As Crônicas Dos Malditos escrita por Ju The Ligthening Chaos


Capítulo 4
O Herói - parte II


Notas iniciais do capítulo

Continuação da história de nosso ilustre orc Duruka, divirtam-se!!!



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Por um instante, o único som que podia ser ouvido era o do vento assoviando pela noite.

Os pensamentos de Duruka pareceram voar para longe, deixando sua cabeça completamente vazia. Há um momento atrás ele estava convencido de que aquela criança havia matado um de seus companheiros. Mas ao ouvi-la admitir que pretendia matar alguém, ele percebeu como essa ideia soava ridícula.

– O que... O que você disse? – foi tudo que o jovem orc conseguiu dizer.

– Eu disse que vim para essa cidade para matar alguém – ela repetiu parecendo embaraçada, mas de forma tão despreocupada que era quase impossível de ser levada a sério.

– Mas que tipo de loucura é essa? – Duruka indagou confuso demais para sentir-se irritado – Qual o sentido em tentar nos convencer de que não matou ninguém e depois admitir que pretende cometer um assassinato?

– E qual é o sentido em me fazerem perguntas se não acreditam nas minhas respostas? – Anna rebateu. Nesse ponto, Duruka já estava convencido de que aquela criança estava apenas brincando com eles. Zombando deles.

– Já chega disso! – o jovem orc rugiu – Traigar, vamos levar essa coisa para os calabouços. Deixe que os carrascos a torturem até que ela diga tudo o que sabe. Essa conversa é uma perda de tempo, completamente inútil, isso é....

– Sua missão? – o orc caolho interrompeu lançando sobre a garota um olhar mais afiado que o machado nas mãos de Duruka.

Houve um estranho momento de silêncio entre os três.

– Como você sabe sobre isso!? – Anna perguntou surpreendida.

– “Essa missão está começando a me dar nos nervos”, foi o que você disse agora a pouco. – Traigar disse.

Por um momento, Duruka surpreendeu-se com o fato de seu companheiro lembrar-se de um detalhe tão sem sentido de um comentário tão sem sentido que havia saído dos lábios da humana. Mas ele logo convenceu-se de não havia nada de surpreendente nisso. Traigar era um orc idoso que já havia superado em muito sua cota de batalhas. Batalhas das quais não teria sobrevivido se não tivesse aprendido a memorizar em apenas um instante cada ínfimo detalhe de tudo que estivesse diante dele.

– Oh, eu disse mesmo isso? – Anna perguntou aparentemente não recordando de suas próprias palavras.

– Responda a pergunta – Traigar disse friamente.

Dessa vez, a garota não hesitou em responder.

– Você está certo. Eu vim até essa cidade estranha porque me foi dada a missão de matar alguém – ela explicou, então concluiu – e, caso ainda não tenham adivinhado, a pessoa que pretendo matar é a mesma pessoa que matou seu amigo aqui – disse apontando para o cadáver de Tadish.

Duruka teve a certeza de que aquele interrogatório não poderia ficar mais absurdo. O velho Traigar, no entanto, ainda parecia determinado a fazer com que a humana continuasse falando.

– Que criatura seria tão estúpida a ponto de confiar uma missão de assassinato a uma criança? – o orc caolho perguntou, mas não parecia esperar uma resposta.

– Boa pergunta – Anna disse – eu não sei quem, ou o que, designa essas missões para mim.

Duruka sentiu seu sangue começar a ferver – Cheia de segredinhos, não é? – disse começando a ranger seus enormes dentes.

– Pois é. Eu também fico muito irritada com isso as vezes. – a garota respondeu amavelmente, e completamente indiferente a irritação que estava lhe causando.

– E essa pessoa – o velho orc retomou a conversa – O assassino a quem se refere, quem é ele?

– Eu não sei – a garota disse sem pensar – Não sei o nome dele.

– E como pretende matar alguém se você nem sabe como ele é? – Traigar perguntou com a voz carregada de impaciência.

– Eu disse que não sei quem ele é. Mas não disse que não sei como ele é. – Anna explicou enquanto brincava com uma mecha de seus emaranhados castanhos.

Traigar estreitou seu único olho, e Duruka soube que o velhote estava tentando fazer Anna perceber que estava querendo uma resposta mais detalhada. E conseguiu.

– Eu não sei exatamente como ele é – ela admitiu – Quando vi a coisa que estou perseguindo, ela estava usando um tipo de manto que cobria quase todo o corpo dela. Só consegui ver que seus braços e pernas eram escuros, finos e retorcidos que nem galhos de uma árvore queimada.

Duruka não acreditou nessa descrição nem por um segundo.

– Algo mais? – o velho orc perguntou após o mais breve momento de silêncio.

Anna ponderou por um instante.

– Ele sabe usar magia – ela revelou.

– Magia? – Traigar indagou – Isso é muito vago. Está dizendo que o assassino é um feiticeiro?

A garota coçou a cabeça.

– Feiticeiro. Mago. Bruxo. Sei lá, tanto faz. É um bicho feio, esquelético e retorcido que está planejando fazer alguma coisa horrível. É tudo o que eu sei sobre o meu alvo.

Duruka trocou olhares cautelosos com seu companheiro.

– Planejando algo horrível? – o jovem orc repetiu. – E o que seria? E não se atreva a me dizer que...

– Eu não sei – ela se atreveu a dizer.

Antes que Duruka pudesse expressar toda a sua raiva na forma de todos os insultos que conhecia, a invasora resolveu dar uma resposta mais elaborada.

– Sei que o meu alvo está procurando algo – Anna revelou – Por isso que ele veio para esse lugar. Não sei ao certo o que ele está planejando, mas sei que ele precisa de alguma coisa para fazer seu plano funcionar. Uma coisa que só pode ser encontrada nessa cidade.

– E eu devo presumir que você também não sabe o que seria essa coisa? – Traigar perguntou, parecendo que já sabia a resposta que receberia.

– Como adivinhou? – a garota disse espantada.

– Deixe-me ver se entendi – Duruka disse esforçando-se para conter sua indignação – Você foi encarregada da missão, embora não saiba por quem, de localizar e matar uma criatura da qual você nada sabe. E deve fazer isso antes que ela ponha as mãos em um objeto, que você nem sabe o que seria, e assim impedi-la de pôr em prática um plano sobre o qual você não sabe nada a respeito. Estou correto?

– Sim, você está – Anna concordou – Mas não precisam se preocupar. Eu já concluí missões bem mais difíceis, onde sabia muito menos sobre meus alvos... e sobre mim mesma.

Duruka nem sequer conseguia imaginar o que a garota estava tentando dizer. Mas a notável perturbação na voz de Anna abalou algo nos confins de sua mente. Algo que, inexplicavelmente, lhe convenceu a dar uma atenção real, mesmo que ínfima, para a história daquela estranha criatura a sua frente.

– Além do mais, eu quase cheguei a pegar esse tal feiticeiro a alguns dias atrás. Ele estava tentando criar um tipo de portal mágico que ele pretendia usar para chegar, bem, onde quer que ele queira chegar – Anna fez uma pausa como se estivesse aguardando algum questionamento de seus ouvintes, mas não recebeu nenhum – Mas, enquanto ele realizava o ritual para abrir o portal, eu o surpreendi! Eu juro, quase consegui acabar com aquele cara naquela vez. Mas aí, ele escapou de mim saltando através do portal que ainda nem estava completo! Eu nem sabia que dava pra fazer isso!

Ela pausou seu discurso novamente e Duruka não sabia dizer se ela estava esperando alguma reação dele e de Traigar, ou se estava apenas recuperando seu fôlego para poder continuar tagarelando.

– Então – ela disse após recuperar seu fôlego para continuar tagarelando – como o meu alvo teve coragem de usar aquele portal mágico malfeito, eu pensei que era seguro o bastante para eu usar também. Eu o segui, mas quando passei pelo portal eu percebi que estava sozinha no meio de um deserto. Acho que a parte do ritual que especificava as coordenadas de saída não foi completada, mas seja como for, aquela porcaria acabou me levando para um lugar aleatório nesse mundo.

Um portal mágico. Ao ouvir o relato de Anna, um minúsculo lampejo de curiosidade surgiu na mente de Duruka.

– Se você e o assassino atravessaram um portal para chegar até aqui, de onde vocês vieram? – disse Traigar, fazendo exatamente a mesma pergunta que Duruka pretendia fazer.

– Ah, eu esqueci de mencionar isso? – Anna perguntou despreocupadamente – Antes de vir para esse mundo, eu estava em um lugar bem diferente. Era um mundo estranho, feito de enormes maças de terra que flutuavam no espaço. E... Como aquele lugar se chamava mesmo? Acho que era...

– Terralém? – o velho orc sugeriu.

– Isso mesmo. Como sabe disso? – Anna disse curiosa.

– Mas que tipo de pergunta é essa? – Duruka indagou a intrusa – Todos em Azeroth sabem sobre o antigo mundo quebrado de Draenor.

– Azeroth... – a garota repetiu confusa. – O que é isso?

Duruka não sabia como responder uma pergunta tão estúpida.

– O que é Azeroth? Que brincadeira está tentando fazer, garota? Azeroth é tudo a sua volta, é como esse mundo é chamado.

Ao ouvir a explicação, a invasora começou a lançar olhares curiosos para tudo a sua volta.

– Ah... Esse planeta se chama Azeroth. Entendi. – ela disse como se achasse aquela informação realmente fascinante.

– Como você pode não saber o nome do mundo onde nasceu? – Duruka perguntou carregando cada palavra proferida com cinismo.

– Porque eu não nasci nesse mundo – Anna respondeu inocentemente.

Por um instante Duruka pensou que não havia entendido a resposta da garota.

– E também não nasci naquela tal de Terrálem, ou seja lá como vocês chamam aquele outro mundo bizarro. – ela complementou como que para evitar algum mal-entendido.

Aquilo foi o que bastou para fazer o jovem orc desistir de encontrar qualquer sentido nos relatos da intrusa.

– Não acredita em mim? – a moça indagou como se estivesse lendo sua mente.

– Achei que você já tinha percebido, assim como o seu parceiro percebeu. – ela voltou os olhos para Traigar – Não percebeu?

Supreendentemente, Duruka quase havia esquecido da presença do velho orc ao seu lado que havia se calado para ouvir o estranho e aparentemente inútil relato de Anna.

– O que você quer dizer? O que eu devia ter percebido? – Traigar perguntou encarando friamente a pequena humana a sua frente.

– Ah, qual é!? Você parece ser bastante... Experiente – Anna disse cuidadosamente – Em quantas batalhas você já lutou? Quantos humanos você já enfrentou? Aposto que o suficiente para aprender mais sobre eles do que seus colegas.

A garota cessou seu discurso como se aguardasse que Traigar demonstrasse alguma reação a suas suposições. Mas o orc caolho continuava inexpressível.

– Por exemplo – ela continuou – Não só como eles lutam, mas também como eles se comportam, como eles falam. Deve ter até memorizado o odor deles, estou correta?

Traigar não respondeu.

– Então, supondo que você realmente saiba tanto assim sobre os humanos desse mundo, você já deve ter percebido que eu sou um pouco diferente dos outros, não é? – Anna disse parecendo estar se divertindo com suas próprias suposições – Caso o contrário, por que o senhor se daria o trabalho de ouvir tão atentamente a minha história até agora?

A curiosidade levou Duruka a voltar-se para o companheiro em pé ao seu lado imaginando o que se passava na mente do velho orc, ou o que ele pretendia oferecer em resposta às indagações de Anna. O rosto cheio de velhas cicatrizes de Traigar continuava sombrio e imóvel como uma escultura, então seus lábios grossos e rachados começaram a se abrir preparando-se para proferirem algo.

– Estamos sendo atacados! – uma voz estridente fez-se ouvir. Mas não era a voz de Traigar.

Virando-se em direção ao grito alarmante, Duruka encontrou Gramak e Hirbag, os dois orcs que o velho Traigar ordenou que reportassem o bizarro incidente da morte de Tadish a seus superiores. Os dois guerreiros gigantescos corriam desesperadamente para se aproximarem do curioso trio formado por Duruka, Traigar e a pequena humana que chamava a si mesma de Anna.

– O que disse? – Duruka perguntou para qualquer um dos orcs que cessaram sua corrida, parando bem a sua frente.

– Expliquem-se! – Traigar ordenou. Então Gramak, com o anel em seu nariz balançando por causa de sua respiração pesada, inspirou rapidamente o ar gélido da noite para recuperar seu fôlego e começou a falar.

– Nós... Nós fomos até o quartel, como você nos instruiu a fazermos, mas quando chegamos lá, todos estavam... estavam...

– Estavam o que? Fale, rapaz! – disse Traigar, o veterano não tinha paciência com demonstrações de covardia.

– Todos... Todos no quartel estavam...

– Dormindo? – ofereceu a garota que se encontrava agora cercada por quatro gigantes, armados até os enormes dentes, e não parecia nem um pouco intimidada com isso.

– Desmaiados... – o soldado corrigiu.

– Ah, é quase a mesma coisa – Anna retrucou.

– Desmaiados? – o orc caolho repetiu perplexo – Todos eles?

– Todos – Hirbag respondeu nervosamente, com suor ensopando toda sua careca. – Estavam caídos no chão por todo o quartel, todos parecem ter desmaiado ao mesmo tempo pois não havia nenhum sinal de luta, e não conseguimos acordá-los. É sério, nós tentamos! Dei tanta porrada no rosto de um dos guardas ele perdeu um dente! Mas continuou roncando.

Todos os orcs que estavam dentro do quartel desmaiaram ao mesmo tempo. Duruka mal conseguia imaginar tal cena. Porém, vendo a expressões confusas a apavoradas dos dois guerreiros a sua frente, ele sentiu que eles estavam dizendo a verdade.

– Como... Como isso pode ser possível? – Duruka perguntou debilmente para qualquer um que pudesse responder.

– Bruxaria. – o orc caolho respondeu sombriamente.

– Magia negra – Anna especificou.

– Duruka! – chamou o velho Traigar. – Você e Hirbag vão ficar aqui e vigiar a prisioneira. Eu e Gramak vamos procurar por reforços e...

– Isso é inútil. – a voz calma e firme de Anna fez os quatro orcs se voltarem para ela – Não adianta chamarem reforços.

Antes que qualquer um de seus ouvintes pudesse protestar, a garota continuou.

– Mesmo que vocês procurem em algum outro quartel do outro lado dessa cidade, só vão encontrar a mesma cena que viram agora a pouco. Todos os seus soldados caídos no chão.

– Como você sabe disso? – Duruka perguntou.

– E não só os soldados – Anna prosseguiu distraidamente – Se vocês checarem cada casa, em cada rua, em todo esse lugar, vão encontrar a mesma coisa. Todos nessa cidade estão desmaiados.

A garota estava tão distraída enquanto falava que demorou para perceber a imensa espada cuja ponta estava a apenas centímetros de seus olhos.

– Você... O que você sabe sobre tudo isso? – exigiu Gramak com seus olhos amarelos ardendo em fúria, mas a ponta trêmula de sua espada denunciava o pavor que ele tentava reprimir.

– Responda, ou então eu... – o guerreiro abaixou a lâmina apenas o suficiente para encostar sua ponta na garganta de Anna. Mas a garota apenas encarava seu algoz como se não entendesse o que ele pretendia fazer.

– Gramak, controle-se! – o velho Traigar ordenou.

– Ele usou um feitiço para colocar toda a cidade pra dormir. – Anna respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

– Quem fez isso!? – Gramak urrou.

– O feiticeiro que estou caçando. Vou ter que explicar tudo de novo?

– Feiticeiro? – o orc empunhando a espada lançou um olhar confuso para Traigar.

– Longa história – o velho orc disse revirando seu único olho – E não temos tempo para ouvi-la novamente.

– Esperem – Duruka disse subitamente, assim que percebeu uma falha na explicação da invasora – Se existe uma forma de magia tão poderosa para influenciar cidades inteiras, por que nós não fomos afetados? Por que ainda estamos acordados?

– Boa pergunta – Anna disse alegremente parecendo genuinamente impressionada com a perspicácia do jovem orc. – Eu não entendo muito bem como essa magia funciona, mas eu já vi esse maldito usá-la antes. E, pelo que entendi, percebi que esse feitiço não afeta pessoas que estejam em estado de alerta.

– Estado de alerta? Mas o que isso quer dizer? – Gramak perguntou rispidamente.

– Você sabe... Estado de alerta. Quando você está se preparando para lutar. Ou fugir. Quando alguém tem consciência de que há algum perigo por perto – ela se interrompeu por um momento para gesticular em direção ao cadáver que Duruka quase esquecera que estava estirado no chão – Um perigo como, por exemplo, um assassino a solta pelas ruas de sua cidade.

Duruka não sabia mais o que pensar sobre a história da invasora. Ele olhou para seus companheiros, esperando que um deles tivesse a iniciativa de decidir o que fazer a seguir. Mas só encontrou Hirbag cutucando a sua meia-orelha esquerda, algo que sempre fazia quando estava nervoso. Gramak ainda apontava sua espada para o pescoço de Anna, com uma expressão perdida em seu rosto. E o velho Traigar, que por sua vez continuava com um semblante severo e inalterável como uma estátua de bronze carrancuda.

– Seu nome é Duruka, não é? – a garota chamou-lhe a atenção – Então, você entendeu como você e seus amigos escaparam do feitiço?

Ela esperou uma resposta, mas o jovem orc não conseguiu esboçar nenhuma.

– Você viu seu companheiro morto e, então, se preparou para o pior. Só essa reação já foi o bastante para salvá-lo do encantamento. E então, você pediu por ajuda e aqueles que atenderam seu pedido, preparando-se para enfrentar uma possível ameaça, também foram salvos de caírem adormecidos no chão. Simples assim.

Ele não achava essa resposta nem um pouco simples.

– Isso... não faz nenhum sentido – Duruka forçou-se a dizer – Um feitiço que pode colocar toda uma cidade sob seu poder, mas que não afeta alvos que estejam preparados para lutar? Por que alguém usaria uma magia tão falha?

A garota esboçou um sorriso irônico, como se tivesse previsto a dúvida do jovem orc.

– Não há nenhuma falha nessa magia. Esse tipo de feitiço não foi projetado para derrotar um inimigo durante um combate, mas para derrotar todos os inimigos antes mesmo de haver qualquer combate. Entendeu?

Enquanto ainda tentava assimilar a explicação que a humana dera, os ouvidos de Duruka foram agredidos pelo som de um rugido muito mais alto do que ele seria capaz de produzir. Ele virou-se, aturdido, em direção ao poderoso urro enquanto tentava imaginar que horrível criatura o estaria emitindo.

Era o velho Traigar. Após ficar sem fôlego para continuar rugindo, o idoso e gigantesco orc levantou seu rosto como se fitasse o céu noturno, e esperou. Esperou por qualquer resposta ao seu chamado enquanto Duruka esperava que seus ouvidos parassem de zunir.

Uns poucos minutos de silêncio, que pareceram uma eternidade, se passaram.

– Eu disse que isso é inútil! – a invasora exclamou em um tom exageradamente alto, demonstrando que sua audição também tinha sido abalada pelo ataque sonoro de Traigar – Pode esperar a noite toda, mas ninguém vai responder o seu chamado!

E ela tinha razão. Conforme o tempo passava depois que os ecos do trovejante rugido cessaram sem receber qualquer resposta, Duruka ficava cada vez mais convencido de que havia alguma verdade na história ridícula da pequena humana.

– A cidade inteira... – Gramak balbuciou quebrando o silêncio inquietante – Orgrimmar está...

– Desprotegida – Hirbag completou. – Qualquer um, qualquer coisa, pode nos...

– Qual o povoado mais próximo daqui? – o velho Traigar perguntou calmamente.

– O que? – Duruka, Gramak, Hirbag e Anna disseram em uníssono.

– Qual é o povoado vizinho mais próximo daqui!? – ele repetiu com o estrondo furioso que lhe servia de voz.

– Monte Navalha – Hirbag respondeu automaticamente – Monte Navalha é a vila mais próxima de Orgrimmar.

– Para se chegar lá, só é preciso atravessar o Desfiladeiro de Razorwind – Gramak explicou.

Duruka percebia um plano surgindo na mente do velho orc.

– Escutem – Traigar começou – em primeiro lugar devemos garantir a segurança da cidade, devemos contatar Monte Navalha. Enviaremos um falcão-mensageiro ou um de nós irá cavalgar até o posto avançado e....

– Animais também são afetados pelo feitiço do sono – Anna revelou para a frustração de todos.

– Um de nós irá correr até lá, se for preciso! E quando voltar, irá trazer reforços consigo. Os três que ficarem vão procurar em cada rua, cada distrito, cada canto, cada buraco de rato, até encontrarem os responsáveis por esse ataque. Entenderam!?

– Sim! – Hirbag e Gramak responderam.

– Eu tenho uma pergunta – Duruka disse ao invés de confirmar as ordens do velho orc – O que devemos fazer com ela?

A dupla orcs que aguardavam mais instruções de Traigar voltaram-se para Anna, como se ela tivesse brotado subitamente do chão, uma reação que fez Duruka estreitar seus olhos.

– Vocês se esqueceram de que ela estava aqui, não é? – ele perguntou.

– Claro que não! – Gramak respondeu.

– Só estávamos concentrados em assuntos mais urgentes! – Hirbag completou a desculpa.

– Basta! – rugiu Traigar – Gramak! Você fará o caminho até Monte Navalha – O resto de nós fará a segunda parte do plano, caçar o inimigo pela cidade. Isso, é claro, depois de escoltarmos nossa convidada até as suas acomodações, nas masmorras.

A garota olhou boquiaberta para o velho Traigar.

– O que!? Vão me prender? Mas eu não fiz nada de errado, e até ajudei vocês passando informações valiosas sobre o que estão enfrentando.

– Informações valiosas? – Traigar esboçou uma risada breve e forçada – Você apenas me contou uma história confusa e absurda. E mesmo que tudo o que tenha dito seja verdade, você apenas nos contou que nossa cidade está sendo atacada por um inimigo sobre o qual você não sabe nada, que ele veio até aqui com um objetivo que você não conhece e cuja localização você também não sabe. Então diga-me, que tipo de informações valiosas você nos deu?

A garota cruzou os braços, abaixou a cabeça com os olhos fechados, assumindo uma postura supostamente pensativa. Estaria ela tentando pensar em uma resposta para a pergunta sarcástica de Traigar? A ideia quase fez Duruka rir.

– Ah! Eu disse que o meu alvo veio até aqui para obter alguma coisa, algo que não encontraria em nenhum outro lugar.

– Sim, você disse – Traigar concordou – E você também disse que não sabe o que ele procura.

– O que? Mas isso não é óbvio? – Anna perguntou inocentemente – O inimigo é um feiticeiro, eu já lutei com alguns desse tipo antes. Quando um usuário de magia está em busca de algo, geralmente, trata-se de algum truque que sirva para aumentar suas habilidades.

Duruka estava curioso em saber por quanto tempo o velho Traigar iria tolerar as bobagens daquela humana, ainda mais devido a situação em que estavam.

– Isso... Faz sentido. – o orc caolho admitiu enquanto repousava um olhar de suspeita para Anna.

– Como assim, isso faz sentido!? – Duruka exigiu – Ela só está adicionando mais detalhes absurdos para uma história completamente absurda!

– Não, não está. Pelo menos não nessa última parte – Traigar explicou – Eu já conheci muitos magos em minha vida, e é verdade que a maioria deles só pensa em duas coisas. A primeira é poder, e a segunda é encontrarem métodos rápidos e fáceis para obterem mais poder.

– Oh! Você também tem experiência em lidar com feiticeiros? – Anna perguntou animada – Talvez você possa me ajudar a concluir minha missão.

– Pro inferno com a sua missão! – Duruka anunciou.

– Então – Anna o ignorou – O meu alvo está atrás de algo que só pode ser encontrado aqui e que possua um grande valor para usuários de magia demoníaca. Vocês têm alguma ideia sobre o que esse objeto seria.

– Ei, já não deveríamos estar fazendo uma busca pela cidade? – Hirbag perguntou.

– E eu já não deveria estar correndo até Monte Navalha? – disse Gramak cutucando seu anel de nariz, o ornamento que ganhou de seu pai sempre o incomodara mas ele era teimoso demais para admitir.

– O que você disse? – Traigar perguntou com uma pontada de espanto em sua voz.

– Eu perguntei se já não deveria estar correndo até Monte Navalha. – Gramak repetiu.

– Você não, seu imbecil! Estou perguntando para a humana.

– Eu? – a humana indagou.

– Por que você se referiu a magia demoníaca? – o orc caolho perguntou com uma apreensão reprimida.

A garota deu de ombros.

– Magos sempre procuram por fontes de poder de sejam compatíveis com os atributos que eles já dominam – ela explicou – O feiticeiro que procuro veio de Terrálem, e é um usuário de magia demoníaca. Então o objeto que ele procura deve estar relacionado com os poderes demoníacos que se originaram naquele mundo despedaçado.

Traigar arregalou seu único olho para o espanto de Duruka. O velho parecia ter descoberto algo, e não gostado do que quer que fosse. Mas o que seria? Então uma ideia começou a se formar em sua mente.

Poder demoníaco. Algo que veio do mundo fragmentado que hoje é conhecido como Terrálem. Algo que só pode ser encontrado na grande cidade de Orgrimmar. Tudo isso o levou a uma conclusão, uma conclusão que provavelmente o velho Traigar já havia chegado, e que congelou o sangue de Duruka.

Seu sangue. O sangue de todos os orcs. A maldição que esse sangue já carregou. E o fantasma que assombra o seu povo desde que a maldição foi quebrada.

– Vocês estão pensando em algo, não estão? – Anna perguntou curiosa, mas Duruka estava muito aturdido com seus próprios pensamentos para ouvi-la – Dá pra ver que vocês estão pensando em algo pelo jeito que ficaram pálidos, quero dizer, vocês parecem pálidos. A pele de vocês com certeza ficou em um tom mais claro de verde. Será que encontraram a resposta que eu procuro?

– O que? Vocês descobriram algo? – Hirbag perguntou intrigado, mas Duruka também não lhe deu atenção – Então me contem, porque eu não estou entendendo nada.

– Nem eu – Gramak admitiu. Mas, uma vez mais, Duruka não foi capaz de responder.

O jovem orc só foi capaz de sair de seu devaneio quando houve a explosão. O breve estrondo sacudiu a capital como se a própria terra rugisse sob seus pés. Não teria sido possível identificar a origem do som se não fosse pelo imenso pilar de luz verde que tremeluzia no horizonte. Mas a anomalia não parecia estar afastava o suficiente para que Duruka se desse ao luxo de pensar que aquela torre de luz erguia-se de qualquer lugar senão de dentro da cidade.

E a pior parte disso tudo, ele sabia exatamente de onde aquele clarão estava vindo.

– Ali – Hirbag balbuciou encarando a torre de energia luminosa – Não é naquela direção que fica o Vale de Sabedoria?

– Gramak! Monte Navalha! Agora! – Traigar ordenou com fúria e terror misturados em cada palavra.

Gramak não perdeu tempo para confirmar as ordens do velho guerreiro, seus pés o colocaram para correr em direção ao portão principal de Orgrimmar. Duruka perguntava-se se seu estúpido companheiro havia entendido o que estava acontecendo. Mas achava que não.

– Vocês dois – o velho orc voltou-se para Hirbag e Duruka – Venham comigo!

Isso era mais do que precisava ser dito. Sem mais perguntas, sem mais dúvidas. Toda a confusão e incerteza causadas por uma situação estranha foi substituída pelo conforto e familiaridade de uma situação da qual todos eles estavam habituados: a marcha para a batalha, para a vitória. Ou para a morte.

Eles disparam em direção da fantasmagórica torre de luz, sem hesitação, prontos para enfrentarem o que que o inimigo estivesse reservando a eles. Menos Duruka, ele se deteve após dar apenas um passo. Agora tinha sido ele que se esquecera da garota que invadira sua cidade.

– Ainda vai me prender? Com tudo o que está acontecendo agora? – a garota perguntou sorrindo nervosamente – Porque eu, realmente, preciso concluir minha missão. Isso é muito importante.

– Sua missão? – Duruka perguntou friamente – Deseja tanto assim enfrentar o seu alvo?

– Eu preciso enfrentar aquele idiota – ela respondeu em tom surpreendentemente firme.

– Então não se preocupe. Eu lhe darei a oportunidade de encará-lo.

Com uma só mão, Duruka agarrou Anna pelo tronco de seu corpo. Ao levantá-la, ele estranhou a quantidade de força que precisou aplicar para arrematar a pequena garota do chão, era como se estivesse tentando mover um rochedo. Mas Duruka pensou que estava apenas imaginando coisas, pois um segundo depois que levantou Anna no ar, a sensação anormal de peso extra dissipou-se completamente e a garota parecia tão leve quanto um saco de plumas.

– O que está fazendo!? – Anna protestou – Me ponha no chão!

– Você não disse que precisava encontrar o tal feiticeiro? – Duruka perguntou levantando a humana para que o olhar de ambos ficasse no mesmo nível – Então eu a levarei até ele.

– Não precisa me levar! Eu posso ir andando até lá sozinha. É só você me soltar que eu vou...

– Tentar fugir? – Duruka sugeriu.

– Eu já disse que tenho que derrotar o meu alvo – Anna repetiu-se – Não pretendo fugir, não posso. Se eu não impedir aquela coisa nós todos vamos...

– Poupe-me – o orc disse secamente – Agora escute criatura, eu posso não saber quem você é ou o que está planejando. Eu também não acredito em nada de sua história, mas não sou ignorante a ponto de não saber que você está relacionada, de alguma forma, com toda essa loucura que está acontecendo.

– Se vai continuar com esse discurso, ao menos me coloque no chão. Eu não gosto de ficar longe do chão!

– Pare de reclamar – foi a resposta de Duruka para o apelo da jovem humana – Com tudo o que está acontecendo, eu devia te matar agora e assim teria um problema a menos para lidar.

Duruka sentiu os músculos de seu braço se enrijecerem como se estivessem tentados sua ideia. Um simples apertar de sua mão em volta do corpo da invasora, uma espinha e costelas quebradas, pulmões estourados, um coração esmagado, e esse pequeno estorvo acabaria.

– Mas ao invés disso – ele disse cessando o homicídio imaginário – Eu vou dar-lhe a chance de provar que está dizendo a verdade.

– O que? Como assim? – a garota balbuciou.

– Você irá para batalha conosco – ele se interrompeu e então apontou com sua mão livre para o gigantesco pilar de luz no horizonte – E se tudo o que você disse for verdade, você poderá nos ser útil nessa crise. E ainda terá a chance de concluir sua missão. O que me diz?

Anna pareceu que iria protestar novamente, mas então ela pôs-se para pensar por um instante. Após uma breve consideração, a garota encarou Duruka com um olhar que ele conhecia muito bem. Era o olhar frio e determinado de um guerreiro com um dever a cumprir.

– Eu digo que você devia falar menos e correr mais.


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Notas finais do capítulo

Como prometi, postei a continuação mais cedo dessa vez. Vou tentar manter o ritmo agora.
Espero que tenham gostado!!



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