A vendedora de guarda-chuvas e o filho do coveiro escrita por tamirsalem


Capítulo 1
Prólogo - Anjo da neve


Notas iniciais do capítulo

Com todas as falhas, eu adoro esse capítulo, por mais breve que seja.



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Ela dançava e rodopiava, majestosamente, em meio à interminável neve, com a enferrujada carcaça de seu guarda-chuva. Seu cabelo voava numa hipnótica dança, castanho, longo, numa bela combinação com seus profundos olhos verdes, que haviam tanto intrigado a todos.

"Voe, voe, ó anjo da neve. Suas penas são os flocos de neves, a cair e a flutuar. Tu não tens cara, nem corpo, mas eu sei que está aí. Os ventos de inverno são tuas palavras, serenamente a vaguear. Voe, voe, anjo da neve, fuja do verão. Voe para perto de mim e me cubra com tuas penas. Voe anjo da neve, voe." ela cantava, enquanto deitava na neve e fazia um anjo nela.

Ela lembrou-se dele, da curiosa relação entre eles. Ela se lembrou de tudo que haviam feito em 'prol da felicidade de todos'. Imagens disformes vieram-lhe a mente. Lágrimas, sangue, neve, terra, ela, ele.

Uma lágrima solitária rolou por sua face e ela a lambeu, o gosto salino enchendo-lhe a boca. Ela apreciou o delicioso gosto da lágrima por um tempo e depois se levantou, saindo do estranho transe no qual se encontrava. Ela parou e admirou a inóspita paisagem que conhecia tão bem. O pinheiro solitário, açoitado pelos frios ventos de inverno daquela cidade, que lá estava desde que ela fora aquele lugar pela primeira vez, as colinas, cobertas de neve e um ou outro raro arbusto, mais ao longe.

Ela era uma criança na primeira vez que conheceu aquele lugar, e dera-lhe o nome de "Deserto do Pinheiro".

Foi num dia de inverno, um dia com poucas vendas. Ao observar a branca paisagem que envolvia a sua pequena cidade natal, sua mente fervilhou e ela correu rumo às colinas cobertas de neve, com um largo sorriso em sua face. Lembrando-se das várias histórias que ouvira sobre pessoas que se perderam em situações como essas, ela parou e recolheu pequenas pedras. Ela andou, pelo deserto branco que se estendia a sua frente, maravilhada com o aberto, com o vazio, com a serenidade daquela paisagem devido à inexistência de humanos.

Ela andou, errante, até achar aquele pinheiro, deixando uma trilha de pedras pelo caminho. Ela subiu no velho pinheiro, que rangeu com tanto peso e apoiou-se precariamente nele, de modo que pudesse serenamente admirar o mundo a sua volta.

"É só um deserto de neve e um pinheiro, mamãe. Por que é tão bonito?" ela sussurrou, seus olhos voltados para o céu. Naquela época, ela ainda costumava falar com sua mãe, apesar de nunca tê-la conhecido; ela imaginava a resposta, dita com uma suave e doce voz e a expressão naquele tenro rosto materno que ela nunca havia conhecido e do qual não lhe restava uma simples fotografia, e assim foi, por muito tempo, até a inocência fugir-lhe porta afora e ela entender, por si própria, que sua mãe nunca haveria de ouvi-la ou respondê-la, pois ela estava morta e nunca mais voltaria. Foi desse momento em diante que a garota parou de acreditar em Deus e na vida após a morte.

Mas, apesar de não acreditar em nada disso, não era exatamente isso que ela e ele queriam? Não queriam poupar alguns do sofrimento, trazê-los para perto de Deus e tudo mais? Ela não se achava uma salvadora? Podia alguém acreditar-se um salvador por fazer o que fazia, mas não acreditar no que fazia? Podia esse salvador encarar pessoas que sofriam nos olhos e lhes prometer a paz, se sabia que esta não existia? Seria isso possível, em se tratando de uma garota de seus 14 anos?

Ela sabia que sim. Ela guardava até dele o fato de não acreditar nas suas atitudes. Mas, ignorando sua incapacidade de ter fé, ela se deliciava com seu suposto trabalho e com a possibilidade de, de algum jeito ser um Messias.

A justiça na terra era o que ela procurava espalhar. Ela realmente queria acabar com o sofrimento dos humanos, de forma mais rápida possível, só o fazia mentindo sobre o seu destino, em prol da felicidade deles. Ela se achava certa, só podia estar fazendo o certo.

Ela achava que escrevia certo por letras tortas. Ela era insanamente sã. Era essa a garota que vendia guarda-chuvas, que havia fugido e ido para o velho "Deserto do Pinheiro" de sua infância e agora dançava na neve. Era ela a garota dos serenos silêncios, das delicadas lágrimas e dos hora macabros, hora doces sorrisos, que sabia amar, conhecia a compaixão mas que era insana como somente uma pessoa sã era e que brincava de Messias. Essa era Hannah, a garota que vendia guarda-chuvas.


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