O Garoto Que Tinha Medo De Amar escrita por Gin


Capítulo 18
O Sofrimento Não É Exclusivo


Notas iniciais do capítulo

Para J.V

Por escutar tudo que eu falo, todas minhas baboseiras e ainda comentar sobre elas

Você é um amigo incrível que a vida me deu



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Clara desceu as escadas, encontrando forças sabe-se lá de onde. Suas pernas doíam, talvez por ter ficado tanto tempo sentada escutando as músicas, ou simplesmente por ela ter descido o local correndo para ninguém a ver. Saiu do prédio principal e foi até a fonte, onde não havia ninguém, ainda não era o horário do almoço e praticamente todos os estudantes estavam visitando os clubes. Ela lavou as mãos e o rosto, e respirou fundo, finalmente começando a raciocinar um pouco.

Clara havia magoado Richard, na verdade ela vinha fazendo isso antes, mas não havia percebido, e só agora, ao ver o rosto dele ao tocar aquela canção. Ícaro e Richard não eram mais próximos, talvez nem fossem quando crianças, já que ele havia dito que Ícaro não havia mudado tanto. Clara pensou em um Ícaro criança, com alguns problemas de briga, sem contar isso para a mãe dele, depois, pensou em Richard querendo saber das coisas para valer o papel de melhor amigo, mas Ícaro simplesmente se afastar e não dizer nada a ele. Ela sabia o que era isso, a sensação de se sentir diferente em relação a alguém, sem saber o que pensavam dela, ou se ela não passava de simplesmente uma conhecida, e isso era realmente horrível.

Ela precisava se desculpar com ele, forçou um assunto a alguém que não queria conversar sobre isso, falou demais, quis saber demais e isso acabou magoando Richard. Mas quando você encontra alguém que sabe de algo a qual se tem interesse, você não pensa direito, simplesmente age tentando saber daquilo e de todo o resto, pelo menos era o que Clara achava ou sentia.

Clara sentiu uma vontade muito grande de se isolar, e deixar por isso mesmo, ela não precisaria mais falar com Richard, e se precisasse, jamais iria tocar no assunto sobre Ícaro novamente, assim ela não precisaria pedir desculpas, e tudo, com o tempo, se encontraria novamente, não é? Isso passou pela cabeça dela e por um momento, ela sentiu um pouco de alívio, mas logo a realidade veio na cara, e ela sabia que não poderia fazer isso, pois era o mesmo que fugir. Além do mais Richard era da sala dela, e mesmo que ela chegasse sempre depois do horário por conta do seu trabalho do Conselho estudantil, ela ainda o veria, e uma hora ou outra teria que conversar, e quanto mais cedo, menos as coisas iriam ficar estranhas entre eles.

Ela se levantou e deu uma volta pela área do colégio. Os poucos estudantes ali, estavam encostados em árvores, conversando, tocando, lendo alguma coisa. Passou pela piscina, onde haviam diversas pessoas se divertindo, saltando, jogando água umas nas outras, todas elas pareciam tão felizes... Clara passou a se sentir incomodada, e por conta disso, deu a volta.

O problema da tristeza, é que ela nunca vem sozinha, quando Clara ficava triste, em vez de buscar apenas o motivo para ela estar assim, tudo vinha de uma só vez, fosse uma briga não resolvida, problemas familiares, amores não correspondidos... E isso se juntava completamente em sua mente, e ela ficava cada vez mais para baixo.

Caminhou, e se sentou na grama, próximo ao campo de atletismo. Ela se perguntou onde estaria Jocelyn em um momento como esse, elas eram grandes amigas, e Clara sabia que sempre poderia contar com ela. Jocelyn não era das melhores com conselhos, mas mostrava estar do lado, e no final, é isso que realmente importava.

Sentada, por um tempo, não se dava nem conta de que o tempo passava, observava o céu, o campo, as mãos, a si mesma, sentia o vento que passava e balançava a grama, ela nem fazia mais ideia do que estava pensando, apenas queria estar ali. Naquele momento, ela já não queria falar com ninguém pois, na cabeça dela, ela precisava sentir alguma dor, para compensar a qual ela tinha causado. E por mais que isso não fosse curar o ferimento de Richard, era necessário, pois isso a puniria, pelo menos era o que ela achava.

Depois de alguns minutos, ela sentiu a brisa ficar um pouco mais fraca, e alguém sentar ao seu lado, tocando seu ombro. Olhou para cima, e viu Jocelyn. Seus longos cabelos loiros estavam soltos, e flutuavam com o vento, seus olhos castanhos penetrantes, a olhavam profundamente, quase que tentando e conseguindo descobrir tudo dela.

— Clara? Terra para Clara? Está na escuta capitã? – Jocelyn perguntou em um tom suave.

Clara a olhou, e tentou dizer algo, mas sabia que se abrisse a boca para falar uma palavra ela iria chorar, nem que fosse só um pouco, e naquele momento, não queria mostrar suas lágrimas.

Jocelyn por fim, pareceu ter entendido, e apenas sentou do seu lado, sem dizer uma única palavra. Ela segurou a mão de Clara, e se deitou na grama, aproveitando a brisa, depois começou a acariciar os cabelos de Clara, fazendo carinho, ela sabia mesmo como fazer aquilo. Logo após, apontou para alguns passarinhos voando.

— Olha! São andorinhas! – Disse ela, quebrando o silêncio.

Clara observou os pequenos pássaros se deslocarem no céu, e ficou ali, observando eles, para não ter que encarar Jocelyn, pois ela sabia que não iria conseguir. Clara agora já não estava mais pensando em Richard, estava pensando em Ícaro, estava pensando em si, estava pensando no colégio, em tudo, por alguma razão, sua mente empurrava assunto atrás de assunto para deixa-la mais triste, ela se perdia em confusão. Ela era tão instável assim? Pois por apenas ter magoado alguém, tudo desabou. Ela não podia agir assim! Ela era a presidente do Conselho Estudantil! Ela tinha que dar exemplo, não magoar as pessoas, deveria ajuda-las, isso sim, ser a garota que não erra, era isso que ela tinha que ser.

— Sabe, Jocelyn. – Disse Clara, finalmente falando. – Eu acabei de machucar um amigo meu, pois não pensei em como ele se sentia em relação há uma coisa.

— Quem foi? Foi o Ícaro? Se for, tudo bem, ele não tem jeito mesmo, pode magoar ele o quanto quiser. – Disse Jocelyn, em um tom sério, como sempre faz, mesmo que estivesse brincando.

Clara sorriu um pouco, esse era o jeito dela de tentar colocar as pessoas para cima, e até que funcionava.

— Clara, para de ser boba, é impossível não magoar alguém, independentemente se a pessoas está ou não consciente disso, elas se machucam apenas por existirem. – Disse Jocelyn, coçou atrás da cabeça e continuou. – Elas fazem isso enquanto estão vivos, continuam fazendo quando vão à óbito. Machucam quando se envolvem, e podem fazer o mesmo até se tentarem não se envolver. Mas olha, se há alguém que você não gosta, você nem vai perceber que está a machucando, logo, tanto faz para você. Mas, quando você sente que magoou alguém, mostra que você se preocupa. E acima de tudo, é isso que as pessoas preservam.

Clara havia ficando impressionada, Jocelyn parecia ter tido aulas com Ícaro, pois o que ela havia dito era realmente verdade. Ela se preocupava sim, com Richard, principalmente porque ele era um amigo, era uma pessoa gentil e aceitou conversar com Clara sobre Ícaro, mesmo sem ele ter a intenção disso, mesmo fazendo dele um porta-voz a qual não queria ser. Ela havia levado um choque de realidade de repente, isso estava sendo comum, será que só ela não sabia viver a vida mesmo? Não, com certeza não, mas estar junto daquelas pessoas, que a ajudavam, era muito bom.

— Tem razão, Jocelyn, mas... O que eu devia fazer? – Perguntou ela.

Jocelyn olhou para trás, e ficou um momento assim, depois voltou-se para Clara, e se levantou.

— Acho que eu não sou a pessoa mais correta para dizer isso. – Disse ela, apontando para trás de Clara.

Clara olhou, e logo enxergou ele. Ícaro estava ali, olhando para ela, com um olhar preocupado. Seus cabelos negros, caiam em uma pequena franja, ele vestia uma camisa azul, e calça jeans, usava tênis brancos. Clara ficou observando ele, parecia estar ali há um tempo, mas em uma distância segura para não escutar nada, talvez quisesse falar com ela, mas não queria interromper a conversa, ou ouvir o que não devia. É, Ícaro era esse tipo de cara.

Jocelyn deu um beijo na testa de Clara, e saiu, depois de um leve empurrão em Ícaro, que fez um sinal de agradecimento para ela. Ele caminhou até Clara, e levantou as mãos, como em um gesto para “levante-se”. Ele não parecia mais tão preocupado, ou pelo menos não queria demonstrar isso, agora ele parecia estar de bom humor, como se fosse abraçar Clara a qualquer momento, e no fundo, ela queria isso.

Clara havia passado muito tempo sentada, então não conseguiu levantar de primeira. Foi quando Ícaro a puxou pela mão e a ajudou, ele continuou segurando-a, até que havia percebido o quão constrangedor isso iria ficar, e soltou.

— Bom... Bom dia, Ícaro. – Disse ela para ele, ainda um pouco envergonhada.

Ícaro também estava, e demorou uns cinco segundos para se tocar do mundo real.

— Ah... Bom dia Clara! – Falou ele. – É... Quer dar uma volta?

Clara assentiu, ela já estava um pouco melhor, mas por alguma razão sentia vontade de ir com ele.

Então, os dois começaram a caminhar pelo colégio, com passos leves, sentindo o vento. E por mais que Clara já estudasse ali há um tempo, a vista de alguns locais muito usuais, ainda era o suficiente para a deixar nostálgica, ou achar um canto bonito.

— Eu falei com Richard. – Disse Ícaro, caminhando, sem olhar para ela, quebrando o silêncio.

Clara abaixou a cabeça.

— O que ele disse? Como está se sentindo? – Perguntou ela.

— Na verdade, Clara, ele está bem. Ele disse que era para eu ver, se você é quem estava. – Falou Ícaro.

Clara parou de caminhar.

— Eu magoei o garoto, Ícaro, ele estava mentindo para você. – Disse ela.

Ícaro também parou de caminhar.

— Não, Clara, ele não está mentindo. Ele me contou tudo, até como ficou muito preocupado, quando lhe viu sair da sala do jeito que saiu.

— Ícaro, eu fiz ele se lembrar de algo do qual o magoou, ele está tentando esconder isso de você, mas você não consegue perceber.

Ícaro respirou fundo e olhou para baixo.

— Eu sei, o que você falou, eu sei que você estava conversando sobre quando eu e ele erámos crianças. E com certeza, não é algo bom para falar, sem ficar triste. Principalmente quando se tem um passado trágico, que lhe traumatizou, como é o caso de Richard.

Como é o caso de Richard”, Clara pensou nessa última parte, como se Ícaro estivesse se referindo a ele mesmo, mas não quisesse admitir.

— Mas... – Ícaro continuou. – Todos nós sofremos com isso, e é algo que temos que aceitar, Richard ficou triste por um momento, pois lembrou, sim é verdade, mas não se preocupe porque ele já aceitou isso. Ele aprendeu a conviver com a dor.

— Ícaro, não é só isso, Richard também é magoado por ser impotente em relação a você, ele sente vontade de ser um amigo de verdade, mas você não permite, e isso magoa ele, você não percebe?

Ícaro a olhou, pensativo, como se perguntasse “Como ela sabe disso? ”

— Clara... – Ele fez uma pausa, olhou para os lados e continuou. – Não é bem assim... – Novamente, ele olhou para os lados, como se entrasse em um assunto do qual não gostaria de falar. – Richard não está chateado de verdade, por não conseguir falar comigo, ele está por um motivo parecido, mas não por esse.

Clara o olhou por um tempo, esperando uma continuação, mas não veio.

— Então, que motivo é esse?

Ícaro estalou os dedos.

— O mesmo motivo, pelo qual você está tão preocupada, aflita e confusa. Ele me magoou.

Clara sentiu um aperto no peito.

— Mas, você ainda sente mágoa dele? Ainda sente raiva, ou algo do tipo, para ele continuar se sentindo culpado?

Ícaro simplesmente balançou a cabeça em sinal de negação.

— Então? – Perguntou Clara. – Sendo assim, não é por esse motivo!

Ícaro tocou o ombro de Clara.

— Sendo assim, você deveria entender, pois eu já disse que Richard a perdoou, e não se sente mal pelo que você falou, e mesmo assim você está aqui tentando resolver o problema dele, como se tentasse se redimir. – Ele falou em tom calmo. – Não adianta ser perdoado, Clara, muitas vezes, é você que vai ter que se perdoar.

Ele tinha razão, ela se sentia tão culpada, que mesmo que se Richard a perdoasse pessoalmente, ela ainda não se sentiria bem, e provavelmente não conseguiria conversar com ele novamente, por conta da culpa.

— É... – Clara tentou falar algo, mas não saiu, respirou fundo e falou. – Então, como faz para se perdoar? Como isso funciona? Porque eu estou confusa.

— Provavelmente, você tem que fazer algo, a qual Richard ainda não conseguiu. – Disse ele.

— E o que seria? – Perguntou Clara.

— Viver. – Disse ele por fim.

— Viver?

— Sim, da forma como você quiser, e não, da forma como você acha que vai acabar se redimindo. Pois no final, você já se redimiu, mas não quer aceitar isso. – Disse Ícaro, sorrindo.

Clara sabia que Ícaro tinha razão, na verdade, ele quase sempre tinha, era uma pessoa muito inteligente. Então, ela olhou para ele, e percebeu por um momento, o quanto ele era distante. Ícaro olhava para o céu, como se pensasse em algo, um pensamento longe, algo que talvez fugisse a realidade.

— Sabe, Clara, as vezes eu acho esse mundo gigante demais. – Disse ele.

Clara o observou por um momento, sem falar nada.

— Pois. – Continuou. – Existem mais de sete bilhões de nós, e estamos tão sozinhos, que nem parece que há tanta gente assim.

— E talvez, a gente continue a viver desse jeito, com esperança de achar alguém para dividir nossa solidão. – Falou Clara. – E talvez já tenhamos achado, mas não percebemos, pois no meio de tanta gente, fica fácil de perder aqueles que realmente importam.

Ícaro se virou para ela, e assentiu.

— No final, o sofrimento não é só seu, todas as pessoas ao redor do mundo, estão tristes e sozinhas. Algumas aprenderam a contornar isso, outras procuram maneiras de escapar, mas o tempo todo, nós fugimos. Então, não se preocupe, porque você não está sozinha nessa.

— Eu sei. – Sorriu Clara. – Eu tenho você, não é?

 Clara sentiu seu coração bater um pouco mais rápido, ao dizer essas palavras, Ícaro por sua vez, parecia enrubescido, e olhou para o lado, evitando contato visual. Moveu sua mão até os cabelos de Clara, e os acariciou.

— Bom... Não só a mim, sabe? Você tem alguns amigos também, pode sempre contar com eles, tenho certeza. – Disse ele, ainda envergonhado.

Clara também estava envergonhada, mas conseguiu sorrir um pouco para ele.

— Sim, o para nos livrar disso, só bons amigos mesmo.

Ícaro então levantou os braços, como que para encerrar o assunto.

— Então! Vamos até o Richard, vamos conversar um pouco, colocar o papo em dia, e talvez.... Sei lá, se você puder cantar um pouco.

Clara riu para ele.

— Com certeza, mas para isso você vai ter que tocar piano.

— Ah, não é justo, eu toco mal, enquanto sua voz é encantadora.

— Deixa de ser dramático. – Disse ela.

— Ah, vou tentar então...

E assim, caminhando lado a lado, Ícaro e Clara, adentraram o prédio. E mesmo com toda a confusão, tiveram um domingo perfeito.


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Notas finais do capítulo

Então, o capítulo saiu antes do final de fevereiro!!!
Bom, minhas aulas voltaram, então sem descanso para mim.
Fora que o trabalho também está caindo matando, mas enfim, vou dar um jeito.
Obrigado por lerem, e aguardem o próximo, que provavelmente não vai demorar tanto(só provavelmente), até a próxima!



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