Ícaro desceu as escadas sem saber ao certo onde estava indo e o que iria dizer. Ele precisava falar com a Clara, pedir desculpas pela sua atitude, era realmente necessário, mas enquanto descia os degraus do terceiro andar, percebeu que não tinha a menor ideia de como falar isso para ela. Parou próximo a janela e observou de longe a piscina, onde havia um pequeno fluxo de pessoas indo e vindo, trazendo alguns objetos e limpando as bordas, provavelmente mais um preparativo para o Campeonato de Clubes, pelo qual ele estava presidindo.

Ícaro encostou as costas ao lado da janela, e respirou fundo, sua cabeça estava pesada e doendo, eram tantas preocupações, e ele sequer sabia por onde começar, porém naquele momento, ele percebeu que foi ele mesmo quem se colocou diante daquela situação, fora ele quem ocasionou tudo isso, o que o fez ficar ainda mais deprimido.

Observou alguém subir as escadas, duas pequenas garotas, uma com cabelos pretos e curtos, e olhos castanhos, outra com cabelos ruivos e ondulados, característica que Ícaro conhecia bem de quem pertencia, eram Lara e Louise.

— Olha só quem achamos aqui. – Disse Louise terminando de subir as escadas e ajudando Lara a fazer o mesmo. – Olha Lara, Ícaro está aqui. – Ela disse e Lara logo soltou um sorriso.

— Ícaro! Bom dia, já faz algum tempo. – Disse Lara sorrindo, e com a ajuda de Louise, encostando na parede, procurando tocar no rapaz.

Ícaro sorriu de volta.

— Ah, Lara, bom dia! – Ele se aproximou, e acariciou os cabelos da garota. – Realmente já faz um bom tempo.

Lara fez uma reverência, como se fosse uma princesa, e depois colocou a mão na testa em continência, como se fosse um soldado.

— Soldado Lara se apresentando ao serviço, senhor! – Disse ela em tom suave e calmo.

Ícaro sorriu.

— Bom trabalho soldado, fez um bom papel em suas missões anteriores. – Disse ele, sorrindo enquanto isso.

Louise balançou a cabeça, e se sentou na escadaria próxima a parede, rindo daquilo tudo.

Lara encostou as mãos sobre a janela e foi andando até encontrar com o corpo de Ícaro e o abraça-lo.

— Parabéns pela eleição, capitão. – Disse ela sorrindo.

Ícaro retribuiu o abraço, e acariciou a cabeça dela.

— Obrigado, soldado, o capitão aqui tem muito trabalho a fazer. – Disse ele.

— Como foi e contra quem concorreu? – Perguntou Louise da escadaria, com ar de curiosidade.

Como o fundamental não participava das votações de Presidente do Campeonato, eles também não ficavam sabendo de forma direta, o que fazia com eles tivessem que ir atrás de informações caso quisessem saber.

— Bom, nem me preocupei quanto a isso, foi apenas eu contra eu mesmo, e adivinha? Eu ganhei. – Disse Ícaro dando de ombros.

— Ninguém se candidatou contra você? – Perguntou Lara, soltando ele devagar e se apoiando na parede. – Por que?

— Acho que ninguém queria competir comigo, pois sabia que ia perder. – Ícaro sorriu para Lara.

— Na verdade, é mais fácil achar que ninguém é idiota o suficiente para querer esse cargo, isso sim. – Disse Louise se referindo a Ícaro.

Ícaro deu de ombros, assentindo.

— É, talvez seja isso.

Lara contorceu a cabeça, pensativa.

— Você não me parece muito feliz no cargo, Ícaro, não era o que esperava quando se candidatou? – Perguntou ela.

Ícaro ficou em silêncio por um ou dois segundos, respirou fundo e respondeu.

— Não é bem isso, é que por conta de eu ter feito essa escolha, acabou gerando alguns problemas entre mim e meus amigos, e provavelmente é por isso que não pareço animado assim. – Disse ele.

Louise o encarou por alguns segundos, sem dizer nada, Lara abaixou a cabeça pensativa.

— E como tem sido o trabalho, é muita coisa para fazer? – Perguntou Louise, quebrando o silêncio.

— Por enquanto não tive tanta coisa assim, além do que eu já fazia, só aumentou a quantidade, mas não vai ficar assim por muito tempo, logo eu terei que me esforçar mais.

Louise tapeou seu braço, e desceu até a sua mão, a apertando forte.

— Você vai ficar bem, é a pessoa mais incrível que conheço, tenho certeza que vai conseguir passar por cima de todas as dificuldades que irão aparecer. – Falou ela com um sorriso lindo e encantador, realmente parecido com um de princesa.

Ícaro não conseguiu não sorrir de volta, tendo seu coração aquecido com aquelas palavras, talvez ele realmente precisasse ter escutado aquilo naquela hora.

— Muito obrigado Lara, e obrigado também Louise, vocês duas são boas garotas. – Disse ele, sorrindo para as duas.

Louise deu um suspiro.

— Disso eu já sabia. – Disse ela se fazendo de durona, mas logo sorrindo para ele.

Lara passou as mãos em seus cabelos ondulados sorrindo, ela se aproximou e abraçou Ícaro mais uma vez, que retribuiu o abraço.

— Obrigado. – Disse ele. – Agora eu me sinto melhor.

— Você tem que falar com alguém, não é? – Perguntou Louise.

— Como você sabe? – Ícaro olhou para ela, curioso.

— Bom, você está fora de sala enquanto devia estar trabalhando, estava olhando pela janela reflexivo e falou que a sua decisão fez você brigar com seus amigos, logo achei isso.

Ícaro parecia surpreso, ele não sabia que Louise era uma pessoa interpretativa.

— Não precisa mostrar essa cara de surpreso não, apenas vá se encontrar com ela. – Disse Louise.

Lara assentiu.

— Sim, todos nós temos problemas, mas é por isso mesmo que precisamos agir para resolve-los, agora você sabe que não está sozinho, vá em frente! – Lara levantou os braços como em sinal de comemoração, o que fez Ícaro rir um pouco.

— Pode deixar, eu irei. – Disse Ícaro. – Fico agradecido por terem vindo me ver, como agradecimento, eu irei fazer um bom Campeonato de Clubes para vocês, dos quais irão se divertir muito.

— Estou ansiosa por isso. – Disse Louise.

— Boa sorte! – Disse Lara.

Ícaro então se despediu, e desceu as escadas, em direção a sala do Conselho Estudantil.

Os corredores estavam agitados, assim como o esperado, havia diversas pessoas carregando coisas e mais coisas, outras com papéis, pessoas conversando entre si, e até algumas gritarias, quando Ícaro passou, elas faziam reverencias ou o cumprimentavam, mostrando o respeito para com o Presidente do Campeonato, isso o deixou meio envergonhado, mas ele fez esforço para não demonstrar que estava assim. Algumas pessoas entregavam papéis e conversavam sobre a situação do clube, no pequeno corredor do terceiro andar, ele teve que parar por sete vezes para conversar sobre esses assuntos, alguns tentando convencer ele a liberar mais orçamento para o seu clube, outros dando dicas e sugestões de atividades, o que deixou a cabeça dele confusa, ao chegar próximo a sala do conselho, foi parado mais uma vez, pelo líder do clube de futebol, que pedia uma partida comemorativa, reunindo várias pessoas e até mesmo os pais dos alunos que quiserem se arriscar, contra os professores.

— Calma, a gente vai discutir tudo isso na próxima reunião, então lá, você pode sugerir, e se estiver de acordo com horário e disponibilidade, podemos aceitar sua proposta. – Disse Ícaro sorrindo para o jovem.

— Certo, e quando será a próxima reunião, e quem irá participar dela? – Perguntou o rapaz, líder do clube de futebol.

Ícaro ficou pensativo no momento, olhando para o final do corredor, e para as pessoas que conversavam, ele não podia levar todos, pois iria virar uma bagunça.

— Espalhe entre os clubes, sábado será o dia da reunião, peça para o clube de jornalismo fazer alguns panfletos sobre isso. A reunião será comigo, e com os líderes de cada clube, cada um pode levar apenas uma pessoa para lhe acompanhar, lá iremos discutir as pautas de cada atividade. – Disse ele, ainda pensativo.

O rapaz concordou e logo correu para avisar as pessoas, deixando Ícaro seguir livre para a sala do Conselho.

Assim como sempre, a Sala do Conselho Estudantil estava aberta e limpa, as estantes de ferro estavam devidamente armazenando os papéis, alguns formulários estavam perfeitamente ajuntados em cima da mesa, alguns separados em pastas e categorias, o chão, azulejado estava limpo e perfumado, as paredes com as pinturas de lápis estavam lindas como sempre estiveram, a janela estava fechada, o que impedia a circulação de vento por ali, porém o local ainda estava arejado e fresco.

Não havia ninguém ali, o que quebrou a expectativa de Ícaro de encontrar Clara, ou até mesmo Sebastian, mas não, nenhuma pessoa estava ali.

Ícaro passou a olhar os formulários, e ver se tinha algum que não estava preenchido totalmente, encontrou uma pasta de formulários que faltavam serem feitos, colocou-os sobre a mesa, pegou uma caneta e escreveu as informações necessárias em cada um, e pouco a pouco os papéis foram se reduzindo. Ele pegou a vassoura e varreu o local, por mais que não precisasse de verdade disso, depois, com um spray perfumou e arejou ali, deixando o ar ainda mais cheiroso.

Ícaro apoiou as mãos na mesa e olhou para a cadeira de onde Clara sentava, e se lembrou de como era divertido fazer as coisas ali, por mais que muito cansativas, sempre foi satisfatório, pois ele não estava sozinho e tinha a melhor companheira que poderia ter. Naquele momento, ele sentiu seus olhos lacrimejarem, não pela falta que fazia ali, não pelo local estar arejado e as gotas de spray tocarem em seus olhos, mas sim... porque ele sentia saudade da Clara.

Atrás dele, ele escutou batidas na porta, por mais que ela estivesse aberta, viu uma garota de longos cabelos loiros, uma blusa azul, com mangas compridas, vestia calça jeans preta e calçava tênis brancos, porém o que mais chamou atenção no garoto foram seus olhos, lindos olhos verdes, que lembravam as ondas do mar. Ela olhava para Ícaro, mesmo que diretamente, não parecia, pois, seu olhar estava distante, como de quem tenta se lembrar de alguma coisa e não consegue.

— Posso ajudar? – Disse Clara, ainda sem entrar na sala.

Ícaro se virou totalmente e ficou sem reação naquele momento, passou a camisa nos seus olhos para enxugar as leves gotas de água que estava produzindo.

— Só... passei aqui para ver como as coisas estavam. – Disse Ícaro, olhando para o lado.

Clara entrou na sala e foi até os papéis que Ícaro havia preenchido, juntou eles, pegou uma pasta e os guardou lá dentro.

— Não precisava se dar ao trabalho, as coisas estão indo bem, até porque acredito eu, que você está pegando a maior parte do formulário, já que todas as atividades dos clubes estão se remetendo ao que você está presidindo. – Disse Clara, friamente.

Ícaro assentiu, com uma pequena dor no peito, seu coração estava acelerado, e ele estava nervoso, mesmo não entendendo o motivo, não havia ficado assim antes, provavelmente, era a primeira vez que ele se sentia dessa forma, e por isso não entendia direito o que estava acontecendo.

— Bom. – Ele se pôs a falar. – Por mais que agora eu seja Presidente do Campeonato, eu também sou um membro do Conselho Estudantil, por isso vim ver como estão as coisas. – Ao terminar, ele percebeu o quanto estava mentindo para ela e para si mesmo, não era por isso que ele tinha vindo, pois ele sabia que Clara conseguiria lidar muito bem, ele queria pedir desculpas e explicar a situação, mas não conseguia.

Clara deu um leve sorriso que se apagou rápido, olhou para o chão varrido e percebeu a mudança do aroma da sala, foi até a mesa, abriu uma das gavetas e pegou um formulário, olhando para ele, porém sem dizer nada.

Ícaro queria dizer alguma coisa para amenizar aquela situação, mas ele estava nervoso e triste, fora isso parecia machucado, magoado e afetado de uma forma que ele dificilmente havia se sentido anteriormente, seu coração doía, e seus músculos pareciam não se mexer, provavelmente ele estaria tremendo um pouco.

O silêncio continuou, por mais alguns segundos, até que Ícaro percebeu que não conseguiria mais nada ali, e decidiu ir embora.

— Não precisa mais vir aqui, se está aqui apenas por consideração, está perdendo seu tempo. – Disse Clara, sem o olhar.

Ícaro se virou para ela, se acalmando mais um pouco.

— Não é por consideração...

— É sim, você sabe disso. – Clara não deixou Ícaro terminar sua frase. – Você sabe que o que te trouxe aqui não é verdadeiro então.

Ícaro olhou para baixo, sem saber o que dizer.

— Se concentre no que tem que fazer, o Conselho vai se virar sem você, então não precisa perder seu precioso tempo de Presidente vindo aqui apenas para assinar alguns papéis e varrer o chão, deixa que nós mesmos cuidamos disso. – Clara falou, olhando diretamente para Ícaro, mesmo assim, seu olhar parecia distante e cansado.

— Eu não queria que isso acontecesse. – Disse Ícaro.

— Eu também não, mas não fui eu quem agi, sem pensar nas consequências. – Falou Clara.

— É, mas parece que o feitiço se virou contra a feiticeira, porque você está agindo assim agora. – Ícaro falou e caminhou até a saída.

— Feche a porta quando sair. – Disse Clara.

Ícaro olhou mais uma vez para ela antes de sair da sala, e mesmo sabendo que a porta do Conselho quase sempre estava aberta, ele a fechou. Caminhando de volta para sua sala, no caminho, ignorava as pessoas, e antes de chegar no local, duas ou mais lágrimas caíram de seu rosto.