a situação em que Amy poderia estar.

— Eu não consegui, infelizmente era arriscado demais, até mesmo para mim, resolvi colocar meu senso de rebeldia no bolso e voltar para dormir.

— Dormir? – Amy subiu um pouco na mesa e ficou quase cara a cara com Ícaro. – Seus olhos me dizem outra coisa.

— B-Bem... – Ícaro inquietou-se e se ajeitou na cadeira. – É, tive algumas dificuldades no meio da noite, mas isso acontece de vez em quando. – Ele olhou para os lados pensando em alguma coisa. – Então você veio aqui e começou a devorar coxinhas não é? Típico de você.

— Claro! Coxinhas são as melhores coisas do mundo, muito melhores que namorados!

Ícaro sorriu e logo se lembrou da cena que tinha visto. De Allan deprimido conversando com uma garota. Ficou em dúvida se contaria ou não a ela, mas percebeu que ainda era muito recente e contar só pioraria as coisas. Ele mordeu um pedaço de pão e ficou ali, esperando ela falar alguma coisa. Quando o silêncio passou a se tornar incomodo, Ícaro observou que Lara e Louise se sentavam e conversavam.

— Amy, se você não se incomo...

— Pode ir. – Ela falou tão rápido e com um sorriso tão grande que deixou Ícaro sem graça, mas ele resolveu não protestar, e dirigiu-se a mesa onde as duas estavam sentadas.

— Olá. – Louise falou, enquanto ele se aproximava.

— Bom dia. – Disse Ícaro sorrindo e se sentando.

— Quem está aqui, Louise? Eu reconheço sua voz. – Falou Lara enquanto mexia a cabeça procurando uma resposta.

— Sou eu, Ícaro. – Ícaro respondeu com entusiasmo.

— Ah! Bom dia Ícaro! – Lara deu um sorriso belo.

Os cabelos ruivos de Lara estavam soltos e suas pontas, como sempre, meio onduladas, ela usava seus óculos preto de costume, vestia uma camisa branca e uma calça jeans, apoiada na cadeira, estava sua bengala. Louise, por sua vez, sentava do lado de Lara, seus cabelos pretos estavam presos por uma tiara, seus olhos castanhos estavam caídos e com olheiras, ela vestia uma blusa azul e calça jeans preta.

— Está tudo bem com vocês? Porque estão aqui tão cedo?

— É a melhor hora para comer alguma coisa, tem pouca gente, e sabe, andar com a Lara na multidão não é fácil. – Respondeu Louise bebendo um gole de seu suco.

Lara abaixou a cabeça, talvez se sentindo culpada, porém Louise foi rápida e acariciou sua cabeça.

— Mas ter o sorriso belo da Lara é algo que me anima e motiva todos os dias.

Lara sorriu e abraçou o braço de Louise.

Ícaro observou aquela cena e se perguntou o que as duas eram e como se tornaram tão próximas, pensou em perguntar se ela era cega de nascença ou teria perdido a visão após algum acidente, mas ele não as conhecia direito, nem tinha liberdade o suficiente com as duas para fazer isso. Em vez de falar algo, ele apenas sorriu e acariciou um pouco a cabeça de Lara.

— Vocês duas são ótimas amigas não é?

— Sim! Louise é a melhor pessoa desse mundo. – Disse Lara sorrindo tão fortemente que fez Ícaro sorrir junto.

— Ah, pare com isso. – Falou Lara, enrubescida.

Os três deram uma risada suave que fez Ícaro se acalmar mais um pouco.

— É isso, eu acho que vou indo. – Disse Ícaro.

— Até mais, Ícaro. – Falou Lara sorrindo.

Louise deu um leve aceno, enquanto ele saia.

Ícaro passou mais uma vez pelo campo de atletismo, a fim de ver Jocelyn, mas ela não estava correndo, estava sentada na grama ao lado de uma outra garota, ele as observou por um tempo, de longe. Era Clara. Seus cabelos loiros estavam soltos, e flutuavam ao redor da grama com o vento, ela vestia uma saia que cobria até os joelhos e uma camisa azul com desenhos de dragões, as duas pareciam bem sérias enquanto conversavam. Ele pensou em ir até lá e conversar, mas pelo jeito que as duas falavam, a conversa não era sobre coisa boa, o que fez com que a preocupação de Ícaro aumentasse ainda mais.

Sem ter o que fazer, ele se sentou sobre a grama, um pouco distante das duas, e ficou olhando os estudantes passarem e conversarem. Olhou para as nuvens e ficou contemplando elas e as diferentes formas que fazem, estava praticamente sonhado acordado, quando uma mão tocou em seu ombro, era Richard.

— Está tudo bem? – Ele perguntou, com uma cara preocupada.

Ícaro assentiu, mas seus olhos logo foram até a outra parte da grama, onde Jocelyn e Clara conversavam. Sua expressão era de confusão, ele queria saber o que estava acontecendo, mas não sabia como. Richard acompanhou seu olhar e assim que percebeu do que se tratava deu alguns tapas nas costas de Ícaro e sentou-se ao seu lado.

— Ah cara, essas coisas acontecem. – Disse ele, por fim.

Ícaro abaixou a cabeça, não tinha nem escutado o que Richard havia dito, sua cabeça estava pensando em Clara, mas por que? Por que ele estava tão preocupado com essa garota? Por que a preocupação com ela superava as outras coisas? Essas eram as perguntas que mais incomodavam o garoto, que olhava para baixo e acompanhava o pouco de grama que movia-se com o vento em baixo dos seus pés. Richard falava algo, mas ele não era capaz de ouvir. Devia ter passado minutos, horas, ou apenas alguns segundos, mas quando ele levantou a cabeça novamente, Jocelyn estava correndo no campo, e Clara havia sumido. Richard havia deitado próximo a ele, observando enquanto a mesma corria.

— Se libertou do transe? – Disse ele sorrindo ao ver que Ícaro estava melhor.

Sua cabeça ainda estava meia tonta, mas ele assentiu.

— Eu não sei o que está acontecendo, Richard... Tenho tido pensamentos muito difíceis de largar e de explicar...

Richard levantou-se e pôs a mão em seu ombro.

— Olha, talvez você devesse fazer algo que não faz há um bom tempo.

— Desenhar? – Disse Ícaro, logo lembrando que realmente não fazia isso há muito tempo.

— Não. – Richard balançou a cabeça. – Escrever.

— Minhas poesias pararam de fazer sentido há um bom tempo, pois eu não tinha mais inspiração.

Richard assentiu.

— É, mas parece que agora você está voltando a ter. – Se levantou. – Bom, espero que possa ouvir uma boa história sua hoje. – Disse ele, indo embora.

Ícaro olhou para os lados, a procura de Clara, sem sucesso. Pensou em falar com Jocelyn sobre ela, mas provavelmente a mesma só diria sobre ele ingressar no clube de atletismo.

E nesse momento, ele não sabia o que fazer, estava preocupado e com uma dor no peito sufocante. Então, Ícaro observou os pássaros voando no céu, e o movimento das nuvens. Tudo era calmo e simples, e o acalmou. Ele se levantou, pegou suas coisas e começou a correr pelo colégio, havia uma garota que ele tinha que encontrar, e ele iria encontra-la.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Próximo capitulo, emocionante.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Garoto Que Tinha Medo De Amar" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.