Já era fim de tarde, quando Ícaro se sentou na grama de frente para o campo de atletismo, ele havia tido um dia bem improdutivo, por assim dizer, pois toda as tentativas de achar um candidato voluntário a se tornar Presidente do campeonato, foram em vão, o que o fez ficar frustrado.

Ícaro se apoiou com seus braços para trás e respirou fundo, olhando para o céu, contemplou as poucas nuvens que havia, sendo banhadas pela luz laranja do entardecer. Depois, pensou nas atividades do clube que haviam ficado cada vez mais escassas, devido à proximidade do Campeonato de Clubes, e também em como todos do colégio estariam se preparando para ele, devia ter algum tipo de pressão, até porque o evento era aberto ao público e além de não envergonhar a escola, todos queriam mostrar com orgulho o que estavam fazendo, e que não era apenas brincadeira. Ícaro olhou para trás, para a quadra, mesmo distante ainda era possível escutar o barulho de bolas sendo “esmagadas” no chão, o clube de vôlei deveria estar praticando muito.

Respirando fundo e soltando o ar, misturando seu cansaço e frustração, Ícaro olhou para o campo de atletismo, onde haviam vários membros do clube de Jocelyn correndo ali, em alguns locais haviam obstáculos dos quais os mesmos tinham que pular e seguir continuando o trajeto, vez ou outra um membro caia, fazendo com que os outros parassem, levantassem o mesmo e até rendendo umas gargalhadas com os membros. Jocelyn não estava ali, provavelmente estaria treinando em algum canto sozinha, ou fazendo algo do qual Ícaro não sabia, pois não conhecia muito da mesma, embora ela parecia saber tudo dele. Logo, Ícaro pegou na sua bolsa e avistou seus papeis de inscrição para se tornar Presidente do Campeonato, do qual nenhum estava preenchido, lembrou então de Ryan, e do que havia acontecido no dia anterior. “É isso que você pensa de mim também? ”, ele havia dito. “Eu não sou assim de verdade. ”. Ícaro pensou então no que levou ele a dizer aquelas coisas, e pensou no que Sebastian havia dito também. “Nós somos feitos de expectativas das pessoas”. E isso era verdade, ele era do mesmo jeito, nesse momento, Ícaro se perguntou se o jeito que ele estava vivendo era ele mesmo, ou apenas ele fingindo ser, porém seu raciocínio foi quebrado, quando avistou Amy se aproximando dele.

A garota estava como de costume, seus cabelos assanhados estavam sendo balançados pelo vento, seus olhos castanhos por detrás dos óculos pareciam preocupados, sua expressão era cabisbaixa, como a de alguém que havia perdido um concurso a qual treinou bastante.

— Ícaro... – Ela disse, se aproximando do estudante de cabelos negros e olhos azuis. – Venha comigo. – Ela disse, estendendo a mão para o mesmo se levantar.

— O que houve, Amy? Por que está tão triste? Aconteceu alguma coisa? – Perguntou Ícaro, enquanto se apoiava na mão da garota para se erguer.

Amy desviou o olhar, como se falar aquilo para ela fosse doloroso.

— Não... na verdade, sim, mas não comigo. – Disse ela fazendo uma expressão ainda mais entristecida.

Ícaro preocupou-se, Amy era um tipo de garota emotiva, mas não tanto, ela não era do tipo que ficaria magoada tão fácil, ele sabia disso, pois havia ajudado ela no término de relacionamento que a mesma teve, e o quão forte a garota foi por aguentar calada na frente das pessoas, mas quando o assunto era outra pessoa, ela não era assim, tomava a dor do outro muito fácil, e se entristecia por ela.

— Com quem? O que houve? – Perguntou Ícaro assustado.

— É o Brandon... parece que ele vai nos deixar. – Amy segurou a mão de Ícaro com força enquanto desviava o olhar, como se falasse “não consigo continuar”, e Ícaro entendeu.

— Certo, vamos até lá, me leve onde ele está.

Amy então seguiu em frente, em direção ao prédio escolar, subiu os andares, e entrou na sala de aula que Ícaro e ela frequentavam, a sala 1-A. Ao entrar, era possível ver uma quantidade grande de alunos ali, olhando para os lados com indecisão, muitos dos colegas de Ícaro estavam ali, mas também havia muita gente desconhecida, alguns estudantes com roupa de palhaço, outros com roupas quase que cenográficas, como um cacto, o que fez o garoto deduzir que eram do clube de teatro, o mesmo que Brandon participava. Perto da janela, a concentração estava maior, e foi quando Ícaro observou Brandon ali, desanimado, e logo lembrou da cena que havia acontecido no dia anterior, dele saindo da sala do conselho triste, sem o seu jeito comum, o que fez o mesmo questionar o que havia acontecido. Próximo a ele estavam Ryan e Clara, que conversavam com ele, mas Brandon não parecia animado mesmo assim.

— Brandon? O que aconteceu? – Disse Ícaro enquanto abria espaço nas pessoas e se aproximava.

Ryan olhou para Ícaro e seus olhares se cruzaram, dando um leve calafrio, porém o mesmo abriu um sorriso de lado, como se estivesse chateado pelo seu amigo.

Brandon olhou para Ícaro, seu cabelo curto estava normal, mas seus olhos negros estavam cabisbaixos e sem brilho.

— Não precisava dessa comoção toda, mas parece que as pessoas aqui gostam de ver um ser humano para baixo, e continuam aqui. – Ele deu um sorriso baixo, que fez outras pessoas darem também, provavelmente querendo manter o bom humor.

Ícaro se aproximou e se sentou em uma cadeira próxima a ele.

— Foi mal na prova de Filosofia? – Disse Ícaro brincando e tentando amenizar a situação. – Aposto que Alexander brigou por isso.

Brandon deu um sorriso um pouco mais alto.

— Você está sonhando se acha que vou dar o título de melhor aluno da aula de filosofia para você, está mil anos atrasado, meu jovem. – E ao dizer isso, ficou sério novamente. – Acontece que eu estou tendo dificuldades no momento, e não sei o que fazer.

— Brandon, todos passamos por momentos difíceis, esse é só mais um na sua vida, mas você tem apoio dos seus amigos. – Disse Clara, olhando para Brandon.

Brandon confirmou e começou:

— Ícaro, acontece que eu passei no vestibular, e consegui uma bolsa integral para estudar agora, depois de julho.

Ícaro ficou sem palavras de começo, provavelmente todos ali teriam a mesma reação, mesmo estando no 1°ano do ensino médio, Brandon estava muito além de qualquer um ali. Logo após o choque, ele abriu um sorriso.

— Mas isso não é ótimo? A sensação de que você conseguiu algo que dificilmente alguém consegue fazer, muito menos na sua idade? – Perguntou ele.

Brandon abaixou a cabeça.

— Eu sei, é uma coisa para se ter orgulho, só que... ainda sim... – Brandon respirou fundo e não conseguiu terminar a frase.

— Ícaro, Brandon só está aqui por causa de uma bolsa que recebeu. – Disse Ryan.

— Espera, esse colégio também possui esse sistema? De dar bolsas a alunos que conseguem altas pontuações? – Perguntou Ícaro.

— Não, Brandon foi o primeiro e o último que conseguiu, graças a sua força de vontade, e persistência, ele tirou a nota máxima na prova daqui, mas mesmo assim, não iria estudar.

— E por que não? – Perguntou Ícaro indignado. – Se ele conseguiu uma boa pontuação, não era o suficiente para os seus pais quererem que ele estude aqui?

— É aí que está... meus pais... – Falou Brandon e Ícaro logo soube que havia tocado em um assunto delicado. – Sabe, Ícaro, eu nem sempre fui “inteligente” assim como todos veem hoje, no fundamental eu era realmente ruim em tudo, e quase cheguei a reprovar, tanto que depois disso meus pais enfurecidos disseram que não iriam mais pagar colégio para mim, e eu que deveria me esforçar sozinho. – Brandon fez uma pausa, olhando para baixo, como se estivesse lembrando da cena que ele mesmo havia acabado de descrever. – Então, eu descobri esse colégio, mas meus pais confirmaram que não pagariam a mensalidade, e como não havia um sistema de bolsa, eu fui conversar com o diretor, e expliquei a situação para ele, o mesmo falou que eu ganharia uma se conseguisse atingir uma nota alta.

Ícaro ouvia atentamente a história, enquanto pensava em Brandon, ainda mais jovem que agora conversando e até mesmo negociando com Henry, que tem sempre aquela aparência séria, e difícil de ter simpatia, logo ele pensou que a força de vontade de Brandon era realmente incrível e deveria ser admirada.

— Mas meus pais não acreditavam que eu conseguiria, e quis de todas as formas provar o contrário para eles, estudando muito para conseguir, e consegui, assim que pude, me mudei para cá, e tenho vivido até hoje.

Ícaro então pensou nos problemas que ele mesmo havia com seus pais, que nunca eram presentes em sua vida, pensou nos problemas familiares que quase todos ali deviam ter, viver em um internato devia ser problemático para todos eles, e estavam conseguindo aguentar com toda a força que tinha, logo ele reparou, que não era o único que passava por tal situação.

— Então, chegamos ao ponto atual, eu não sei o que decidir, pois se eu for para a universidade, terei que voltar para casa, e ter que continuar convivendo com meus pais, e não sei o que irão dizer, já que vou voltar depois de tanto tempo longe e sem contato... E conquistei amigos incríveis aqui, não quero os perder, além do mais eu posso tentar no ano que vem também, e quem sabe... por mais que não seja a mesma coisa. – Disse Brandon, terminando.

— Você deve ir, vai favorecer a sua carreira. – Diziam algumas pessoas atrás, provavelmente do clube de teatro.

— Você deve ficar, é muito arriscado e pode tentar de novo ano que vem. – Outras pessoas falavam.

— O pior, é que quero voltar para onde meus pais estão... só não sei como irão reagir. – Disse ele. – O que faria se estivesse em meu lugar, Ícaro?

Ícaro abaixou a cabeça, era uma decisão confusa, e o mesmo que nunca conseguiu ter uma conversa aberta com seus pais, não sabia como responder ao certo.

— Acho que mesmo que você vá, não vai perder seus amigos, nós não vamos deixar de ver, ou falar com você, se estiver preocupado com isso, acho também que seus pais não odeiam você, eles só têm medo, não sei explicar isso direito, mas acho que se você voltar, eles vão lhe receber bem, acredito que amam você sim, só não sabiam como explicar isso. – Disse Ícaro, falando baixo para Brandon. – No fim, meu amigo, é uma decisão que você deve tomar sozinho, sinto muito por isso.

Brandon assentiu.

— É, e por isso torna ela mais difícil, não sou adulto, não sou maduro, não sei lidar com todo tipo de situação, e por isso essas decisões, são mais difíceis. Por mais que alguém me dê uma opinião, me diga o que fazer, sou eu o único que sofrerá as consequências, então é algo que devo pensar um pouco mais sozinho.

— Sim, é verdade. – Falou Ryan se levantando. – Pronto gente, podem ir, Brandon precisa de um tempo sozinho.

Ao dizer isso os alunos foram começando a sair, alguns dando tapinhas no ombro do mesmo, outros falando palavras encorajadoras, Brandon sorria levemente para cada um deles.

— Obrigado Ícaro, vou pensar nisso com mais cuidado. – Disse Brandon, quando todos haviam saído e o mesmo já estava de saída.

— Não se preocupe, você vai ficar bem, é um cara excepcional. – Disse Ícaro sorrindo e saindo da sala.

Já era quase noite, e Ícaro estava voltando para o seu dormitório, foi quando ele respirou fundo e pensou consigo mesmo: “As decisões mais difíceis são aquelas que são tomadas sozinhas, não é? ”. E ao pensar isso, ele dirigiu-se ao seu quarto e ali ficou pensando, olhando para os formulários de Presidentes vazios, e logo, ele teve certeza do que fazer. Pensou em qual atitude tomar, mas infelizmente, não pareceu pensar nas consequências.