Eram cinco e meia da manhã quando entrou em casa, deparou-se com um cenário perfeito de paz e silêncio, mas mal sabia ela que não ia durar muito.

Q: Isto são horas?

R: Que susto!

Q: São 5h30 da manhã Rachel.

R: O que é que tu tens a ver com isso?

Q: Não são horas para andar na rua sozinha. Estava preocupada.

R: Agradeço a preocupação mas não estava sozinha.

Q: E com quem é que estavas?

R: Ah, é verdade! Quando tu chegas às 6h00 da manhã, eu não me preocupo por andares na rua a essas horas.

Q: Então como é que sabes que eu chego às 6h00 da manhã? - o sorriso foi inevitável.

R: Porque tu não és nada discreta a entrar em casa. Vou dormir.- Rachel virou-lhe as costas, entrou no quarto e fechou a porta.

Não se podia dizer que foi uma longa noite de sono, tendo em conta as horas a que se deitaram, mas podia-se dizer que para Rachel, foi uma grande manhã de sono.

Quinn, eram sete e meia da manhã e já estava a sair de casa, deixou-a a dormir e foi trabalhar com cara de desagrado. Rachel não deu conta e continuou a dormir. Quando acordou e percebeu que era hora de almoço, lembrou-se que tinha uma reunião ás 11h00 da manhã, à qual não compareceu. Levantou-se à velocidade da luz, entrou no duche e passada meia hora estava a descer as escadas.

R: Maria?! Porque é que não me acordaste?

M: Peço desculpa Dra. Rachel, mas foi a Dra. Quinn que me disse para não o fazer.

R: Como?

M: Ela disse-me que não a acordasse.

R: E porquê? Ao menos explicou?

M: Ela disse que a senhora estaria cansada após a noite de ontem. - a governanta corou.

R: A Quinn é estúpida todos os dias. Não há pachorra! Vou para a empresa.

M: E não almoça? A Dra. disse que a Dra. Rachel almoçava em casa, por isso fiz almoço.

R: A Dra. diz muitas coisas! Mas pronto, eu posso almoçar antes de sair.

M: Vou pôr a mesa e servir o almoço muito rápido minha senhora.

R: Obrigada.

Após o almoço estava disposta a chegar à empresa e fechar-se no escritório com Quinn e dizer tudo o que lhe viesse à cabeça. Mas ao mesmo tempo, sabia que isso era exactamente o que Quinn pretendia.

R: Bom dia Carla.

C: Bom dia Dra.

R: A Quinn?

C: A Dra. Quinn saiu para almoçar e ainda não voltou.

R: E a reunião das 11h00? Como é que foi resolvida essa situação?

C: A Dra. Quinn foi no seu lugar.

R: O que é que ela disse para ir no meu lugar? Qual foi a justificação da minha ausência?

C: Ela disse que a Dra. Rachel estava em casa, e hoje só vinha depois de almoço, que tinha dito para ser ela a ir no seu lugar.

R: Lembra-me de a despedir quando ela chegar. – disse a morena com normalidade.

Entrou no gabinete, fechou a porta e sentou-se furiosa na cadeira.

R: O que me consola, é que noutra vida eu vinguei-me desta merda toda. Tenho de ter feito muito mal!

Esperou pacientemente pela chegada de Quinn mas ela não aparecia. Pegou num lápis e numa folha branca e desenhou, desenhar acalmava-a. Não havia nada melhor no mundo que desenhar. Quando tinha um lápis na mão e uma folha, ela criava vida na sua arte. Não ouviu Quinn entrar no escritório, embora ela também não se fizesse ouvir. A loira sentou-se no sofá do canto do gabinete e ficou a olhar para Rachel com um sorriso sincero, mas ao mesmo tempo convencido.

Q: Achas que preciso de um escudo, ou vais-te comportar como uma pessoal civilizada quando perceberes que aqui estou?

Rachel sorriu.

R: Tu estás aí há 10 minutos e eu ainda estou a pensar nos insultos que hei-de usar.

Q: Um simples obrigada chega.

R: Obrigada porquê? Por me teres deixado faltar à reunião mais importante do mês?

Q: Não me parece que tenhas faltado!

R: Explica-te lá…

Q: Estás aqui. Estás presente! Não há reunião mais importante que as nossas.

R: Sabes uma coisa Quinn?

Q: Sei varias.

R: Eu odeio-te!

Q: Eu sei que sim. E não vês? Incomoda-me.

R: O que é que aconteceu na reunião?

Q: Nada de especial, explicaram o projecto, e eu aprovei!

R: Tu o quê?

Q: Aprovei.

R: Tu não és boa da cabeça! Tu aprovaste aquela merda? Ao menos ouviste o projecto? Ao menos tiveste a decência de ver os contras?

Q: Mas aquela reunião não era para chegar a um acordo quanto ao que elas iam apresentar?

R: Quinn? Aquela reunião era para EU apresentar o MEU projecto contra o delas! E decidirmos em assembleia qual deles seria o escolhido!

Q: Eles a mim não me disseram isso.

R: Claro que não! Não cabe na cabeça de ninguém ir para uma reunião sem pelo menos saber do que se trata, não achas?

Q: As tuas reuniões são uma seca!

R: Tu ouves-te?

Q: Rachel, vamos lá ver uma coisa… tu estavas a dormir, só faltaste à reunião porque quiseste. Ninguém te mandou chegar às 5h30 da manhã a casa.

Rachel sorriu e baixou a cabeça zangada.

R: Tu és uma merda, Quinn!

Q: E tu andas muito mal educada.

R: O teu problema é as horas a que eu cheguei, mas se bem te lembras, tu não te esqueces-te de dizer à Maria para me deixar dormir. Afinal o que é que tu queres Quinn? O que é que tu ganhas com estas coisas?

Q: Nada, diversão, acho eu.

R: Pois então vai-te divertir para outro lado, porque se eu perco este projecto por tua culpa…

Q: Vais fazer o quê?

R: Vou antecipar o divórcio!

Quinn nada disse, viu-a pegar na mala que estava em cima da cadeira de visitantes e sair zangada do gabinete. O que ela tinha dito punha em causa muitas coisas, mas pior que todas essas coisas, afectava-a a ela pessoalmente.

Eram já dez da noite quando chegou a casa. Entrou pela porta da cozinha e quando chegou à sala viu-a sentada a ler uma revista sobre arte moderna. Estava concentradíssima.

Q: Vamos sair!

R: Vamos? Ou vais?!

Q: Vamos. Tu e eu.

R: Não me parece.

Q: Tenho convites para o lançamento mundial da exposição do Dali em 3D. Diz que vai acontecer em todos os museus das capitais do mundo. Hoje à 00h00.

R: Lamento, mas já tenho isso marcado com o Kurt há 3 meses. Parece que vais ter de arranjar outra companhia.

Q: Tudo bem.

R: E já que falas nisso, vou-me despachar.

Ela não esperava nada disto, esperava pelo menos que Rachel fosse àquela exposição com ela, mas Rachel foi à exposição com Kurt, o único e mais fiel amigo de faculdade com quem ela ainda mantinha contacto.

Kurt era a pessoa mais divertida que Rachel alguma vez conhecera, e tinha uma inteligência fora do normal. Ninguém podia dizer que Kurt era feio, ela era um homem alto, de cabelo castanho claro e curto, tinha todos os ares de estilista, mas pelo contrário, ela era um artista plástico fantástico. Nada que caísse nas mãos de Kurt saía mal.

R: Não gosto!

K: Nem eu amor. Não há nada como o de 29.

R: Qual deles? Houveram dois.

K: Tu és óptima! Já te tinha dito?

R: Vá, deixa-te disso…

K: Tu decoras o número de quadros que Dali pintou por datas, é magnifico!

R: Eu não decoro, simplesmente gosto de Dali.

K: Qual é o teu favorito?

R: É o menos provável.

K: Conhecendo-te como conheço tenho a certeza que não é nenhum dos mais famosos.

R: Bom, ainda bem que me conheces. Eu não sei se é famoso ou não, para mim todos eles são, mas o que mais me marcou foi “as faces da guerra”.

K: ADORO!

R: Fala baixo! – disse a morena num susurro intenso.

K: Mas é que adoro mesmo. É um quadro magnífico. Tem tudo o que é pedido. Magnifico!

R: Sim, é muito bom.

K: Olha lá, e a tua mulher?

R: O que é que tem?

K: Continua gira? Já não a vejo há uns tempos.

R: Insuportável!

K: Vais-te começar a queixar? De certeza que há quem queira uma daquelas, mesmo que fosse insuportável.

R: Acredita que não queriam. Se visses o que ela me fez hoje… deixou-me a dormir!

K: Que amor. Vende-a, de certeza que há quem compre.

R: Eu pago para ficarem com ela.

K: Não digas isso muitas vezes que ainda te ouvem. Como é que se diz hoje em dia? “É toda boa”.

R: Tem tanto de boa como de estúpida. Odeio-a.

K: E na cama?

R: Tu ouviste o que eu disse?

K: Ouvi, pronto! Mudando de assunto…

No outro lado da sala entrava Quinn sozinha. Ela tinha um charme natural, estava vestida com um vestido preto e branco e um casaco preto clássico comprido. Notavam-se os jeitos encaracolados no cabelo, ela usava-o curto. Olhou para o fundo da sala e viu Rachel com Kurt a conversar. Estavam animados, e ela começou lentamente a caminhar na direcção deles.

K: Mas o pudim não presta. Podiam ter um catering de jeito num lançamento destas dimensões.

Q: E gelado! Está um calor insuportável.

K: Ai Quinn querida, há tanto tempo que não a via. Estava à bocado a dizer à Rachel. Ai mulher, tu com esse casaco não me admira que tenhas calor.

Q: Olá Kurt. Prazer em ver-te.

K: O prazer é meu, todo meu.

Q: Rachel. -sorrindo em tom de cumprimento.

R: Quinn. -com cara de poucos amigos

K: Então Quinn? Vieste sozinha?

Q: Sim, roubaste-me a companhia.

K: Ah mas não seja por isso, estás connosco agora!

Q: Já calculava que não me fosses deixar andar por aí sozinha.

K: Claro que não!

A exposição durou até às duas da manhã, e depois Kurt deixou, intencionalmente, Rachel aos cuidados de Quinn e foi para casa.

Q: Parece que afinal acabaste por ter de ver a exposição comigo.

R: Nunca ouviste dizer que fazer-se de convidada é falta de educação?

Q: Mas foi o Kurt que me convidou, meu amor. – e sorriu provocadora.

R: Tu cansas-me Quinn.

Q: O meu pai ligou.

R: Olha que bom.

Q: Diz que amanhã vai ter à empresa para falar connosco. Acho que é importante.

R: Ainda bem que me avisas. É que hoje como estou a chegar outra vez tarde, acho que vou fazer o mesmo que esta manhã, e dar-te a honra de seres tu a recebê-lo sozinha.

Q: Rachel, Rachel… não sejas assim.

R: Achas que podemos ir embora? Estou cansada.

Q: Não me admira. Queres que chame um táxi?

R: Não é preciso! Há aqui à frente uma paragem. Boa noite.

Q: Não sejas assim, eu estava a brincar.

R: Mas eu não.- Rachel dirigiu-se para a paragem, e Quinn foi atrás dela.

Q: Se queres ir de táxi, então eu vou contigo. A esta hora não é apropriado andar de táxi sozinha.

R: Quinn?

Q: Vá, vamos embora…- Quinn agarrou o braço de Rachel e conduziu-a até ao carro.

Quando chegaram praticamente não disseram mais nada que um “boa noite” seco e desinteressado.