O Garoto Que Tinha Medo De Amar escrita por Gin


Capítulo 27
Um Céu Cheio de Estrelas


Notas iniciais do capítulo

Para Juliana

Você é uma amiga tão incrível e tão dinâmica que não consigo te acompanhar

Obrigado por tudo que fez por mim, eu não vou te esquecer, esse capítulo é dedicado a você



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— O que foi isso?! – Disse Amy ao entrar na sala do Presidente do campeonato e observar o rosto de Ícaro cheio de hematomas.

Ícaro respirou fundo, sabia que aquela reação seria natural, se ajeitou na cadeira, e balançou a cabeça.

— Nada demais, apenas tive uma discussão.

— Você? Andou brigando? – Disse ela com um toque de surpresa bem enfático.

Ícaro a encarou por alguns segundos, tentando levar aquela situação com humor.

— É, até nós presidentes precisamos lutar nossas próprias batalhas as vezes. – Disse ele, de forma seca.

Amy passou o olhar pela sala, pegando uma vassoura, começou a varrer o local, apanhando alguns papéis que eram na verdade ideias descartadas, desembrulhou um e o leu.

— Muitas dessas ideias não podem ser usadas, não é? – Perguntou ela, com um toque de tristeza.

Ícaro assentiu sem esboçar muita reação.

— É uma pena, pois naquela reunião, muita gente deu ideias muito boas, que foram até divertidas de se ouvir. – Disse Amy, puxando uma cadeira e sentando.

— Pena que a palavra que você usou, foi “divertidas” e não “realistas”. – Falou Ícaro, tirando da sua bolsa um caderno. – As coisas não vão bem, e todo mundo tenta adquirir mais vantagem que o outro, gerando competitividade, o que no geral não é algo tão ruim, mas quando nossos recursos são limitados, acaba não dando muito certo. – Ícaro abaixou a cabeça, e tocou seu rosto.

Ícaro não era muito de brigar, na verdade, quase nunca faria isso, só se realmente fosse necessário, mas na situação no dia anterior, ele estava tão surpreso que sequer teve como reagir, Howard não era como ele, se algo não fosse como ele desejava, ele não sentava e conversava como ajustar tais coisas, ele não era assim, sua maneira de resolver tudo era violenta, esse era o jeito que ele encontrava de conseguir o que queria, assim como todas as pessoas tinham a sua forma.

— Quem foi? – Perguntou Amy, se referindo a briga que Ícaro teve.

— Ninguém importante, não se preocupe quanto a isso. – Ícaro pegou alguns papéis e olhou para Amy. – Hoje não vai ter nada demais então, se quiser ir para seu clube, vai ser melhor do que olhar para um cara abatido. – Ícaro deu um sorriso baixo.

Amy se levantou, puxou uma cadeira ao lado de Ícaro, e sentou-se.

— Acho que você devia confiar mais nas pessoas, e também acho que você não sabe o valor que tem, tanto para si mesmo quanto para os outros, e isso pode acabar te magoando muito. – Ela disse, passando a mão nos cabelos de Ícaro.

Ícaro a encarou, na verdade ele sabia disso, ele sabia que no fundo as pessoas se importavam com ele, mas não conseguia agir de acordo com isso, na verdade, não pensava muito quando ia agir, geralmente fazia tudo de forma egoísta, assim como Clara havia dito.

— Eu... – Ele começou, mas foi interrompido.

— Você já falou isso para Clara? – Perguntou Amy. – Já disse que precisa de ajuda? – Ela olhou para os lados. – Ontem essa sala estava lotada de pessoas, mas mesmo assim você estava se sentindo sozinho.

Amy colocou sua pequena bolsa em cima da mesa, e tirou um pedaço de pano, passou por cima, e limpou uma pequena quantidade de poeira que repousava ali.

— Não posso fazer isso, eu a magoei, não tenho esse direito. – Relutou Ícaro.

— Acho que esse não é um motivo tão convincente. – Disse ela.

— Olha, Ícaro. – Amy continuou. – Quando você me ajudou, lá na fonte de lágrimas, eu olhei e vi uma pessoa que poderia fazer qualquer coisa, não importa o que acontecesse. – Ela parou.

Ícaro balançou a cabeça negativamente.

— É, mas você não é assim, eu sei. – Ela continuou. – Ninguém é assim, mas isso foi o que minha expectativa me falou quando você fez aquilo, mas não quem você realmente é, acima de tudo, Ícaro, você é um ser humano, é falho, comete erros e faz besteiras, você está na juventude assim como eu, a gente é idiota mesmo. – Ela falou.

Ícaro deu um pequeno sorriso ao ver a forma como Amy falava, ela se mexia e remexia ao pronunciar cada palavra, mostrando que não tinha costume de falar daquele jeito, ou aquelas coisas.

— É, nisso tem razão. – Disse ele.

— Olha onde você chegou, está ouvindo um sermão meu! Um sermão meu, Ícaro! – Disse ela, apontando o dedo para ela mesma.

Ícaro deu uma risada.

— É verdade, parece que estou caindo num poço. – Disse ele.

Amy sorriu para ele.

— Se entendeu, então por favor, pare de se cobrar tanto. – Falou ela.

Aquelas palavras atingiram Ícaro de uma forma incrível, ele respirou fundo e pensou em tudo aquilo que havia acontecido, na decisão arriscada não pensada, nas brigas, nas conversas que ele teve e no quanto ele parecia ter mudado nesse pouco tempo. Pensou também em como ele era antes, nas viagens que fazia com seus pais, em todas as pessoas que conheceu e do que elas haviam deixado para ele.

— Obrigado, Amy, consigo pensar melhor. – Ele abaixou a cabeça e pensou por uns segundos. – Eu sei o que devo fazer.

Ícaro caminhou até a janela, e observou o entardecer e de como o sol estava quase a se por, logo seria a hora do jantar, e ele veria todo mundo de novo, o que o deixava ansioso de certa forma, mas aceitou isso naquela hora, e sorriu ao pensar.

— O que vai fazer? – Disse Amy sorrindo e balançando os braços com expectativa, provavelmente por essa ter sido a primeira vez que ela ajudou alguém com suas palavras.

Ícaro deu um grande sorriso.

— Por enquanto, nada. – Disse ele.

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Já era noite, e Ícaro arrumava cada canto do seu quarto bagunçado, arrumou sua estante e ajeitou sua cocha de cama, colocou suas roupas estiradas pelo chão nas gavetas do armário, arrumou cada par de tênis que possuía, e juntou eles direitinho encostados na parede, olhou para tudo aquilo e suspirou, satisfeito. Depois, pegou seu caderno e leu algumas poesias que ele havia feito há algum tempo, ensaiou mentalmente como estivesse tocando piano e sorriu ao lembrar que ele ainda tinha muito que aprender. Quando terminou todas essas coisas, ele pensou, isso era tão simples, mas ao mesmo tempo diferente, pois o mesmo não estava acostumado com isso, pois ele não era assim, mas quando o fez, sentiu uma sensação de satisfeito, sentiu algo bom, algo que talvez uma pessoa normal não sentiria, algo dentro de si, algo verdadeiro.

Ícaro abriu sua porta e desceu as escadarias do dormitório, era por volta de onze da noite, e todas os estudantes deveriam estar no dormitório, como era a regra da escola, mas naquele momento, ele não iria seguir as regras. Foi até a fonte de lágrimas, local onde ajudou Amy pela primeira vez e fez ela não se sentir tão só, se lembrou que na ocasião em que a ajudara, também tinha saído tarde assim. Sentou-se próximo a ela, estava desligada assim como era feito toda noite, Ícaro passou a mão pelo objeto e tirou uma quantidade pequena de poeira.

Olhou diretamente para o campo de atletismo, e pensou ter visto um vulto, de alguém passando, foi quando viu Jocelyn correndo ali, rodeando o campo com uma velocidade alta, ela vestia um short de atletismo, e calçava tênis, usava uma camiseta curta, que quando corria, mostrava parte de seu abdome, seus cabelos loiros estavam presos em um rabo de cavalo, e enquanto a lua iluminava o local, os fios brilhavam a cada passo que ela dava. Ele a observou, correndo, não com olhos pervertidos, mas sim com olhos de admiração.

Jocelyn, ao dar mais uma volta, percebeu Ícaro ali, e foi parando devagar, até se agachar, apoiando em seus joelhos para respirar ofegantemente, ela não parecia surpresa em o ver, fez alguns alongamentos e caminhou, até onde Ícaro estava, o cumprimentou, fazendo o garoto cumprimentar de volta e sentou-se do lado dele.

— Dia difícil? – Perguntou ela.

— É, talvez um pouco. – Disse ele olhando para ela.

Jocelyn estava suada e ainda respirava ofegantemente, porém ainda exalava um cheiro bom.

— Por que você está aqui esse horário? – Perguntou Ícaro. – Descansar também não é algo de extrema importância para um atleta?

Jocelyn olhou para ele.

— Essa é a única hora que posso correr livre de olhares dos outros, ou seja posso usar algo mais confortável, o que significa que é quando vejo todo meu potencial. – Ela franziu o cenho. – Mas parece que alguém quebrou as regras e veio me ver dessa forma, então meus planos não serviram de nada.

Ícaro deu um leve sorriso.

— Cada um com seus problemas, não é? – Ele falou.

— É, todos nós temos algo assim. – Ela falou.

Jocelyn passou a mão na grama e se deitou, respirando fundo, Ícaro seguiu o exemplo e viu o céu cheio de estrelas, coisa da qual ele adorava ver, e que não havia feito ultimamente, ao olhar para ele, sentiu uma sensação distante percorrer o seu peito, uma leve pontada de nostalgia fez com que ele olhasse para aqueles brilhos na noite com olhos pesados e cansados.

— Lindas, não é? – Falou ela. – Não importava quantas vezes você olhe, continuam sendo incríveis.

— Sim. – Confirmou Ícaro. – Olhar as estrelas era meu passatempo favorito, mas ultimamente eu não tenho visto elas, tanto que havia esquecido a sensação que dá quando se observa esse céu. – Ícaro contava as estrelas e tentava formar animais com elas, era um hábito que tinha desde criança, e sorriu ao lembrar em quão infantil isso era.

Jocelyn respirou fundo mais uma vez, e se sentou, olhando distantemente para o campo de atletismo, com olhos cerrados e frios, como se analisasse cada centímetro dali.

— Sabe, Ícaro, sei que as coisas não estão indo bem, talvez elas nunca foram, ou nunca estarão, mas você sabe que você não é o único nessa estrada, não é?

Ícaro a observou por um momento, ela disse aquelas coisas olhando para o campo, sem desviar ou piscar, provavelmente Jocelyn estava sentindo pressão de algum jeito, e como não sentiria? Ela era praticamente a representante da escola, a melhor estudante no atletismo. Isso fez Ícaro refletir, e se acalmar, ele não era o único, ele nunca foi, não poderia se fazer de vítima.

— É, sei bem que não estou sozinho por aqui, não tenha dúvidas quanto a isso.

Jocelyn olhou para ele, como se estivesse adivinhando o que ele estaria pensando naquele momento.

— Quanto mais você tenta, mais difícil fica, parece que está segurando o mundo como Altas da mitologia grega, e ao mesmo tempo que segura o mundo, você é esmagado por ele, e não sabe como fazer, pois não pode soltar, já que todo mundo depende disso, já que todo mundo acha que você consegue fazer isso e tem grandes esperanças em você. – Ela falou, gesticulando, com uma voz irritada.

— Somos feitos de expectativas das pessoas, e o tempo todo tentamentos corresponder a isso, e não é certo, pois isso acaba nos afastando de quem somos de verdade, e do que nós queremos ser, mas é tudo tão confuso... – Ícaro deu uma pausa. – Temos as expectativas, e tem como reagimos a ela, quem queremos ser e como vamos nos tornar isso, e também a nós mesmos, mas estamos tão perdidos em todas essas coisas, que fica difícil de nos achar.

Jocelyn assentiu.

— Acho que as pessoas não pensam muito sobre isso, deve ser mais confortável não pensar. – Disse ela.

— É, se eu não pensasse, acho que viveria bem melhor. – Falou Ícaro.

Jocelyn se levantou e espreguiçou o seu corpo, Ícaro virou o olhar enquanto ela fazia isso, depois fez alongamentos e deu a mão para levantar Ícaro, que se levantou com um pouco de dificuldade, por conta do sono e da pouca força que estava naquele momento.

— Eu vou sair da escola, Ícaro. – Disse Jocelyn.

— O que? – Ícaro olhou para ela abismado, sem saber como reagir.

— Vou me dedicar ao atletismo, fui chamada para fazer parte de um time profissional, e não posso continuar aqui. – Ela continuou.

— Mas Jocelyn, você tem certeza disso? Sei lá, você já conversou com alguém?

— Não, você é o primeiro que sabe, mas está tudo bem, eu já me decidi, vou seguir aquilo que gosto. – Jocelyn correu ao redor da fonte e parou. – Eu quero fazer isso, sendo eu mesma, não é uma decisão influenciada, e já que tive a oportunidade de fazer isso, por que não? – Ela sorriu para Ícaro, o que era uma coisa nova, já que raramente Ícaro a via fazer isso.

— Eu... eu te desejo boa sorte. – Disse ele, ainda sem saber o que dizer. – Não vai ser fácil, mas você consegue, sei que consegue.

— Eu sei que consigo, nada verdadeiro é fácil, nada que você quer construir é de verdade, mas a gente tenta, e se não der, busca ajuda, é assim que funciona, é assim que sempre vai funcionar. – Ela começou a correr devagar até o campo de atletismo. – Então, se não consegue nesse momento, busca ajuda, sei que está sendo difícil, mas é como você disse antes. – Ela fez uma pequena pausa. – Você não está sozinho nessa. – E ao dizer isso correu até o campo, com uma velocidade realmente alta.

Ícaro se levantou, e olhou para aquela fonte, se lembrando novamente do momento em que havia conversado e ajudado Amy, percebeu que ele havia mudado. Na verdade, desde que havia chegado no colégio, Ícaro estava mudando constantemente, em pouco tempo, ele conheceu tanta gente, tantas histórias, tantas pessoas, e provavelmente isso o fez mudar, acima de tudo ele percebeu que isso não era tão ruim, e que iria adaptar, e naquele momento ele passou a aceitar quem ele era de verdade, e de todas as coisas que ele havia feito, aquilo montou ele, aquilo o formou, então não era algo para se menosprezar assim, não era.

— Obrigado. – Ele falou para Jocelyn que provavelmente não escutou devido a sua concentração.

Dirigindo-se ao seu quarto, ele finalmente havia tomado uma decisão, ele seguiria firme nela, e não a distanciaria, havia coisas que precisavam ser feitas, e Ícaro faria, e conseguiria.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por me acompanharem, amigos, agradeço de coração.



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