Amiga Morte escrita por Quézia Martins


Capítulo 3
Conflitos


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo...

Boa leitura!



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...

— Bárbara Espinosa - chamaram. Babi se levantou quando ouviu seu nome ser entoado. Dirigiu-se ao consultório e entrou.

— Com licença.

— Sente-se - o médico estava de costas. Mexia em algo sobre uma grande mesa. Mesmo de costas podia-se notar que ele era jovem. Então ele se virou.

— Octávio? - perguntou assim que o reconheceu.

— Babi? Você é a Bárbara? - ele parecia tão surpreso quanto ela.

— Desde que nasci - ele riu e sentou-se abrindo o registro do caso de Babi. Ela observou o maxilar dele se contrair, os olhos procurando absorver cada detalhe. - Câncer? - ele perguntou baixo sem desviar os olhos. Quase que como falando sozinho.

— Sim. Em estágio terminal. - ela completou em tom de lástima.

— Isso é pegadinha? - sorriu inseguro jogando os registros na mesa e pondo-se em pé.

— Gostaria que fosse. - Babi respondeu mordendo o lábio inferior logo em seguida.

— Por que você esperou tanto tempo para procurar um médico? - a voz dele estava diferente. Carregada de emoções. Ela sentiu um misto de aborrecimento e preocupação.

— Meu irmão mais novo morreu em um hospital - ela disse. Ele a olhou tentando encontrar sentido naquela justificativa.

— O que ele tinha?

— Ele teve paralisia cerebral... Depois, achávamos que o caso dele já tinha se estabilizado, que ele viveria em estado vegetativo e já tínhamos nos acostumado com a ideia. Então, ele teve uma parada cardíaca, depois outra, depois outra. O coração não resistiu.

— E você nunca mais voltou a um hospital? - ele inquiriu já antecipando os fatos.

— Eu não suportaria entrar em um.

— E essas dores? Começaram faz tempo?

— Sim, há anos. Só que eu achava normal.

— Grande erro. Não sei como vocês - ele generalizou - conseguem se acomodar com a dor. Sem levantar suspeitas... Não tem nada de normal em sentir dor! Por que você resolveu procurar um médico, afinal?

— Uma amiga insistiu muito. – respondeu baixo. O tom dele... As expressões...

— Você poderia fazer quimio...

— Seria uma perda de tempo! - Babi respondeu abruptamente cortando-o. – E você sabe disso já que está em suas mãos meu exame. Sabe que não adiantaria nada. Que só me daria uma péssima qualidade de vida.

— Poderia aumentar seu tempo de vida. – rebatou.

— E no final eu morreria de todo modo. De que adiantaria? - ele ficou em silêncio e ela retomou. - Você sabe as condições de vida de uma pessoa que passa por esse tipo de tratamento. Aposto que você conhece. É pior do que a própria doença! – ela fez uma pausa para dar uma risada irônica – O câncer é engraçado, sabe? Ele parece que só deixa a pessoa doente quando ela descobre e tenta “ficar melhor”, mas esses tratamentos são uma ilusão e me recuso a todo esse processo! - ela respirou dolorosamente e o olhou com lágrimas nos olhos - Você pode me receitar um remédio barra veneno para que eu tome e tenha uma morte instantânea e sem dor? - perguntou de pé o olhando firme agora.

—Sem chance! Enquanto você pede pra morrer, outra pessoa no mundo implora por vida.

— Eu dou a minha de mãos beijadas!

— Para Bárbara! - Octávio gritou indo até ela e a prendendo na parede - Para de dizer essas coisas! Isso tudo é um absurdo! – agora ele havia ultrapassado seu limite como médico.

— Não tenho motivação pra viver. Com o tempo a situação vai se agravar... Não sei suportar dor sem surtar. Por favor, você precisa acabar com isso. - ela estava chorando. Octávio a puxou mais para si e a apertou contra o peito. Ele tinha consciência do quanto aquilo era errado, no entanto, no momento, parecia a coisa certa a fazer.

— Você está vivendo o agora, Babi. Você precisa viver até o último minuto. Fará diferença.

Ela não sabia o que fazer. Os braços dele passavam uma segurança que há tempos não sentia. Ela sentia como se nada pudesse a ferir ali. Depois de um tempo, ela pegou sua bolsa sobre a cadeira e retirou-se. Esquecendo seu aparelho celular sobre a mesa.

***

Chegou em casa e passou diretamente para seu quarto, onde se trancou. Abriu a janela que a levava até a varanda e Lua estava lá.

— Como você faz isso? Como aparece do nada? - Babi perguntou sentando numa cadeira de balanço ali. Lua só deu de ombros. Não disse nada. Ela olhava a paisagem como se não estivesse olhando realmente. Até que Lua sentou-se também.

— Se alimentou hoje? - Lua perguntou.

— Não. Ainda não.

— Segurando lágrimas? - Babi a olhou desolada. Lua parecia ler mentes.

— Talvez, talvez.

— Muitos acontecimentos essa manhã?

— Alguns.

— Quer conversar?

— Como se sabe quando se ama alguém? - Babi perguntou tirando uma cutícula do canto da unha.

— Não se sabe. Sente-se.

— Como?

— Você nunca amou?

— Não. Acho que não terei tempo para isso.

— Eu acho que está enganada. O amor é uma questão de chance e possibilidade. É um risco que você tem que permitir correr.

— Não seria injusto? - perguntou sustentando um olhar compreensivo com Lua.

— O que?

— Me apaixonar.

— Isso seria injusto com quem?

— Com ele. Não consigo suportar a ideia de ter alguém nesse meio tempo. Eu vou morrer. É triste pensar que essa pessoa vai continuar aqui e ter que retomar a vida como se eu não tivesse feito parte dela. Daqui a alguns meses eu vou parecer um cadáver ambulante. Estarei definhando. Quem ama alguém assim?

— A maior beleza se encontra aqui. - Lua disse colocando a mão sobre o peito.

— Isso não funciona na vida real! - Babi ouviu um barulho na porta.

— Já são meio dia? - Babi perguntou se dando conta do tempo que ficou ali.

— Sim.

— Vou almoçar. Quer vir?

— Eu não como - Lua disse naturalmente.

— Nunca?

— Nunca. - ela afirmou olhando o horizonte.

— Vai estar aqui quando eu voltar?

— Espere pra ver.

— Tchau Lua.

Babi saiu. Seus pais já estavam todos a mesa. Só faltava ela. Abraçou seu pai e se sentou logo após.

— Com fome filha? - sua mãe perguntou olhando o prato quase vazio de Babi.

— Não muita. - Babi respondeu. Na verdade, ela NÃO estava com fome.

— Vai nos contar agora? - sua mãe perguntou depois da prece que realizou sozinha.

— Dizer o quê? - seu pai indagou se metendo na conversa.

— Ela disse hoje pela manhã que precisava falar conosco.

— Prefiro que comam primeiro. - Babi disse os olhando e comendo uma colherada da sobremesa (ela já tinha terminado a pouca comida).

— Deixe de enrolação, Bárbara! Diga logo! - sua mãe a apressou. Babi limpou a boca num guardanapo e os olhou sem piscar.

— Estou com câncer.

— Não é hora pra brincadeiras, Babi.

— Não pai, é sério. Descobri ontem. - ela disse vendo sua mãe entrar em desespero e sem pai ficar sem palavras.

— E quando vai ser a cirurgia? - sua mãe questionou, finalmente sabendo o quê dizer.

— Não haverá cirurgia.

— Como não? De que outra maneira você vai retirar esse câncer de dentro de você? - sua mãe perguntou outra vez. Voz embargada, olhos lacrimejantes.

— Não tem mais como - Babi respondeu baixo, olhando cada traço que aparecesse no rosto de sua mãe - Já se espalhou por quase todos os órgãos.

— Está me dizendo que devo sentar e esperar você morrer? É isso? - sua mãe perguntou ficando em pé e se apoiando na mesa.

— Mãe... Já está sendo difícil. Não torne as coisas mais dolorosas. - Babi pediu sentindo lágrimas se formarem nos seus olhos.

— Eu pago filha. Pago o melhor tratamento que tiver. Tenho amigos cirurgiões que me devem favores... Eu pago Bárbara. - seu pai declarou quebrando o silêncio no qual ele se manteve até determinado momento.

— Pai, eu...

— Você realmente acha que dinheiro compra tudo não é, Auguste? Nossa filha está morrendo! Não se vende vida! - Sandra gritou exasperada, em meio a lágrimas e soluços.

— Vocês podem parar, por favor?

Auguste se levantou e saiu. Sandra chorava mais e mais.

— Isso é injusto querida! Não posso te perder! Eu não posso te perder! Não vou aguentar dessa vez, eu...

— Mãe.. - Babi falou procurando os braços gordos da mãe. - Não quero morrer. - confessou já chorando.

— Quanto tempo filha? - a mãe perguntou afagando os cabelos de Babi.

— Menos de um ano. - ouviu sua mãe soltar um suspiro e voltar a mais uma crise de choro e soluços. - Acabei com o almoço né? - ela disse tentando mudar o clima.

— Não estávamos com tanta fome.

— Para onde o papai foi?

— Provavelmente pensar... Logo está aí... - Sandra sentou-se. Mãos no colo, lágrimas ainda desciam.

— Vou pro meu quarto. A senhora vai ficar bem? - Sandra sorriu rápido.

— Eu sim.

Então Bárbara voltou para seu quarto.

E Lua ainda estava lá.


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Notas finais do capítulo

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