Neelie nos guia no caminho para a sede da Franqueza. Ela está localizada em um enorme edifício de concreto, voltado para o que um dia foi o rio. Na frente do edifício há uma placa onde está escrito MERC IS MART. No passado o que se lia era “Merchandise Mart”, mas as maiorias das pessoas se referem ao lugar como “Mercado Impiedoso”, pois os membros da Franqueza são impiedosos, mas honestos. Eles parecem ter aceitado o apelido. Respiro o ar seco da madrugada. Não deveríamos ter saído do abrigo dos sem-facções tão cedo, mas foi preciso.

Paramos em frente e olhamos um para o outro. Neelie respira fundo, Noah está com a mão no bolso, segurando sua arma. Como deve estar sendo para Neelie voltar para sua antiga facção? Vejo nossos reflexos nas portas de vidro. Parecemos fugitivos cansados, assustados e sujos.

O saguão é grande e bem iluminado, com o piso de mármore preto que se estende até um hall de elevador. Um anel de ladrilhos de mármore branco no centro do saguão forma o símbolo da Franqueza: uma balança desequilibrada, representando o peso da verdade contra o da mentira. O ambiente está cheio de membros da Audácia.

Uma soldada da Audácia com o braço em uma tipoia se aproxima de nós, com a arma em punho e o cano apontado para Noah. Ela é familiar e jovem. Tem cabelos muito curtos repicados e feições serias, mas é bonita. Olho para ela, mas ela esta concentrada em Noah.

– Identifique-se. – comanda. Olho em seus olhos. Azuis frios. Sinto lagrimas se acumularem em meus olhos. Ela ainda não olhou para mim, então chamo sua atenção.

– Incrível Ruthless. – digo com a voz tremendo. Ela se vira para mim e larga a arma no chão. Encaramo-nos por um tempo, ambas sem saber o que fazer. Então ela começa a chorar e me abraça.

Sabe aquele abraço que parece que o mundo gira mais devagar? Que nada aconteceu? Que está tudo perfeito? Aquele que a pessoa te aperta até ficar sem ar? Esse é o melhor abraço de todos.

– Onde você estava? – ela diz chorando contra minha camiseta. – Tudo... Tudo começou a desandar e papai... Ele...

– Fique calada. – sussurro. – Estou aqui agora, okay? Tudo vai ficar bem. – Estava chorando na frente de guardas da Audácia sem me importar com o que eles acham. A maioria me conhece.

Fico feliz por ela não ter se juntado a Erudição, mas ela chora tão desesperadamente em meus braços que me pergunto o que aconteceu depois que ela acordou da simulação e descobriu que matou pessoas inocentes.

Ela me solta depois de seu choro ter acalmado. Ela se abaixa para pegar a arma e um menino se aproxima de nós. Ele tem o rosto redondo e bochechas rosadas, ele olha para mim com ar culpado.

–O protocolo, B. – ele murmura para minha irmã.

– Ahn sim. – ela se abaixa para pegar sua arma. – Estão armados? – ela pergunta.

– Não. – diz Neelie. Olho para ela. Uma ex- membra da franqueza, mentindo na própria sede de sua facção. B. olha para nós, desconfiada, depois sorri.

– Senti sua falta. – ela diz. – Venham... Você tem sorte, maninha. Quando eles viram o vídeo do ataque, viram você no computador. De inicio pensaram que você estava controlando a simulação, mas por sorte a câmera pegou parte da tela do computador e deu pra ver que você estava só vendo a Tris e que você e sua amiga fugiram antes de algo ruim acontecer. - Ela nos acompanha, quando passa pelo menino ela diz “Cuide as coisas por aí, já volto”, até o Hall do elevador.

– Desde quando te deixam no comando de algo? – pergunto ironicamente quando entramos no elevador com Noah e Neelie.

– Desde que Jack Kang me considerou inocente. – ela diz olhando para baixo. Conheço minha irmã bem o suficiente para saber que ela própria não se considera inocente. Ela sabe que matou uma pessoa. – Acho melhor vocês tomarem um banho... - ela diz olhando para nós. – Não que estejam fedendo ou algo assim, só... Parecem cansados. Ops, vocês não se apresentaram para mim. – ela diz com seu típico ar avoada.

– Noah.

– Neelie.

– Prazer. – ela se vira para mim. – Temos muita coisa para conversar. - O elevador para e ela abre uma porta com um empurrão e entramos em uma sala grande e espaçosa que me lembra do saguão do edifício. O piso é preto com o enorme símbolo branco no centro. Maior parte da sala está tomada por beliches. Homens, mulheres e crianças da Audácia estão por toda parte e não há um único membro da Franqueza. – Bem vindos ao dormitório da Audácia. – ela diz tristemente enquanto nos guia até o lado esquerdo da sala, passando por fileiras de beliches. Ela para em um beliche com um menino sentado na cama de baixo. Ele é da sua idade e o reconheço. Ele nos olha.

– Hec, acho que você conhece minha irmã. – ela diz apontando para mim. Sinto-me feliz por Hector estar aqui, isso significa que suas irmãs mais velhas, Lynn e Shauna não são traidoras. – Esses são seus amigos, Noah e Neelie. – Hector acena com a cabeça. B se vira para nós. – Bem, o beliche mais próximo e vazio é esse. – ela aponta para um ao lado. – podem dormir você e sua amiga no de baixo e o Noah no de cima, ou qualquer coisa.

Olho para Neelie. Nem ferrando eu vou dormir com ela. Na ultima vez acordei com um pé na minha cara e a guerra á uma milha de distancia. Escuto uma voz estridente chamando meu nome. Viro-me ao ver Marlene me abraçando.

– Você está viva. – ela diz me apertando. Sorrio. Senti falta desses audaciosos. – O que está fazendo aqui? Olha você nos envergonhou trocando a gente por aquele bando de maricas que só sabem mexer em computadores e controlar mentes. – ela diz com raiva e depois me abraça de novo. – Achei que Jeanine houvesse te matado.

– Como você é positiva... – diz Lynn colocando a cabeça para fora de um dos beliches. Seu cabelo está maior, agora não está mais com a habitual careca. Ela é linda sem nem se esforçar para isso, mas ela odeia. Os meninos sempre acham que ela não tem potencial. Seus olhos são de uma estranha coloração marrom-dourada e seu nariz é delicado e seus lábios são cheios. – Hey, Vicky. Voltou para as origens é? Como era aquela historia Uriah? O bom filho á casa torna?

– Acho que era isso. – Uriah amarrando os cadarços. Sua cabeça está abaixada e posso ver a tatuagem de cobra atrás de sua orelha. Ele levanta os olhos escuros para mim e sorri. Seus dentes brancos contra a pele marrom. – Incrível Ruthless... Você não pode negar, a Audácia corre em suas veias. Hey... Conheço você. – ele diz se aproximando de Noah. – Era um dos amigos de Zeke né? Noah estou certo?

– Sim. É bom revê-lo Uriah. Onde está Zeke? – ele pergunta olhando ao redor.

– Zeke é um traidor! – grita Hector. Todos o olham. Uriah abaixa a cabeça. Zeke... Não pode ser. Lynn dá um tapa na cabeça do seu irmão. Noah abaixa a cabeça, me aproximo dele e o abraço pela cintura. Procuro por Neelie. Onde ela se meteu? Acho-a conversando com uma menina de cabelos curtos e pele acinzentada, acho que um dia fora marrom. Ela olha em minha direção e acena para que eu vá até lá.

– Com licença. – digo para eles me afastando.

– Olha, até que a Erudição fez bem para ela... - escuto minha irmã dizer. – ela está mais educada.

– Hey, Vicky, essa é a Christina. Nós nos conhecemos na Franqueza. – sorrio para a Christina. Estão olhando ao redor e sei muito bem o que procuro. Meus pais. Saber que não encontrarei minha mãe aqui me dói pensar, mas meu pai deve estar por aqui, creio. Afasto-me delas sem me despedir. Volto para perto da minha irmã.

– Cadê o papai? – pergunto em seu ouvido. Ela abaixa a cabeça. Meu coração dispara. Será que ele morreu também na simulação? Não duvido nada.