S.O.S Me Apaixonei Por Um Assassino Suicida escrita por Anthonieta


Capítulo 14
Os sentimentos são tão tortos quanto as árvores do Cerrado


Notas iniciais do capítulo

Eu disse que postaria mais ou menos amanhã, mas como hoje passei o dia em casa, não resisti. (:



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Jason sorriu sarcasticamente, tornando à sua cara pressurosa e irritantemente amável. Seus olhos, que antes eu jamais pudera enxergar qualquer coisa, agora eram dois rios fundos e tristes, correndo paralelamente sem encontrar-se em mar algum. Perguntei-me o quão solitário ele era.

— Entre...

Eu hesitei um pouco. Investi na direita, mas desastradamente Jason bloqueou-me. Tentei o outro lado e lá estava ele mais uma vez, tão impaciente quanto eu, passando fortemente as mãos pelo rosto. Ele afastou-se para trás, e eu passei pela direita, fechando a porta.

— Pode começar! — Jason bradou.

— Começar o quê?

Ele desligou a tevê, cuja imagem era exageradamente chuviscante, e sentou-se no sofá, entrelaçando os dedos das mãos entre as pernas escancaradas. Eu sentei no centro de madeira marfim à sua frente, sentindo meu rosto ruborizar.

— Ah... — tossi — me desculpe... por ontem... pelo meu desmazelo. Eu o tratei... — dei um suspiro relutante — mal, eu acho.

Ele sorriu torto.

— Eu realmente não esperava que você viesse me procurar... não tão rápido. — ele olhou-me por cima dos olhos, entreabrindo a boca, depois cerrando o maxilar — Mas não quero que pense que sua atitude foi desesperadora, apelante ou tola demais... Não foi. Eu até gostei, apesar de estar acostumado com garotas implorando meu perdão. — ele suspirou, alisando a barba rala e mal feita — É um constante ganho satisfatório.

Eu rolei os olhos impacientemente.

— Estou começando a me arrepender de ter deslocado-me até aqui, seu tosco.

Ele jogou as mãos para o alto, aproximando-se de mim. Meu rosto agora estava a poucos centímetros do de Jason. A veia sobressaída, que corria por todo o seu pescoço, estava suavemente pulsante sob a pele pálida e repleta de pequeninos sinais escuros. Tirei a vista rapidamente.

— A culpa foi minha. — eu o fitei, balançando a cabeça negativamente — Você queria cessar... o... o beijo — ele pausou — e eu praticamente a forcei contra.

Naquele instante desejei que minha expressão de surpresa não tenha sido muito notada.

— Eu não queria...

— Não?

—Não.... Quero dizer... anh, não me complique! — passei a mão por toda a extensão de minha cabeça, puxando meu cabelo para os ombros. — Não era como se eu não quisesse prolongar aquilo, mas...

— Você se arrepende de ter me beijado? — ele interrompeu-me, quase que num sussurro, aproximando-se, enquanto eu afastava minha cabeça para trás, relutantemente — se arrepende?

— Não gosto do seu perfume! — bradei.

Jason afastou-se, torcendo a cabeça para o lado.

— O quê?

— Já pensou em trocar?

— Ora, saia da minha casa!

Ele levantou-se furiosamente, indo em direção à porta. Rapidamente o segurei pelo braço, sentindo seu corpo amolecer.

— Me desculpe... — disse calmamente. — Eu...

— Não continue! — ele grunhiu — você tentando se desculpar é um desastre. Vamos, sente-se num lugar mais confortável. Vou trazer-lhe algo para beber... Vinho?

Eu o olhei confusa.

— Ah... não, não. Parei de consumir álcool. E... eu não quero beber nada, obrigada.

Ele deu de ombros e sentou-se ao meu lado, semicerrando os olhos.

— Me fale sobre você, já que está aqui mendigando minha atenção.

Eu o olhei desprezavelmente.

— Não estou mendigando porcaria alguma. Aliás, eu já deveria ter ido embora.

Tentei levantar, mas Jason puxou-me de volta.

— Senta ai, mulher... — ele bufou — quanta petulância. Eu estou tentando ser legal com você, Clarissa, então faça-me o favor de tentar ser um pouco passional.

Soltei-me de seu aperto e o empurrei.

— Bem... — comecei — eu consegui uma vaga num estágio que eu queria muito...

Ele fez um gesto de desprezo com a mão.

— Parabéns, mas eu gosto de conversar sobre coisas interessantes.

Eu fiz uma careta.

— O que quer saber?

Ele olhou-me com divertimento.

— Suas fantasias sexuais. — ele sorriu.

Eu o estapeei no braço, completamente estupefata, sentindo minhas bochechas corarem.

— Seu idiota, como você...

Jason sorria como se o tivessem contado a melhor piada de todos os tempos. Eu o encarava séria, minha cota de paciência estava se extinguindo.

— Me desculpe... — ele suspirou, parecia estranhamente satisfeito — foi apenas uma brincadeira.

— Você não é nem um pouco engraçado, seu doente, alguém já lhe disse isso?

Ele ficou inexpressivo, como se tivesse acabado de receber uma péssima notícia, mas, de acordo com o pouco que conhecia sobre Jason, ele com certeza não havia sido atingido por minha crítica. Algo muito além parecia ter tomado um bom posto em sua consciência, como se tivesse lembrado-se de algo angustiante e estivesse culpando-se por ter esquecido. Eu encolhi os ombros. Ele levantou-se e fitou a janela.

— Clarissa...

— Eu fiz algo de errado? — o interrompi.

Ele virou-se para mim.

— Oh, não — ele deu uma pequena pausa, olhando para a estante — você não fez nada, não se preocupe.

Eu segui sua vista e me deparei com uma cestinha de artesanato, que repousava em cima do móvel. Olhei mais atentamente e pude ver vários vidrinhos escuros e cartelas de comprimidos. Me senti um pouco envergonhada, mas logo expulsei tal sensação.

— Jason... — comecei, sem ter certeza se deveria — eu sei que morava em outra cidade... Então... porquê veio para Crouzi?

Ele engoliu seco, balançando a cabeça negativamente, sem me fitar.

— Problemas pessoais. — ele tornou a sentar no sofá, agora um pouco agitado.

— Você está bem? — perguntei.

— Aham.

Jason esfregava as mãos compulsoriamente, o que estava deixando-me assustada.

— Olha... — ele começou — Por favor, não me leve a mal, mas... — ele esfregou o pescoço — eu preciso ficar sozinho agora... você se importaria em....

Eu repousei uma mão em seu ombro, relutantemente, o que o fez expressar um pouco de sobressalto.

— Eu me importaria sim... Especialmente porque já o flagrei em uma situação totalmente desusada, e já o perguntei sobre todas aquelas coisas... E você nunca me respondeu.

Jason afastou-se do meu toque.

— Não é de sua conta. — grunhiu rispidamente — Não se intrometa, Calrissa, você mal me conhece.

— Eu quero lhe ajudar...

— Não preciso de ajuda! — ele levantou-se em direção à porta — eu realmente preciso ficar só.

Jason fitou novamente a cesta de remédios na estante. Desta vez não me acanhei em intrometer-me.

— Você quer ficar sozinho para entupir-se de comprimidos esquisitos e sangrar até a morte, debatendo-se no chão da sala, a transformando em um cenário de seriado policial americano? É isso que você quer?

— Cale a boca! — ele quase gritou, escorando-se na parede, ao lado da porta, deslizando lentamente até atingir o chão e debruçar-se sobre os joelhos. — Vá embora...

Desespero tomou conta de meu corpo. Nunca havia passado por uma situação tão angustiante. Nada comparado às mortes que havia presenciado e ao próprio Jason estirado em seu banheiro. Talvez porque ele estava ali, agora, consciente. E estava vivo, sem nenhum sinal de ferimentos, até porque sua lesão no braço aparentava quase boa.

Imediatamente pus-me abaixo, tocando calmamente seus braços, onde ele repousava a cabeça. Pude ouvir seu choramingar sufocado. Nunca imaginara ver Jason Santi numa situação tão peculiar, numa situação tão mal aplicada à sua personalidade autêntica, fútil e irritante. Ele agora parecia uma criança que fora abandonada pelos pais.

— Jason... — comecei, cautelosamente — você não precisa me contar o que se passa com você, ok? Eu não irei insistir. Quero lhe ajudar independente da sua autorização.

Ele estava silencioso, apenas assentindo com a cabeça enfiada nos braços sobre os joelhos. Suas costas estavam suadas e frias. Ignorei o rubor em meu rosto e o abracei, passando a mão por seus cabelos, retirando a liga que os prendiam.

— Está tudo bem... — sussurrei ao pé de seu ouvido. Nunca fantasiei a ideia de ser mãe ao algo de tipo, mas aquela situação me fez pensar em tal possibilidade. Não... Isso não combinava comigo, e de forma alguma poderia assemelhar Jason à algum tipo de cria, com certeza não.

Pude sentir sua respiração lenta através de meu tronco encolhido sobre suas costas, o que me fez sentir um aperto estranho na garganta.

— Você precisa de algum daqueles remédios que estão na cesta, não é?

Ele assentiu suavemente. Levantei-me e trouxe a cesta até ele, que estava imóvel.

— Qual deles? — perguntei pacientemente, notando que realmente havia muitos remédios com a tarja preta, o que me fez estremecer.

Jason levantou a cabeça lentamente, cabelo cobria seus olhos encharcados, parecia miseravelmente derrotado. Ele espichou o braço esquerdo, remexendo a cestinha, até encontrar uma incompleta cartela de comprimidos, metade vermelha, metade branca.

— Eu vou buscar um copo d'água. — bradei.

— Não precisa! — ele sussurrou.

Jason retirou um comprimido da cartela e o mergulhou na boca, caindo deitado no chão da sala. Piscando lentamente. Eu fiz uma careta.

— Você... — comecei — sofrerá algum tipo de efeito colateral?

Ele negou.

— Estou apenas cansado...

Eu assenti e com um pouco de hesitamento, deitei-me ao seu lado. O chão de porcelana era demasiadamente frio.

Estávamos deitados de lado, um de frente para o outro, de certo ângulo. Talvez uma pequena distância de dez ou vinte centímetros nos separavam. Jason estava deitado sobre o braço direito, encolhido como um feto. Eu estava quase como ele, apenas um pouco mais desprendida. Com o braço livre, Jason passou os dedos finos sobre o cabelo que caia teimosamente em meu rosto, o que fez os pelos de minha nuca eriçarem.

— Você deveria ir embora — ele começou — e desta vez sem retornar usando meus argumentos como desculpa.

Eu comprimi um riso.

— Afaste-se de mim, Clarissa... Por favor.

Eu respirei fundo, espremendo os lábios.

— Você fala como se fosse um perigo... — sussurrei — Eu tenho algum motivo para achar que você é perigoso?

Ele recolheu seu braço para si. Tirando os olhos de meu rosto, rolando para o lado, ficando de costas para baixo, seu cabelo contornando o piso, ao redor de sua cabeça, o fazendo parecer um pequeno sol negro.

— Olha, independente do que aconteça, quero que saiba que para tudo há um motivo, e alguns são bem convictos, entendeu?

— Por que está dizendo isso?

Ele suspirou.

— Não é nada... Só uma observação.

Eu assenti.

— Não quero acreditar no que imagino à noite antes de dormir. — bradei.

Ele virou o rosto para mim.

— O que você imagina? — indagou — Eu tomando banho admirando uma foto sua? Realmente é melhor não acreditar.

Eu rolei os olhos. Ele provavelmente já estava bem melhor.

— Também não quero acreditar no que você aparenta ser...

— O que eu aparento ser?

Eu fitei seus olhos, que estavam envoltos em profundas concavidades arroxeadas, o que o deixava misteriosamente atraente.

— A coisa que poderia desintegrar-me em pedacinhos minúsculos.

— Como Hiroshima... — ele sussurrou para ninguém especialmente, como se estivesse pensando alto. Eu vacilei.

— E quanto àquilo que você imagina à noite? — tornou a perguntar-me.

Eu cerrei o maxilar, balançando a cabeça.

— A mesma coisa, só que pior.

Jason levantou uma sobrancelha.

— Por que pior?

— Porque eu iria estar pendurada em um abismo, cantarolando alguma canção do Chico Buarque, mesmo não havendo motivos para isso.

Ele tossiu num espanto.

— Você pensa demais... Ah, eu gosto do Chico Buarque.

— Incrível.

Jason sentou-se tão rapidamente que mal pude notar. Agora com o rosto completamente seco, pegando a liga que eu havia jogado pelo chão, e prendendo o cabelo novamente. Ele levantou-se e ofereceu-me uma mão. Eu a segurei e ele puxou-me.

— Clarissa... — ele disse calmamente enquanto circulava meu rosto com seu dedo mínimo, parando em meu nariz. — Não se apaixone por mim...

— Eu não...

— Não faça com que eu queira salva-la de uma situação insolúvel, a ponto de arriscar a minha preciosa vida.

Eu afastei-me dele, indo em direção à porta.

Você quer dizer que não poderia apaixonar-se por mim?

Ele sorriu fraco, encolhendo os ombros.

— Nem se quisesse.

Instantaneamente Jason beijou-me, empurrando-me rudemente contra a porta, de forma que não pude evitar o espasmo. Tentei relutar um pouco, mas logo ignorei a ideia de estar beijando um dependente químico e o abracei. — não me arranhe, Mirium — ele ciciou em meio ao beijo — por favor. Eu apartei a pele que recobria sua escápula com as unhas e ele arfou em um pequeno grito. Eu sorri divertidamente.

Jason cessou o beijo encostando a boca em meu ouvido.

— Não se anime — ele sussurrou — foi apenas um revide.

Eu comprimi o desejo de estapear sua cara.

— Certo... — comecei, o empurrando — eu vou embora.

Girei a maçaneta da porta e deparei-me com o corredor vazio. Estava prestes a sair quando fui surpreendida pelo abraço quente de Jason, seu queixo repousando sobre minha cabeça. Seu perfume me fez tossir, ele sorriu.

— Obrigado.

Eu assenti, soltando-me dele, dando leves tapinhas em seu ombro.

— Não foi nada. Agora eu realmente estou indo... porque minha vida não gira em torno da sua, querido.

Ele sorriu fraco, fechando a porta.

— Olha a intimidade...

Eu rolei os olhos e segui para o elevador.

***

Minha cabeça estava um turbilhão de pensamentos e sensações. Não queria pensar muito em tudo que havia acontecido. Não o informei do homem morto na calçada, pensei, mas talvez aquilo não fosse de seu problema. Eu não tinha motivos para contar a Jason sobre o que vi, e, diante do que havia acontecido, nem oportunidades.

Alguns segundos passaram-se até eu sentir o ar fresco do quinto hall: vazio e mal iluminado, como sempre. Estava caminhando passadamente em direção a meu apartamento, quando senti um aperto forte envolvendo minha cintura, bem como uma fria mão sobre minha boca, impedindo-me de protestar. Chutei o ar várias vezes, relutei o máximo que pude, mas nada adiantou. Pânico tomava conta de meu corpo. Soltei um grunhido exagerado, arregalando os olhos incisivamente... então tudo ficou abundantemente escuro.


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