O Garoto Que Tinha Medo De Amar escrita por Gin


Capítulo 13
A Máscara Dos Sentimentos


Notas iniciais do capítulo

Para Saul

Por mostrar estar do meu lado e não estar

Amigos assim eu quero pro resto da vida



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Clara havia chegado um pouco mais tarde que o habitual na sala de aula, já que teve uma péssima noite de sono. Seus olhos verdes estavam cheios de olheiras, seus cabelos um pouco assanhados, talvez por não ter dado tempo de arruma-los, e sua expressão de cansada, a guiava aonde fosse. Ao abrir a porta da sala, observou Alex dando seu estilo de aula habitual, seus leves cabelos grisalhos estavam bagunçados, e sua roupa toda amarrotada, ele estava em pé na cadeira fazendo um símbolo de pássaro voando, com as duas mãos, o sinal representativo da pomba da paz, ao ver que Clara havia entrado, ele apontou sua mão para a cadeira a fim de manda-la sentar, e sem dizer uma palavra, voltou ao assunto.

– Isso, meus caros amigos, é o que chamamos de liberdade. Ou apenas um conceito que criamos para nos fazer melhor. – Ele se sentou.

Clara procurou Ícaro entre os estudantes da sala, e seu olhar se encontrou com o dele de uma forma rápida e eficiente, ao ver que ela o olhava, Ícaro sorriu. Não um sorriso qualquer, um sorriso verdadeiro e fortificado, como se vencesse qualquer adversidade que ele teria tido, aquilo fez Clara questionar o que havia acontecido e como ele melhorou seu humor tão rápido.

Alexander continuou com suas explicações, parecia estar lendo um conceito sobre “Ser livre”, já que pediu para todos abrirem os livros na página que se referia a isso.

– Ok, ok... Vamos logo com isso. – Apontou para um estudante da sala. – Você, o que é liberdade?

O garoto pensou um pouco, mas logo respondeu.

– Eu acho que liberdade é ser livre, ou seja, se libertar das coisas que te prendem.

Alex chegou mais perto do garoto e pôs o pé em cima da mesa dele.

– Certo, e de que maneira, ou melhor, como alguém se liberta de algo que a prende? E o que a prende? E prender? Prender o que?

O garoto assustou-se um pouco com a súbita quantidade de perguntas, mas logo respondeu:

– Talvez... As leis? Elas impedem de você fazer o que quer, e quando quer.

Ao ouvir sua resposta, Alex tirou o pé de sua mesa e deu uma volta pela sala.

– Tudo bem então, vamos fazer o seguinte. – Levantou os braços. – A partir de agora, vocês fazem tudo o que quiserem, vão em frente, destruam a sala, quebrem as paredes, rabisquem as cadeiras, estão... livres!

Mesmo após o pronunciamento, ninguém se moveu do seu local, talvez por achar que Alex estaria brincando, ou por achar que aquilo seria errado.

– Então? Por que ninguém se moveu? Liberdade não é viver sem leis? Aqui estou eu, tirando as leis da sala, façam o que quiserem! – Observou a reação da sala, e ao ver que não teria respostas, simplesmente continuou. – Está vendo, não são as leis que te prendem, ou que te impedem de ser livre, disso pode ter certeza.

Na frente da sala, Brandon levantou a mão.

– Diga, caro jovem Brandon. – Falou Alex.

– Professor, o que aconteceu aqui é que foi repentino, como nós vivemos num local onde as regras existem, se elas fossem deixadas de lado, isso geraria uma confusão na cabeça de todo mundo, demoraria um pouco para se adaptar.

Alex estalou os dedos em sinal de aprovação.

– Elementar meu caro Brandon, está mais do que certo. Nesse caso, nós temos um outro tipo de situação. Por que vivemos sobre regras? Eu lhe pergunto.

Brandon se ajeitou na cadeira, parecendo em estar feliz por responder a pergunta do professor.

– Porque nós precisamos que as coisas aqui sejam organizadas.

– E você acha que são as regras que impedem o desejo de uma pessoa ser livre?

A sala então calou-se, pensando sobre a situação.

– Obviamente que não. Então, por que mesmo com os desejos que temos, ainda não conseguimos ter a tal da “liberdade”? – Ele olhou pela janela, em seguida para a classe. – A resposta está, em nós mesmos. Desde pequenos fomos ensinados que as coisas funcionam desse jeito e apenas desse jeito, se mudássemos o padrão, haveria consequências, e isso nos fez ficar conformados com a situação em que vivemos. Ai então, como ser livre? É fácil, basta viver achando que é livre.

A resposta simples parecia deixar um ar de dúvida em todos os alunos presentes, o que fez com que Alex sorrisse e continuasse.

– Garotos, liberdade é seguir com suas regras, com aquilo que acha que é certo e o que é errado, com pensamento próprio, mas nunca, nunca, sem leis. Se você se acha preso, é porque você acha que está preso, e não porque realmente está, pensem bem nisso.

Um pouco ali atrás, Ícaro levantou a mão, o que era algo incomum em aulas, e todos na sala de aula, pareciam perceber isso, mas deixaram ele perguntar.

– Então significa dizer que eu sou o responsável pela minha liberdade? Que se eu quiser ser livre, eu consigo, independente das coisas ao meu redor.

Alex se aproximou de Ícaro apontando para ele, o que fez o garoto transparecer estar um pouco assustado.

– Isso meu jovem, serve para muitos outros conceitos da vida, mas basicamente é isso mesmo. Sua cabeça, sua mente, é a responsável por todos os ensinamentos que você tem, cabe a você usa-los, ou apenas deixar eles adormecidos. Se deixá-los adormecidos, será mais um nesse mundo e vai seguir com pensamento imposto pela sociedade, sem ter a capacidade de pensar além do que há. Se usa-los vai perceber que tudo ao seu redor faz sentido e que você é capaz sim de ser livre, vivendo apenas com seus pensamentos. E isso, meu jovem, isso é chamado de liberdade. – Ele sorriu.

Após o horário do almoço, Clara foi para a sala do Conselho de classe, onde achou que haveria bastante trabalho para fazer, já que os campeonatos dos clubes iriam começar. Passou por Ryan e Britney que conversavam felizmente indo para o clube do teatro, por um momento pensou que os dois pudessem se tornar um casal, mas descartou a possibilidade. Após isso, ela entrou e fechou a porta. Observou Ícaro lá dentro, com a janela aberta, olhando para a quadra de tênis. Ainda não havia ninguém ali, até porque o clube ainda iria se reunir, para depois decidir o que iriam fazer, ao perceber que Clara havia entrado, ele se virou e deu um sorriso.

– Boa tarde Clara, a aula hoje foi incrível não acha?

Clara observou os papéis e percebeu que realmente havia bastante relatórios a serem feitos, mas Ícaro teria preenchido uma boa parte deles.

– Você andou novamente fazendo as coisas sozinho?

Ícaro deu um sorriso torto em sinal de desculpas.

– Bom, eu achei que poderia pelo menos reduzir o número para você não ter que resolver muita coisa, tem alguns que eu não consegui fazer, para esses eu preciso de ajuda.

Clara respirou fundo e balançou a cabeça.

– Olha Ícaro, não estamos tão lotados assim, a ponto de você ter que fazer isso. Eu me sinto uma inútil dessa forma. Quando você veio aqui disse que eu não precisava fazer tudo sozinha, mas agora é você quem está fazendo esse tipo de coisa, nós somos uma equipe, temos que fazer jus a ela.

Ícaro abaixou a cabeça, e tentou falar alguma coisa, mas algo o impediu, depois ele sentou-se sobre a cadeira.

– Ok, me desculpa por isso. – Deu um leve sorriso. – Vamos começar então? Preciso de ajuda.

Clara se sentou também e ficou observando Ícaro enquanto faziam os relatórios restantes. Ela percebeu que ele não parecia estar triste, e mesmo que estivessem mais calados que outra coisa, o silêncio incomodo do dia anterior não existia mais, era como se Ícaro houvesse perdido toda sua dor de um dia para o outro, ela ficou perguntando se isso seria normal, depois perguntaria a Richard sobre isso. Depois de um tempo, Ícaro rompeu o silêncio.

– Clara, por que temos tantos relatórios hoje, se ontem já eliminamos tantos?

– É porque está chegando o campeonato de clubes, dai, o conselho fica responsável por organizar a área de cada um, delimitar os espaços, coisas do tipo.

– Campeonato de clubes? Como assim?

– É uma espécie de festival, dura três dias e não é necessariamente um campeonato, é mais uma disputa e apresentação dos clubes para os próprios alunos. – Falou Clara.

– Ah, entendi. Deve ser complicado ter que organizar tudo isso.

– Na verdade nem é tanto, agora que tenho ajuda. – Ela sorriu.

Ícaro retribuiu seu sorriso, e por alguns segundos, Clara o admirou, calada e pensativa.

– Está tudo bem com você? – Perguntou Clara, sem pensar direito, apenas soltando o que estava pensando, o que fez ela hesitar um pouco.

Ícaro a olhou com olhos observadores e perspicazes, ele pareceu analisar bem o que ela estava pensando. Mas logo após a suposta análise, deu mais um belo sorriso.

– Claro que estou bem. Tem algo te incomodando? – Ele perguntou com um ar de curiosidade.

Clara balançou a cabeça e encerrando o assunto. Podia ser que Ícaro tivesse uma máscara bem colocada, que conseguisse esconder o que estava sentindo e pensando, mas Clara sabia que havia algo errado ali, de alguma forma ela sabia. O que ela não conseguia era como explicar, ou conversar com alguém a respeito disso, essa era sua maior dificuldade, se expressar era algo muito difícil, ela esperava que pelo menos não fosse somente ela que se sentisse assim. Observou Ícaro por alguns segundos, e o mesmo percebeu, dando um sorriso de volta.

– Realmente, não tem nada que te incomoda? Sei lá, acho que você parece preocupada com algo.

Clara recebeu o sorriso de Ícaro e se viu sorrindo também, mas novamente balançou a cabeça.

– Não, não é nada. Só estava observando você fazer os relatórios, já que não deixa nenhum para mim. – Ela sorriu.

– Bom se quiser, posso te abandonar aqui e deixar você resolvendo tudo sozinha. – Ícaro falou, mas descartou sua frase com um sorriso. – Apenas brincando.

Clara retribuiu o sorriso e então, silêncio.

A noite havia chegado, quando Clara resolveu dar uma última olhada e conferir se todas as atividades propostas a ela estavam feitas como combinado. Ela conferiu página por página, resposta por resposta. Colocou cada pasta, arquivo e papel em seu devido lugar, afim de evitar a desorganização. Pegou uma vassoura encostada no canto da parede e começou a varrer qualquer tipo de poeira que se encontrava ali.

Após o trabalho concluído, passou o olho pela sala e viu que tudo estava bem organizado e limpo, com isso, sentiu-se com a sensação de dever cumprido, sorriu um pouco.

Passou de sala em sala, para ver se os clubes não haviam esquecido alguma porta aberta. Encontrou o local do clube de música com a porta aberta, o desenho de uma sanfona na porta, parecia de quem havia acabado de tocar uma música. Ela entrou na sala, e observou que havia vários instrumentos fora do lugar. Baquetas espalhadas, violões fora de suas capas, baterias desmontadas e soltas... Clara respirou fundo e colocou tudo em ordem, quem quer que tivesse sido o último a sair dali, estava com pressa para deixar tudo assim. Ela passou um pano nas guitarras, varreu o chão, e tirou a poeira do piano, será que alguém ali realmente sabia tocar aquilo? Então, lembrou-se de Ícaro, e de como ele havia tocado para ela, sentiu-se envergonhada ao lembrar. Ícaro era de certa forma um estranho, mas dispôs do seu tempo para ajudá-la, coisa que ninguém nunca tinha feito para ela. Ela pensou então na melodia que ele havia tocado, “A Poesia Do Coração”, uma melodia bela, calma, e indecifrável em diversos pontos. Se recordou também, que ele havia escrito aquela música para alguém, alguma pessoa que ela não sabia quem era, e isso a fez ficar curiosa e ao mesmo tempo angustiada. Quem era essa pessoa? Ícaro tinha alguma garota de que gostava? Foi feita pra outra pessoa especial? Mesmo sem saber as respostas e até mesmo o motivo de suas perguntas, Clara respirou fundo e continuou o que tinha de ser feito.

Depois de arrumar tudo, e conferir se todas as salas estavam fechadas (acabando por trancar e arrumar algumas), finalmente chegou a hora do descanso. Ela desceu do prédio e se dirigiu até o dormitório feminino. A maioria das luzes já estavam apagadas, restando apenas algumas que eram obrigatórias estar acesas. Alguns vigias já estavam fazendo a ronda noturna, ela acenou para um deles que devolveu o aceno.

Seu quarto era simples, mas bem aconchegante. As paredes eram pitadas de um azul claro, com desenhos de algumas capas de livros que não foram bem reproduzidas ali. Havia um armário grande branco, uma escrivaninha, e uma estante, onde estava cheia de livros. Sua cama estava bem arrumada, assim como ela havia deixado antes de sair para as aulas, seu lençol macio, com o Aslam, leão das Crônicas de Nárnia, estava perfeitamente sobreposto ao seu travesseiro macio. Clara trocou sua roupa e colocou seu pijama rosado que sua mãe havia dado, olhou pela janela do seu quarto e observou perfeitamente a piscina do clube, agora vedada para prevenir que as folhas das árvores próximas caíssem sobre ela, facilitando a limpeza. Olhou então para o céu, e percebeu as estrelas e a lua, iluminando a imensa escuridão do céu. “As estrelas”, pensou Clara. “Ícaro gosta bastante delas, e realmente são lindas.” Logo ela se pegou pensando novamente naquele garoto que a ajudava no Conselho Estudantil, por qualquer que fosse a razão, Clara sentia algo para com ele, algo estranho ou perturbador. Apagou a ideia da cabeça, e deitou-se na cama, olhou um pouco para o teto, sabendo que o dia de amanhã seria mais uma vez cansativo e comprido, mas a vida era desse jeito mesmo, e nada como viver um dia após o outro. E sobre o silêncio quebrado apenas pelo vento e grilos, Clara adormeceu.


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Notas finais do capítulo

A demora é uma dádiva complexa, e imperfeita.



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