O Garoto Que Tinha Medo De Amar escrita por Gin


Capítulo 28
O Bater das Asas


Notas iniciais do capítulo

Para Kelvy

Por ter me ajudado a amadurecer

Aquelas nossas conversas até tarde da noite, vão ficar pra sempre na minha cabeça, irmão



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Clara

 

O silêncio predominava na sala do conselho estudantil, um tipo de silêncio incômodo e horrível de se sentir, era o tipo de coisa pela qual você não gostaria de passar. Ele estava por todos os lados, entre as paredes recém lavadas, o chão recém polido, e as mesas que antes eram carregadas de papéis e formulários, mas que agora possuem apenas algumas folhas jogadas por entre elas. As cadeiras estavam desorganizadas, como se mostrassem que não havia muita coisa para fazer, a ponto de se querer sentar por muito tempo, as prateleiras estavam cada vez mais vazias, como se dissesse que tudo que fosse para fazer, estava quase sendo concluído. Entre o silêncio e o vazio espaço daquela sala, encontravam-se três pessoas, Sebastian estava sentado encostado na parede onde se encontrava a janela do local, seus cabelos bagunçados estavam ligeiramente caídos, como se ele não tivesse sequer o trabalho de passar a mão para ajeitar, seus olhos baixos e desmotivados estavam presentes, talvez a única coisa comum daquela sala, ele vestia camisa verde, e calça azul. Do seu lado, estava uma garota que também não era comum passar um tempo ali, era Amy, amiga de Sebastian e integrante do clube de doces, seus cabelos bagunçados estavam presos em um rabo de cavalo, seus olhos castanhos estavam quase sem brilho, escondidos por de trás dos seus óculos, ela deveria ser a única coisa ali que preveniria o silêncio total, pois naquela sala silenciosa, ela era o elemento que a movia. E como a última pessoa, a única sentada normalmente, ocupando uma cadeira, estava Clara, olhando distraidamente pela janela, para o céu azul, até então sem nuvens. Seus cabelos loiros estavam avoaçados pelo vento que passava por ali, seus olhos verdes estavam distantes e naquele momento pareciam totalmente sem brilho, sua blusa estava amassada, revelando que ela não teve muito trabalho para se vestir.

— O vento está forte, não é? – Amy tentou quebrar o silêncio, dizendo algo mais óbvio.

Sebastian olhou para cima, pela janela, e observou com dificuldade, o céu azul que se estendia.

— É, hoje realmente está ventando muito. – Disse ele, com um olhar seco e pálido, sem acrescentar nada mais na frase de Amy.

Clara por sua vez não respondeu nada, para ela não havia nada a se dizer, nem antes nem agora, e aquela situação parecia que iria durar para sempre.

— Nesses tempos em que estamos tendo pouca aula, o que o Conselho anda fazendo? – Perguntou Amy, novamente tentando quebrar o silêncio.

Sebastian olhou para a Clara, esperando que ela respondesse, mas quando viu que não faria, pôs-se a falar.

— Praticamente nada, uma vez ou outra vem um trabalho de formulário, mas o último já tem uns dois dias. – Disse ele.

Amy pensou em falar mais alguma coisa, porém percebeu que de nada ia adiantar, aquele silêncio não era do tipo que se quebraria com uma frase aleatória, era um silêncio difícil, um silêncio que não deveria existir, e que existirá, enquanto algo não for mudado ou resolvido.

Clara respirou fundo, e olhou para a mesa, onde havia um ou dos papéis, os pegou e passou a ler, por mais que já tivesse feito a mesma coisa várias vezes.

— É meio triste, não é? – Disse ela. – É como se estivéssemos esperando que algo acontecesse para mudar a situação.

— Não “é como”, e sim, realmente estamos esperando por isso. – Falou Sebastian, olhando para a parede.

Amy olhava para os dois com um ar de preocupada, ela sabia o motivo daquela situação, ela sabia e entendia os dois lados, mas enquanto sabia disso, não sabia como poderia agir diante daquilo.

— Ele... ele também está passando por dificuldades. – Falou Amy baixinho, mas o suficiente para Clara e Sebastian ouvirem, porém fingirem que não escutaram.

O silêncio continuou por mais alguns segundos.

— E então, como anda os preparativos do clube de doces? – Perguntou Clara.

Amy deu um sorriso um pouco mais animada.

— Até então está tudo bem, nosso clube não tem tantas atividades assim e nem precisamos de muito orçamento, já que decidimos ajudar nas coisas que eventualmente vamos comprar. – Ela sorriu. – Por hora só estamos esperando os locais que iremos preencher, e quanto podemos usar para nosso clube.

— Entendo, tudo deve estar uma correria no seu clube. – Clara passou a mão no rosto e levantou um pouco a cabeça.

— Sim, mas não é algo tão ruim, nós gostamos disso, todos estão bem animados!

Clara deu um leve sorriso para Amy, se esforçando ao máximo para parecer verdadeiro.

Antes que Amy pudesse responder algo, os três escutaram batidas na porta, o que quebrou o pensamento que estavam tendo, já que fazia tempo que não tinham alguém do outro lado.

— Pode entrar. – Falou Clara.

Após falar, houve mais um pequeno silêncio de quatro a cinco segundos, até que a porta se abriu, e Ícaro entrou na sala. Clara tentou esconder a cara de surpresa, mas provavelmente não conseguiu, Sebastian o olhava com um olhar frio e com uma reação que parecia ser desconfiança, já Amy estava preocupada, como se perguntasse o que ele iria dizer. Ícaro estava como sempre, seus cabelos negros estavam caídos em uma franja, seus olhos azuis estavam um pouco menos radiantes, porém nada além do normal, vestia uma blusa de manga comprida, e uma calça jeans preta, seu rosto estava com alguns hematomas, o que fez Clara se pegar pensando no que havia ocorrido, porém abandonar o pensamento logo, Ícaro parecia normal, como sempre foi, mas por alguma razão, Clara sentia algo diferente dele, talvez seu olhar de decisão, ou a forma como ele entrou e a encarou ainda da porta, ela fez força para apagar qualquer pensamento que a distanciasse da realidade e se concentrou, se acalmando.

— Eu disse que você não precisava mais se forçar a vir aqui. – Disse ela.

Ícaro caminhou um pouco e fechou a porta.

— Eu... tenho algumas coisas a fazer ainda.

Sebastian desviou o olhar, quando Ícaro o encarou, Amy se afastou um pouco dele, e encostou-se em uma prateleira, ainda sem dizer nada. Clara tentou se manter firme, e apontou para uma cadeira.

— Sente-se. – Disse ela.

Ícaro por sua vez, ajustou a cadeira e sentou, olhando para ela.

— O Campeonato de Clubes não está ocorrendo como eu esperava, e.... eu vim aqui perguntando se vocês não poderiam me ajudar. – Ícaro falou baixo, como se estivesse com vergonha, e colocando todo seu orgulho de lado naquele momento.

Clara pareceu surpresa, mas logo desviou o olhar, e não disse nada no momento.

— Ajudar você? Não foi você quem se colocou nessa situação? – Falou Sebastian. – Nós não pedimos por isso, sabia?

Ícaro abaixou a cabeça, mas logo a levantou.

— Eu sei, eu sei que fui em quem tomou essa decisão, e não avisei a vocês, sei que agi errado, a culpa é minha, não tem como negar. – Falou Ícaro.

— Entendo, então você está falando que a culpa é toda sua, não é? – Perguntou Clara, sem olhar para ele.

Ícaro assentiu.

— É, eu não... tenho como negar isso.

Amy olhou para os dois por um breve momento, nenhum conseguia olhar no rosto do outro, ambos desviavam o olhar.

— Já que você diz que a culpa é sua... então você quem deve corrigir seus erros. – Falou Clara, devagar e com a voz baixa, quase como se nem ela acreditasse no que havia acabado de falar.

Ícaro ficou calado por alguns segundos, e olhou para Sebastian, que desviou o olhar.

— É, tem razão. – Ele puxou a cadeira e se levantou.

Amy, ao ouvir isso, ergueu-se.

— Claro que não! Isso está errado! Como você pode dizer que é o culpado de tudo, quando você fez algo para protege-los também? – Falou Amy.

— Eu não fiz para protege-los, eu fiz por mim mesmo... – Disse Ícaro, a Amy.

— Que mentira! Se você tivesse feito por si mesmo não teria aguentado o que aconteceu, não teria aguentado toda aquela pressão que está acontecendo, não teria se metido em brigas, e não teria evitado vir aqui! Se você tivesse feito isso por você, você estaria jogando tudo que aconteceu na cara deles, porque eu vi! Eu vi o que aconteceu, e sei que você tem mais do que motivos para fazer isso. – Os gritos de Amy, quebraram qualquer silêncio naquele momento, fazendo com que os outros três olhassem confusos para ela. – Resolvam entre si, mas de forma justa. – Ao dizer isso, ela saiu da sala.

Sebastian, Clara e Ícaro se entreolharam, o clima estava pesado e tenso, e qualquer coisa que falassem poderia ser algo ruim.

— Olha, eu sei que o que fiz foi algo errado, eu sei muito bem disso. – Ícaro passou a mão nos cabelos e respirou fundo. – Vocês não sabem, o quão arrependido estou, e do quão ruim estou...

Antes que pudesse continuar, Clara e Sebastian o olharam diretamente, dessa vez, tão surpresos, que mal conseguiram conter a reação. Dos olhos azuis de Ícaro, lágrimas transparentes desciam, não eram muitas, mas era impossível não perceber que o que Ícaro estava falando era verdade, e o quão machucado ele estava.

— Eu agi errado, eu fui egoísta, achei que conseguiria e que vocês fossem me apoiar, não pensei no grupo, pensei em mim, eu sinto muito, de verdade! – A voz trêmula e falha de Ícaro era parada enquanto ele soluçava.

Sebastian se levantou, e virou as costas, olhando pela janela, depois respirou fundo, abaixando a cabeça.

— Me desculpe também, eu... disse todas aquelas coisas horríveis sobre você, e sequer sabia o que estava passando, esse não foi só um erro seu, eu agi errado também. – Ele colocou as mãos no ombro de Ícaro que por sua vez passou a mão sobre seus olhos avermelhados, limpando as lágrimas.

Clara parecia trêmula e sem voz, ela parecia tentar falar, mas não conseguia.

— Clara... eu fui um idiota, mas agora sei que vocês se importam comigo, eu consegui entender isso, que antes daqui eu poderia ser uma pessoa completamente sozinha, que vivia em meu mundo, achando que ninguém ligava para mim, mas quando cheguei aqui, descobri que tenho amigos, amigos verdadeiros que se importam com o que eu estou passando e me levantam se eu preciso... desculpe demorar tanto tempo para perceber algo tão simples. – Ícaro abaixou a cabeça.

Se levantando da cadeira, Clara o encarou, respirando fundo, se controlando para não desabar ali também.

— Você não agiu errado assim, não foi um idiota, você só não queria que a cobrança caísse em cima de nós, já que não estávamos tendo resultado, você queria nos proteger, mas eu, com meu jeito egoísta ao ver que você fez algo sem me consultar, quis jogar toda a culpa em cima de você, porque assim eu não precisaria me magoar assim. – Ela colocou a mão no rosto, cobrindo os olhos. – Eu sou desprezível! – E aos poucos começou a soluçar.

— Não é! Você não é! Não tem nada de ser desprezível nisso, a gente só não quer se machucar, é uma reação natural, nós somos humanos, somos pessoas que nos machucam e que não gostamos disso, isso não é ser desprezível, não é. – Ícaro segurou os ombros de Clara.

— A verdade é que houve uma falha de comunicação entre a gente, nós não conseguimos entender um ao outro, e por conta disso, apenas jogamos o que achamos ser correto em cada pessoa, mas não levamos tão em conta os sentimentos dela ao fazer tal ação, todos nós somos errados, só demoramos para admitir isso. – Sebastian olhava para o chão, evitando ao máximo encarar os dois, provavelmente teve que jogar parte do seu orgulho fora para admitir aquilo.

Clara soluçava e passava a respirar ofegantemente, afim de se acalmar mais, Ícaro passou a mão em sua cabeça, e a acariciou, fez aquilo levemente, sem parecer algo forçado, como se ele realmente quisesse dar carinho, como se ele a entendesse, entendesse o que ela estava sentindo naquele momento.

— Me desculpa por te machucar assim, Ícaro... – Falou ela.

— Eu já te disse uma vez, é impossível não machucar alguém, só que parece que eu mesmo havia esquecido desse ensinamento. Vou pensar mais em vocês, e refletir melhor minhas ações.

— Eu farei o mesmo. – Disse Sebastian. – Por mais que na maioria das vezes, eu já faça isso.

Clara deu um leve sorriso que ajudou ela a se acalmar, e suspirar.

— É, estamos juntos no mesmo clube, então acho que seria normal conhecer mais um ao outro.

Ícaro assentiu.

— Mas antes de fazer isso, parece que temos algo mais urgente, não é verdade? – Disse Clara.

Ícaro a olhou com um olhar de dúvida.

— Algo mais urgente? – Perguntou ele.

— Parece que você não só age sem pensar, mas também tem problema de memória. – Falou Sebastian, agora sentando em uma cadeira, como nunca havia feito antes.

— Você chegou aqui dizendo que tinha algo para fazer, e pediu nossa ajuda, ou então está desistindo do seu pedido? – Falou Clara melhorando o humor.

Ícaro deu um leve sorriso, e sentou-se no chão, desabando, como se tivesse tirado o peso de uma tonelada das suas costas, se lembrou da conversa que tinha tido no dia anterior com Jocelyn, sobre Atlas, aquele que segurava o mundo, e finalmente se sentiu que estava liberto daquilo tudo.

— Conte tudo que aconteceu, e tudo que você planeja, resuma a reunião que teve, e nos conte no que está pensando, nós vamos ajudar você. – Disse Clara, sorrindo para ele, e o levantando do chão.

— Bem-vindo novamente para o Conselho Estudantil. – Falou Sebastian. – Agora que você saiu e voltou, é um novato, o que significa que eu sou mais experiente.

Ícaro sorriu um pouco.

— Quem dera você tivesse passado por todo aquele sufoco que Clara e eu passamos na época que o Conselho tinha milhões de coisas para fazer.

Clara sorriu junto.

— É Sebastian, parece que dessa vez ele ganhou.

Sebastian deu de ombros.

E então, os três conversaram, e aos poucos foram colocando todas as ideias na mesa, refletiram e sorriram, e naquele momento parecia que nada havia acontecido, e tudo estava de volta ao normal, mas não estava, porque havia acontecido algo naquele dia, algo imperceptível do ponto de vista físico, algo que aconteceu dentro dos três, algo que poderíamos chamar de amadurecimento.


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Notas finais do capítulo

"O crédito pertence àquele que está sujo na arena".



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