Amiga Morte escrita por Quézia Martins
Notas iniciais do capítulo
Mais um capítulo...
Boa leitura!
...
— Bárbara Espinosa - chamaram. Babi se levantou quando ouviu seu nome ser entoado. Dirigiu-se ao consultório e entrou.
— Com licença.
— Sente-se - o médico estava de costas. Mexia em algo sobre uma grande mesa. Mesmo de costas podia-se notar que ele era jovem. Então ele se virou.
— Octávio? - perguntou assim que o reconheceu.
— Babi? Você é a Bárbara? - ele parecia tão surpreso quanto ela.
— Desde que nasci - ele riu e sentou-se abrindo o registro do caso de Babi. Ela observou o maxilar dele se contrair, os olhos procurando absorver cada detalhe. - Câncer? - ele perguntou baixo sem desviar os olhos. Quase que como falando sozinho.
— Sim. Em estágio terminal. - ela completou em tom de lástima.
— Isso é pegadinha? - sorriu inseguro jogando os registros na mesa e pondo-se em pé.
— Gostaria que fosse. - Babi respondeu mordendo o lábio inferior logo em seguida.
— Por que você esperou tanto tempo para procurar um médico? - a voz dele estava diferente. Carregada de emoções. Ela sentiu um misto de aborrecimento e preocupação.
— Meu irmão mais novo morreu em um hospital - ela disse. Ele a olhou tentando encontrar sentido naquela justificativa.
— O que ele tinha?
— Ele teve paralisia cerebral... Depois, achávamos que o caso dele já tinha se estabilizado, que ele viveria em estado vegetativo e já tínhamos nos acostumado com a ideia. Então, ele teve uma parada cardíaca, depois outra, depois outra. O coração não resistiu.
— E você nunca mais voltou a um hospital? - ele inquiriu já antecipando os fatos.
— Eu não suportaria entrar em um.
— E essas dores? Começaram faz tempo?
— Sim, há anos. Só que eu achava normal.
— Grande erro. Não sei como vocês - ele generalizou - conseguem se acomodar com a dor. Sem levantar suspeitas... Não tem nada de normal em sentir dor! Por que você resolveu procurar um médico, afinal?
— Uma amiga insistiu muito. – respondeu baixo. O tom dele... As expressões...
— Você poderia fazer quimio...
— Seria uma perda de tempo! - Babi respondeu abruptamente cortando-o. – E você sabe disso já que está em suas mãos meu exame. Sabe que não adiantaria nada. Que só me daria uma péssima qualidade de vida.
— Poderia aumentar seu tempo de vida. – rebatou.
— E no final eu morreria de todo modo. De que adiantaria? - ele ficou em silêncio e ela retomou. - Você sabe as condições de vida de uma pessoa que passa por esse tipo de tratamento. Aposto que você conhece. É pior do que a própria doença! – ela fez uma pausa para dar uma risada irônica – O câncer é engraçado, sabe? Ele parece que só deixa a pessoa doente quando ela descobre e tenta “ficar melhor”, mas esses tratamentos são uma ilusão e me recuso a todo esse processo! - ela respirou dolorosamente e o olhou com lágrimas nos olhos - Você pode me receitar um remédio barra veneno para que eu tome e tenha uma morte instantânea e sem dor? - perguntou de pé o olhando firme agora.
—Sem chance! Enquanto você pede pra morrer, outra pessoa no mundo implora por vida.
— Eu dou a minha de mãos beijadas!
— Para Bárbara! - Octávio gritou indo até ela e a prendendo na parede - Para de dizer essas coisas! Isso tudo é um absurdo! – agora ele havia ultrapassado seu limite como médico.
— Não tenho motivação pra viver. Com o tempo a situação vai se agravar... Não sei suportar dor sem surtar. Por favor, você precisa acabar com isso. - ela estava chorando. Octávio a puxou mais para si e a apertou contra o peito. Ele tinha consciência do quanto aquilo era errado, no entanto, no momento, parecia a coisa certa a fazer.
— Você está vivendo o agora, Babi. Você precisa viver até o último minuto. Fará diferença.
Ela não sabia o que fazer. Os braços dele passavam uma segurança que há tempos não sentia. Ela sentia como se nada pudesse a ferir ali. Depois de um tempo, ela pegou sua bolsa sobre a cadeira e retirou-se. Esquecendo seu aparelho celular sobre a mesa.
***
Chegou em casa e passou diretamente para seu quarto, onde se trancou. Abriu a janela que a levava até a varanda e Lua estava lá.
— Como você faz isso? Como aparece do nada? - Babi perguntou sentando numa cadeira de balanço ali. Lua só deu de ombros. Não disse nada. Ela olhava a paisagem como se não estivesse olhando realmente. Até que Lua sentou-se também.
— Se alimentou hoje? - Lua perguntou.
— Não. Ainda não.
— Segurando lágrimas? - Babi a olhou desolada. Lua parecia ler mentes.
— Talvez, talvez.
— Muitos acontecimentos essa manhã?
— Alguns.
— Quer conversar?
— Como se sabe quando se ama alguém? - Babi perguntou tirando uma cutícula do canto da unha.
— Não se sabe. Sente-se.
— Como?
— Você nunca amou?
— Não. Acho que não terei tempo para isso.
— Eu acho que está enganada. O amor é uma questão de chance e possibilidade. É um risco que você tem que permitir correr.
— Não seria injusto? - perguntou sustentando um olhar compreensivo com Lua.
— O que?
— Me apaixonar.
— Isso seria injusto com quem?
— Com ele. Não consigo suportar a ideia de ter alguém nesse meio tempo. Eu vou morrer. É triste pensar que essa pessoa vai continuar aqui e ter que retomar a vida como se eu não tivesse feito parte dela. Daqui a alguns meses eu vou parecer um cadáver ambulante. Estarei definhando. Quem ama alguém assim?
— A maior beleza se encontra aqui. - Lua disse colocando a mão sobre o peito.
— Isso não funciona na vida real! - Babi ouviu um barulho na porta.
— Já são meio dia? - Babi perguntou se dando conta do tempo que ficou ali.
— Sim.
— Vou almoçar. Quer vir?
— Eu não como - Lua disse naturalmente.
— Nunca?
— Nunca. - ela afirmou olhando o horizonte.
— Vai estar aqui quando eu voltar?
— Espere pra ver.
— Tchau Lua.
Babi saiu. Seus pais já estavam todos a mesa. Só faltava ela. Abraçou seu pai e se sentou logo após.
— Com fome filha? - sua mãe perguntou olhando o prato quase vazio de Babi.
— Não muita. - Babi respondeu. Na verdade, ela NÃO estava com fome.
— Vai nos contar agora? - sua mãe perguntou depois da prece que realizou sozinha.
— Dizer o quê? - seu pai indagou se metendo na conversa.
— Ela disse hoje pela manhã que precisava falar conosco.
— Prefiro que comam primeiro. - Babi disse os olhando e comendo uma colherada da sobremesa (ela já tinha terminado a pouca comida).
— Deixe de enrolação, Bárbara! Diga logo! - sua mãe a apressou. Babi limpou a boca num guardanapo e os olhou sem piscar.
— Estou com câncer.
— Não é hora pra brincadeiras, Babi.
— Não pai, é sério. Descobri ontem. - ela disse vendo sua mãe entrar em desespero e sem pai ficar sem palavras.
— E quando vai ser a cirurgia? - sua mãe questionou, finalmente sabendo o quê dizer.
— Não haverá cirurgia.
— Como não? De que outra maneira você vai retirar esse câncer de dentro de você? - sua mãe perguntou outra vez. Voz embargada, olhos lacrimejantes.
— Não tem mais como - Babi respondeu baixo, olhando cada traço que aparecesse no rosto de sua mãe - Já se espalhou por quase todos os órgãos.
— Está me dizendo que devo sentar e esperar você morrer? É isso? - sua mãe perguntou ficando em pé e se apoiando na mesa.
— Mãe... Já está sendo difícil. Não torne as coisas mais dolorosas. - Babi pediu sentindo lágrimas se formarem nos seus olhos.
— Eu pago filha. Pago o melhor tratamento que tiver. Tenho amigos cirurgiões que me devem favores... Eu pago Bárbara. - seu pai declarou quebrando o silêncio no qual ele se manteve até determinado momento.
— Pai, eu...
— Você realmente acha que dinheiro compra tudo não é, Auguste? Nossa filha está morrendo! Não se vende vida! - Sandra gritou exasperada, em meio a lágrimas e soluços.
— Vocês podem parar, por favor?
Auguste se levantou e saiu. Sandra chorava mais e mais.
— Isso é injusto querida! Não posso te perder! Eu não posso te perder! Não vou aguentar dessa vez, eu...
— Mãe.. - Babi falou procurando os braços gordos da mãe. - Não quero morrer. - confessou já chorando.
— Quanto tempo filha? - a mãe perguntou afagando os cabelos de Babi.
— Menos de um ano. - ouviu sua mãe soltar um suspiro e voltar a mais uma crise de choro e soluços. - Acabei com o almoço né? - ela disse tentando mudar o clima.
— Não estávamos com tanta fome.
— Para onde o papai foi?
— Provavelmente pensar... Logo está aí... - Sandra sentou-se. Mãos no colo, lágrimas ainda desciam.
— Vou pro meu quarto. A senhora vai ficar bem? - Sandra sorriu rápido.
— Eu sim.
Então Bárbara voltou para seu quarto.
E Lua ainda estava lá.
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