O Garoto Que Tinha Medo De Amar escrita por Gin


Capítulo 24
Decisões Corretas, Nem Sempre são Corretas


Notas iniciais do capítulo

Para Guilherme (Irmão do Gustavo)

Por ter sido um amigo daqueles que a gente lembra pra sempre

Torço muito por sua felicidade irmão, ainda vamos nos reencontrar



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Ícaro

Ícaro examinava um a um cada papel referente exclusivamente dos clubes ao Campeonato de Clubes, ele vinha fazendo isso já havia algumas horas, e como reação, sua cabeça estava sendo apedrejada de tantas informações ao mesmo tempo. Seus cabelos negros estavam bagunçados, fazendo com que sua franja não fosse exatamente uma franja, e sim uma espécie de amontoado de cabelo, seus olhos azuis estavam caídos e era difícil dizer sua cor, já que estavam quase se fechando o tempo todo. A sala do presidente não era lá grande coisa, tinha talvez três a quatro metros quadrados, com grandes estantes amontoadas nas paredes pintadas em branco, impecavelmente organizadas, o piso era de mármore como uma biblioteca, as mesas também eram de madeira, dando um toque “antigo” a sala, o amontoado de papeis na mesa de Ícaro ficava no caminho de quem entrasse na sala e procurasse o garoto, ele estava ali, lendo todos os relatórios e pedidos que cada clube fazia, contava a quantidade de gastos que iriam ter, olhava para ver se era possível dar esse orçamento ao clube, e se sim, ele aceitava.

Ao lado de Ícaro, estava Richard sentado, acompanhando os papéis e cuidando da parte burocrática, o mesmo havia decidido se tornar vice-presidente quando viu o quanto Ícaro estava com dificuldades, seus cabelos encaracolados estavam mais mexidos que o de costume, resultado na quantidade de vezes que o mesmo passou a mão sobre eles, em sinal pensativo, seus olhos castanho-escuros estava ainda mais escuro e fundo, mostrando que ele também não teve tempo para outra coisa.

— Essa pilha parece não acabar. – Disse Richard, resmungando e respirando fundo.

— Devia ver a do Conselho Estudantil é assim todo dia, se eu não... – Ícaro parou por um momento, e se lembrou do Conselho.

No dia anterior, o garoto havia brigado com Clara, sua amiga e companheira de clube, isso porque ele havia tomado uma decisão muito extrema, de simplesmente se candidatar ao cargo, sem perguntar nada a ela ou Sebastian, seu outro companheiro. Mas as intenções de Ícaro, eram nobres, ele tinha certeza de que estava fazendo o certo, pois se não fizesse logo, o prazo iria passar e não haveria nenhum Campeonato de Clubes, pois sem o presidente, não seria possível.

Richard iria dizer algo, mas foi interrompido por Brandon que havia chegado na sala sorrindo, seu cabelo preto e baixo estava bem penteado, como de quem acabou de sair do banho, seus olhos negros brilhavam de alegria.

— Olha só quem é o novo Presidente! – Disse Brandon entrando na sala, olhando para os lados como se procurasse Ícaro. – Qual vai ser a próxima lei? Abaixar o preço do dólar? Ou quem sabe fazer uma nova expedição para a lua?

Ícaro sorri um pouco, afastando os papéis da visão de Brandon.

— Quem dera se eu tivesse tanto poder assim, meu amigo. – Disse ele.

— E não tem? – Disse Brandon em tom realmente aborrecido. – Então para que raios serve um presidente então?

Richard sorriu também, e parou por um momento de observar os relatórios.

— Bom, aqui é só papel e burocracia, nada mais que isso. – Disse ele.

Brandon, caminhou e olhou um papel sobre a mesa.

— Esse aqui é do clube de teatro, parece que nossas atividades não serão tantas quanto esperávamos. – Brandon virou o papel para ter certeza de que o que leu era tudo. – Como você planeja organizar um evento tão grande com tantos clubes? – Disse ele meio duvidoso e até com uma expressão assustada.

Ícaro suspirou e balançou a cabeça.

— Bom, ainda estamos no começo, apenas resolvendo que atividades e quanto elas irão custar, depois disso... – Ele fez uma pausa. – Vamos nos reunir com os líderes de cada clube e conversar sobre onde e como isso vai acontecer.

Brandon olhou para Ícaro, o olhar penetrante como sempre faz.

— Você tem certeza de que está tudo bem? – Perguntou ele.

Ícaro pensou em dizer que não, que no fundo estava com medo das coisas darem errado, mas abandonou o pensamento na hora.

— Sim, Brandon, está sim, não se preocupe.

Brandon sentou-se em uma cadeira do lado de Richard, contemplou a mesa de madeira, e passou a ler os relatórios, pegou uma caneta, observou o orçamento total e passou a anotar se as atividades do clube de teatro eram ou não possíveis.

— Bom, aqui está. – Disse ele entregando o relatório a Ícaro, em seguida se levantando. – Eu realmente gostaria de ajudar mais, porém eu preciso ensaiar, mas se eu tiver um tempo entre um ensaio e outro eu venho aqui.

Brandon correu pela porta, sem sequer ouvir o “obrigado” que Ícaro iria lhe dizer.

— Cara estranho, não? – Disse Richard com um sorriso no rosto.

Ícaro ficou observando o relatório que Brandon fez, ele estava perfeito, divisão, anulação, e até os cálculos foram perfeitamente executados, e tudo isso em menos de um minuto. Brandon era um gênio, inclusive em perceber um problema que Ícaro fez questão de dizer que não havia.

— É, estranho, mas é um ótimo amigo.

O tempo continuou a passar e as folhas passaram a aumentar e diminuir, em um ciclo demorado, algumas eram entregues ao diretor, outras ficavam para serem analisadas mais uma vez.

Ícaro parou por alguns segundos e pensou sobre como o Conselho estaria fazendo seu trabalho, era Sebastian e Clara... ao pensar nisso, sentiu uma leve pontada em seu coração, como se ele tivesse ficado assustado, ou recebido uma dose de adrenalina. Se acalmou e voltou a raciocinar normalmente, por mais que a imagem dos dois trabalhando juntos o incomodava e muito.

Provavelmente não haveria tanta coisa para fazer, já que todas as atividades do clube agora estavam nas mãos do Presidente do Campeonato, por isso lá deveria estar mais calmo, diferente de como sempre foi. Ícaro abaixou a cabeça, lembrando da discussão que teve com Clara, ele a magoou, ele a fez ficar chateada com ele, e isso doía, por mais nobre que ele acreditava ser a sua causa, a dor não passava, e era visível em seu olhar. Clara era mais que uma amiga para Ícaro, e ele sabia disso, exatamente por esse motivo que ele quis resolver o problema do Presidente do Campeonato, para não dar problemas a ela, isso foi por ela, mas ao pensar muito, teve seu raciocínio quebrado, com Sebastian na sua porta, olhando para ele.

Os cabelos longos de Sebastian estavam bagunçados, como de costume, seus olhos caídos e escuros também estavam normais, tudo estava normal no rapaz, com exceção de uma expressão raivosa em seu olhar, que não era costume de se ver. Ele entrou na sala e ficou em pé, na frente da mesa onde Ícaro estava, fazendo com que o mesmo e Richard o olhasse.

— Precisamos conversar. – Disse ele, apontando lá para fora, como se não quisesse que Richard escutasse.

Mas antes que Ícaro pudesse se levantar, Richard ergue-se e caminhou para fora da sala, despedindo-se com um gesto de mão.

— Sente-se. – Disse Ícaro a Sebastian.

Sebastian se sentou, e respirou fundo, fazendo com que sua expressão voltasse ao normal.

— Você acha que o que fez é correto? – Disse Sebastian a ele.

Ícaro o encarou, sabia que ele havia vindo conversar sobre esse assunto.

— Sim, eu acho.

— Realmente acha que a sua decisão, foi correta? De verdade? – Disse ele mais uma vez, enfatizando.

— Sim, Sebastian, eu acho. – Novamente Ícaro confirmou.

O tom de irritação surgiu novamente no rosto do garoto de cabelos bagunçados.

— O que você pretendia fazer? O que queria com isso? Ser um herói? O cara que aparece e resolve todos os problemas sozinhos? É isso? – Perguntou Sebastian.

— O que? Pare de romantizar minha decisão, eu fiz porque quis fazer, e nada além disso. – Respondeu ele.

— Ah, claro, fez porque fez. Desaparece do clube e depois surge com a notícia de que não teríamos mais que nos preocupar com o Presidente do Campeonato, porque você havia se tornado ele. – Continuou Sebastian.

Ícaro se endireitou na cadeira, ficando um pouco irritado.

— Sim, era a única alternativa, você está sendo o hipócrita aqui, pois tenho certeza que não conhece outra. – Disse Ícaro.

— O hipócrita é você. – Sebastian apontou o dedo próximo a Ícaro. – Que fez tudo nas escondidas, e ainda quer pagar de correto.

— O que diabos você quer? – Disse Ícaro levantando a voz. – Eu resolvi o problema que o Conselho tinha, não foi? Eu fiz isso.

— A pergunta é o que você quer! – Sebastian levantou um pouco a voz também. – Ignora totalmente o conselho de um grupo, e faz o que quiser na calada da noite, e espera que a gente chegue e te vanglorie como se fosse o nosso salvador? Você só pode estar de brincadeira comigo.

Ícaro se levantou, com raiva.

— Então me diz! Me diz o que você faria!

— A questão não é essa, Ícaro, nós somos uma equipe, iriamos...

— O que nós iriamos, Sebastian? O que? – Interrompeu Ícaro.

— Não é assim, você sabe bem que a situação estava bem ruim, estava difícil e isso estava tirando o nosso sono, então fui lá e arranjei uma solução, não é simples? – Ícaro foi se acalmando aos poucos e se sentando novamente.

Sebastian olhou para ele com um toque de dúvida.

— Você parece perceber algumas coisas de uma maneira boa, mas não entende outras. – Disse ele. – Não é a sua resolução, ela até pode estar correta, mas nesse caso, ela não foi.

Ícaro passou a mão em seu rosto, respirando fundo.

— Como assim?

— Ícaro, decisões corretas, nem sempre são corretas. Você precisa parar e pensar nas consequências que isso traria. – Disse Sebastian.

— Ah, mas eu pensei, pensei que se a gente não fizesse algo logo, provavelmente iriamos ser cobrados e não aceitariam uma desculpa, eventualmente um de nós iria ter que ocupar esse cargo. – Disse ele.

— Sim, iria. – Sebastian falou, de forma simples.

— Então? O caminho não iria ser o mesmo? – Ícaro perguntou com um tom de dúvida.

— Claro que não, pois dessa forma, o grupo levaria a culpa, o grupo pensaria em uma solução e o grupo faria algo para resolver. E quando um de nós virasse Presidente, teria apoio do grupo, e assim conseguiria produzir melhor.

Ícaro olhava para Sebastian, pensativo.

— Você não entendeu ainda? – Continuou Sebastian. – Você fez tudo isso sem falar com a gente, você tomou uma decisão do grupo por si só, e afetou não só a você, mas como nós também. Você simplesmente agiu de forma egoísta, achando que era a forma correta, mas não era, Ícaro, não era.

Ícaro olhou cabisbaixo, com a cabeça pesada.

— Clara se machucou, ela está realmente magoada com isso, achou que podia confiar em você, achou que o tempo que vocês passaram juntos, era mais que o suficiente para que não houvesse coisas desse tipo, que vocês poderiam conversar sem ter que se preocupar. – Sebastian continuou a falar. – Mas você tomou base sozinho, e quis ser herói, quis bancar a pessoa que salva os outros. – Ele balançou a cabeça. – É uma pena.

— Eu só queria resolver um problema, sem dar outros para ela. – Disse Ícaro com um tom baixo.

Sebastian aproximou o rosto.

— Para ela? Você tem certeza de que o que fez foi para ela? Ou isso não foi para você? – Disse Sebastian.

Ícaro parecia perdido, ele não sabia o que fazer nem dizer, estava perplexo em várias ideias.

— É, algumas vezes é difícil de engolir algumas palavras. – Disse Sebastian se levantando. – Mas, sabe... – Continuou – Se você realmente acha que consegue fazer isso sozinho... – olhou para a pilha enorme de papéis. – Então eu acho que o Conselho nem precisaria da Clara.

Ícaro olhou para Sebastian, em um tom arrependido.

— Desculpa. – Disse ele.

Sebastian caminhou até a saída, falando no caminho.

— Não é a mim que você deve desculpas, tem uma outra pessoa que realmente está magoada, uma outra pessoa que acreditou em você. – Disse ele.

Ícaro se levantou, frustrado consigo mesmo, observando Sebastian sair e Richard entrar.

— O que você vai fazer? – Disse ele ao olhar para o rosto abalado de Ícaro. – Nós somos humanos, erramos, não é? Você também erra, eu erro, todos nós erramos. Mas sabe, algumas vezes nossos erros geram algumas consequências para outras pessoas, e já que somos nós que erramos... somos nós quem devemos nos desculpar também. – Disse Richard olhando para baixo como se estivesse falando consigo mesmo.

— Sim, você tem razão..., mas eu já sei o que vou fazer. – Disse Ícaro com um olhar determinado.

Richard sorriu para ele, como se confirmasse.

— Vou corrigir meu erro, e consertar essa situação. – Falou Ícaro.

— Eu cuidarei das coisas aqui, enquanto você está ausente, pode ir. – Disse Richard.

— Obrigado, Richard, está na hora de ver Clara, jogar meu orgulho de lado e pedir desculpas. – Ícaro saiu, e caminhou até a sala do Conselho Estudantil.


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Notas finais do capítulo

Somos pessoas complicadas de entender, principalmente, nós mesmos.



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