O Garoto Que Tinha Medo De Amar escrita por Gin


Capítulo 11
O Presente do Passado


Notas iniciais do capítulo

Para Suellen

Por ter ficado do meu lado, quando ninguém ficou

Ninguém nunca teve sua coragem



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Já era manhã quando Ícaro acordou. Ele passou a noite toda se virando de um lado para o outro, sem conseguir dormir normalmente. Sua cabeça estava doendo bastante. A luz do dia entrava pela sua janela e iluminava o quarto. As roupas no chão, algumas revistas, Richard.

– Richard!? – Ícaro levantou da cama num salto assustado. – O que diabos está fazendo aqui? Ou melhor como entrou aqui?

Richard estava lendo algumas revistas antigas de Video Game que havia ali, quando Ícaro direcionou a palavra a ele, ele sorriu. Vestia uma camiseta e um calção curto, usava chinelos de praia.

– A porta estava aberta, foi bem fácil entrar. – Ele respondeu.

– Ah! Que droga, esqueci de tranca-la ontem. Maldito Brandon, me deu o que pensar e me fez esquecer do resto.

– Ele também fez te esquecer que hoje é fim de semana não é? Não vai ficar trancado no quarto o dia todo hoje, você deve voltar pra casa. Ou, se divertir? – Falou Richard, levantando os braços.

– Pela sua roupa, parece que você acordou bem cedo pensando nessa “diversão”, vai com alguém para a praia?

Richard assentiu.

– Algumas pessoas da sala e do clube de música, eles combinaram de ir conosco no dia de hoje, se quiser...

– Richard, sabe que não vou. – Disse Ícaro com um tom firme.

– Então... Você vai até lá não é?

Ícaro levantou-se da cama e olhou pela janela por um momento. Observou o mínimo de pessoas ali, o pátio estava quase vazio, os poucos estudantes que ali se encontravam estavam indo embora, e os outros, provavelmente, esperando seus pais.

– Existe alguém que fica na escola durante os fins de semana também? – Perguntou Ícaro, ainda observando lá fora.

– Existe, mas ninguém da nossa sala, pelo menos não que eu saiba. Porém, essas pessoas só ficam aqui porque realmente não podem voltar pra casa, talvez por um problema familiar, talvez por seus pais não poderem estar com ela naquele fim de semana, ou simplesmente por preferirem estar aqui.

– E o que acontece aqui? Alguma atração ou algo do tipo? – Perguntou Ícaro se sentando sobre a cama.

– Na verdade não. O refeitório e os dormitórios são a única coisa que funcionam. Mas se for realmente ficar aqui durante hoje e amanhã, você deve ir conversar com o Diretor e falar o motivo. Se bem que devia ter feito antes, mas acho que falar com ele ainda hoje, pode resolver.

– Entendi, tenho que explicar o motivo para querer ficar aqui e avisar que estou aqui. Não estou com saco para fazer isso, vou voltar para casa mesmo.

Richard riu um pouco, mas logo calou-se.

– Não tem ninguém na sua casa não é? Tem certeza que não quer vir com a gente? Você pode ficar na barraca... Sei lá, só para ter uma companhia, fins de semana sem amigos podem ser solitários.

– Richard, eu não irei. – Ícaro respondeu balançando a cabeça de frustração. – Você sabe que não gosto de praias.

– Totalmente normal morar em um local famoso por suas praias, e não gostar delas.

– Você sabe o motivo pelo qual não gosto de mar. E além do mais o pessoal do seu clube quer se divertir, se eu for vou ficar reclamando e eles não gostarão.

Richard riu.

– É, bem a sua cara mesmo. – Baixou a cabeça. – Então... Você vai vê-la hoje?

Ícaro se levantou da cama, e se direcionou novamente para a janela, observou as árvores e as folhas que se mexiam com o vento, algumas crianças que brincavam enquanto aguardavam os pais, e o vazio campo de atletismo.

– Já faz um tempo que não a visito, acho que posso dar uma passada por lá.

Richard olhou para as revistas e para o quarto, seu rosto estava triste.

– E como você vai se sentir depois de fazer isso?

Ícaro direcionou seu olhar para Richard, em seguida para as paredes do quarto.

– Melhor é que não vai ser, mas tenho de fazer isso.

Richard se levantou e abriu a porta do quarto.

– Eu estou indo, Ícaro. – Ao ver que ele não respondia, abaixou a cabeça e foi embora.

Ícaro se deitou sobre a cama novamente e ficou olhando para o teto. “Ícaro. Por que você mente para si mesmo?”. Mais uma vez ele se pegou pensando na pergunta de Brandon. Ele mentia para si mesmo? Sua opinião sobre o amor estava errada? Não, ele tinha certeza de que estava certa, mas naquele momento, a sua certeza parecia estar tomando rumos diferentes. Ele se levantou, pegou uma folha em branco e escreveu. “O amor é uma coisa ruim. Ele te magoa e te deixa sem saber o que fazer, se escolher esse caminho, seu fim será morrer”. Depois de ter feito isso amassou o papel.

– Hora de voltar pra casa... – Disse para si mesmo.

Após a saída dos portões do colégio, Ícaro deu uma última olhada para trás. A estrutura impressionante, a quantidade de salas, clubes, locais, alunos. Devia ser uma dificuldade conseguir administrar tudo. Ele se perguntou quantos funcionários teriam para ajudar o diretor a tomar decisões.

O caminho para casa não foi tão difícil para percorrer. Ícaro lembrava por onde tinha que andar, e por mais que houvesse trânsito, as calçadas estavam livres. Talvez por ser sábado e a maioria das pessoas estarem aproveitando na praia. Várias lojas estavam abertas e faziam o marketing para todos que passavam por ali. Uma loja de perfumes vez uma propaganda tão bela, que Ícaro se sentiu tentado a ir até lá.

Sua casa não era tão bonita ou chamativa quanto muitos podiam achar. Ela tinha apenas um andar, na fachada havia um leve jardim que cobria até o portão de ferro. As paredes eram meio azuladas e os muros eram um pouco altos. Ícaro olhou na caixa do correio para ver se havia alguma correspondência, mas não achou nada, depois, entrou em casa.

Depois de ficar quase uma semana dormindo em um colégio, sua casa parecia um local totalmente diferente. A sala de estar era gigante e o cheiro de mofo se espalhava por todo o local. Na cozinha, havia alguns alimentos com o prazo de validade já vencido, a louça estava suja e o chão muito encardido. Ícaro olhou para o local com uma extrema preguiça, e resolveu que depois ele limparia aquilo tudo, por mais que soubesse que não limparia nada. Por fim, Ícaro foi até seu quarto, e como era normal, estava do mesmo jeito que ele havia deixado. Várias roupas no chão, salgadinhos espalhados por todos os espaços, revistas abertas e jogadas. Ele sorriu ao ver essa cena, ele estava em casa, sozinho, mas em casa.

Ícaro deu várias voltas no local, passou pelo jardim, pelos quartos, pela cozinha e pela sala. Demorou um pouco para se adaptar novamente, porém foi aconchegante quando conseguiu. No canto da sala, havia um telefone fixo, ele se perguntou se não deveria ligar para os seus pais, para avisar que estaria em casa. Não... Não seria bom, seus pais eram muito ocupados e provavelmente nem ligariam, ou se ligassem, ficariam preocupados por ele estar sozinho em casa e não na escola. Ele pensou em como as pessoas que estudavam ali lidavam com a ausência dos pais, e como se sentiam, quando eles o viriam buscar nos fins de semana, isso doeu um pouco nele, não que Ícaro ligasse muito para ter seus pais presentes, na verdade ele nem se importava mais, não era algo que ele dependeria para viver. Mas as vezes, ele sentia falta de alguém para conversar, embora nunca admitiria isso.

Ícaro deitou-se sobre o sofá e ficou ali, olhando para o teto por um tempo. “E como você vai se sentir depois de fazer isso?”. As palavras de Richard o fez pensar um pouco, as vezes ele procurava algo para se sentir triste, mesmo não sabendo o motivo, talvez como castigo. “Por que as pessoas insistem em procurar aquilo que as deixa para baixo?”, pensou consigo mesmo, mas logo viu que não conseguiria achar uma resposta realista. Tomou um banho, trocou sua roupa e saiu.

O local para onde ele iria, não era muito longe de sua casa, ficava há pouco mais de 400 metros, uma breve caminhada e preparação para o que viria. Uma pequena serra era seu destino, na verdade, uma serra abandonada, e um dos poucos locais que ainda não haviam sido usados pelo homem na construção. Tinha pouco mais de 40 metros de altura, e, embora tivesse uma grande extensão, não aparentava ser um bom local para construir algo. Havia várias notícias de que o local era perigoso, mas mesmo assim, Ícaro subiu. O caminho não era muito difícil, havia uma leve trilha por onde facilitava o caminho. Algumas pedras desmoronavam quando pisavam nelas, o que piorava a situação, mas se escolhesse as certas, era muito fácil de subir. Ele levou menos de dez minutos para chegar ao final, um local extenso com várias árvores e grama alta que continuava a crescer, já que não havia mais contato humano. Havia uma casa abandonada ali, a construção parecia ter sido largada há anos, tanto que a casa nem havia sido construída direito, seu teto estava aberto, não havia porta e o que quer que estivesse lá dentro, já teria sido coberto pela grama. Quase no fim do desfiladeiro, havia uma pequena pedra encravada no chão, logo após era possível ter uma vista completa do mar de Miami. O céu, o oceano, a cidade, era possível ser visto dali, era um ótimo local para casais românticos, ou simplesmente para quem desejasse.

Ícaro olhou para a pedra, e a encarou por um tempo. Por mais que fosse apenas um objeto sem valor, um objeto que você poderia encontrar em qualquer lugar, aquela pedra tinha um outro valor para Ícaro. Ele sentou ao lado dela e começou a observar o oceano abaixo do céu, com as ondas quebrando. Não se sabe quanto tempo ficou ali, poderiam ter sido minutos ou até horas. Sua zona de observação e silêncio foi quebrada quando escuto que havia alguém ali. Era um senhor de idade, com um chapéu na cabeça, possuía alguns fios grisalhos que eram visíveis, tinha barba e bigode brancos, vestia uma blusa meio rasgada e uma calça jeans, calçava sapatos de bico fino, ele carregava na mão um amontoado de capim. O senhor encarou Ícaro por um momento, provavelmente pensando que não era comum alguém vir até ali.

– Procurando alguma coisa, rapaz? – Perguntou o velho, com uma voz rouca.

– Não senhor, estou apenas admirando a vista.

O velho olhou para os mesmos pontos que Ícaro estava vendo e deu um sorriso cansado.

– Realmente, é um bom local para se apreciar. – Ele se sentou ao lado de Ícaro. – Mas não é o melhor canto para um jovem como você estar.

Ícaro olhou para o capim na mão do senhor, e se perguntou se era para alimentar algum animal que ele criava.

– Eu vim apenas fazer uma visita a uma velha amiga. – Abaixou a cabeça.

O homem olhou para a pedra do seu lado, e depois para Ícaro e logo entendeu.

– Eu deveria saber. Não é normal você se tornar tão observador com as coisas da natureza, a não ser que esteja bem triste.

Quando o velho terminou de dizer isso, Ícaro sentiu uma pontada de dor. Era isso, provavelmente era isso que o deixava tão confuso, e que o machucava, mas segurou sua dor no momento. A fraqueza não é uma coisa que você quer que os outros notem, pelo menos não para pessoas orgulhosas.

– Eu... Eu apenas vim visita-la. E vi o local bonito, assim passei a observar. – Mentiu Ícaro.

O homem deu um sorriso experiente e sugestivo, e Ícaro logo percebeu que era inútil mentir.

– Sabe garoto, a morte é a coisa mais justa e injusta do mundo. – Observou a cara de Ícaro. - Contraditório não?

– Não acho que ela seja justa. Ela leva as pessoas que mais gostamos... – Ícaro fez uma pausa e respirou fundo.

– Sim, claro. Esse é o lado injusto da morte. Mas imagina, se nem todo mundo morresse? Se apenas uma parte, ou um pouco vivesse eternamente? Seria muito injusto não é? Mas é ai que a vida se mostra justa, pois todos morrem um dia. – O velho olhou para baixo e pareceu ter olhos nostálgicos, como de quem viu muitas coisas acontecerem.

Ícaro olhou para o velho e para a lápide, e por algum tempo ficou respirando tentando se controlar.

– Como era o nome da pessoa? – O bom senhor o encarou e deu um sorriso gentil e acolhedor.

Ao ver a gentileza do rapaz, Ícaro soltou tudo que estava segurando, e caiu em lágrimas, com vários motivos, todos de uma vez.

O velho acariciou um pouco a cabeça de Ícaro e isso só fez com que ele chorasse ainda mais.

– Está tudo bem. Não tem problema em soltar tudo de vez em quando.

Ícaro soluçava de chorar, enquanto se lembrava de tudo aquilo que o entristecia. O afastamento de seus pais, ter que ficar sozinho por muito tempo, a morte dela...

– Leila... Leila era o nome dela... – Disse Ícaro, e seu choro se tornou pior.

– Leila... Ah, era uma mulher. Imagino que deva ter sido muito importante para você.

Ícaro assentiu enquanto chorava, o senhor acariciava a sua cabeça. Naquele momento, ele sentiu um carinho que nunca havia sentido, como se realmente tivesse um ombro amigo para tudo, não se sentiu só.

– Algumas coisas ficam para sempre guardadas na nossa memória. Perdas de pessoas importantes são as que nunca conseguimos esquecer. Talvez daqui há 40 anos, podemos nos lembrar de alguém que perdemos ontem, e vamos chorar como crianças que perderam seu doce. – Acariciou a cabeça de Ícaro. – Isso acontece com todo mundo, a dor da perda. Esse é seu presente, um presente do passado.

Ícaro fungou um pouco e olhou para o oceano novamente, e se lembrou de todos os momentos que havia passado com Leila, a garota que ele mais amou na vida. A garota que fazia ele se sentir bem, mesmo quando ele não estava, a garota que havia morrido tragicamente há um tempo atrás. A garota que tinha feito ele ter medo de amar.

Os momentos que continuaram, não foram lembrados mais por Ícaro. Ele não saberia dizer se passou a noite por ali, ou se voltou para a casa e não parou de pensar durante a noite. A única coisa de que ele tinha certeza, era de que nunca mais voltaria a ver aquele velho.


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Notas finais do capítulo

Lembrar sempre foi um fator difícil. Mas lembro de que o próximo capitulo será complicado.



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