- Uau... – Foi tudo o que pôde dizer – Desça-me, Kid, por favor. – Eustass a desceu e fitou, maravilhado, o luar bater nos cabelos alaranjados, dando-lhes ainda mais vida, e os olhos castanhos brilharem de alegria infantil e pura. Parecia um anjo.

Um anjo que um demônio como ele nunca conseguiria tocar.

- Kid... Isso é lindo! – Exclamou com um grande sorriso no rosto e voltou-se para o ruivo – Kid? – Chamou vacilante ante o olhar penetrante e admirado dele.

-... Lindo? O que há de lindo em luzinhas e pessoas que vivem para fugir da morte? – Ele precisava perguntar. Sempre se questionara o porquê as pessoas se agarravam tanto à vida pequena que tinham, mesmo fazendo a mesma coisa quando ainda era vivo. – Nami se aproximou mais dele e voltou a fitar a cidade.

- Cada uma dessas luzes indica um quarto, que indica uma casa, que indica uma rua, um bairro, uma cidade, um país, continente, planeta, universo. E em cada quarto, há uma mãe cuidando de seus filhos, namorados se amando, irmãos brincando e tantas outras pessoas.

- Sim, mas e daí?

- Vê? A mãe quer viver para ver seus filhos crescerem. Os namorados querem viver bastante para poderem ficar juntos. Os irmãos querem brincar para sempre. As pessoas vivem, mas não para fugir da morte, e sim para chegar a ela. O importante não é o último momento, e sim tudo aquilo que se fez antes desse momento. E elas tentam não morrer para poder fazer isso. Para se sentirem completos antes de seus corações pararem de bater. Consegue entender?

-...

- Nós vivemos para proteger algo que nos é importante, Kid. Filhos, namorados, irmãos... Tudo aquilo que tem algum valor para nos deve ser protegido, até ele conseguir fazer isso sozinho ou alguém tomar o seu lugar.

- Você também?

- Eu? Eu tenho meus nakamas e minha irmã Nojiko.

- Nakamas?

- Hai. Sanji-kun, Vivi, Kaya, Usopp, Ace, Coby e Conis.

-... Entendo... – Kid chegou perto o suficiente para abraçá-la, e foi o que fez. Enlaçou-a pelos ombros e a abraçou apertado, sentindo o corpo quente colado ao seu. As mãos de Nami foram parar em suas costas, como numa permissão muda.

Eles ficaram ali, quietos, calmos, entrelaçados, apenas aproveitando a companhia um do outro. Eustass sabia que não deveria ter feito aquilo. Aquele gesto só faria sua sede aumentar. Mas... Ele não pudera resistir... Ela era tão parecida com Yumi... E tão diferente... Yumi tinha cheiro de perfume. Nami cheirava a laranjas. Os dois ficaram longos minutos ali parados, minutos tão longos que pareceram horas, e nenhum deles queria quebrar o contato. Nami quebrou o silêncio, sem deixar de enlaçar o vampiro.

- Kid... Por que me abraçou?

- Não sei. Apenas deu vontade. – Respondeu sincero. Realmente não fazia ideia do motivo de ter abraçado a mulher, apenas o fizera. E não queria parar mais.

- Você é estranho...

- Jura? – Perguntou irônico. Afinal, era normal abraçar um vampiro, todos no mundo faziam isso.

-... Está me dando sono... Você é tão gelado que chega a ser aconchegante... – Murmurou baixinho e soltou um bocejo, lutando para permanecer de olhos abertos.

- Pode dormir, que quando acordar estará em casa.

- Aí eu vou pensar que foi um sonho, Kid... – Retrucou com a voz fraca, quase cerrando as pálpebras.

- Não é um sonho, e isso eu posso provar.

- Como?

- Não agora. Apenas durma.

- Mas...

- Confie em mim.

-... Eu confio. Mas eu quero ficar aqui e ver as luzes se apagarem... – Bocejou novamente. Kid sentou-se no telhado, levando-a junto, depositou-a entre suas pernas e voltou a envolvê-la.

- Teimosa... Pronto, agora durma. – Resmungou baixinho, enfiando a mão no bolso e tirando um objeto de lá.

- O que é isso? – Nami questionou curiosa.

- Pegue. Fique com ele. – Eustass pegou a delicada mão, e colocou lá o objeto. Uma correntinha de prata com um pingente que era uma pedra azul.

- É lindo... Posso mesmo ficar com ele? – Os olhos castanhos brilharam em expectativa.

- É seu.

- Arigatou! – Agradeceu e um grande sorriso cresceu em seus lábios – Pode colocar para mim? – Virou-se de costas para ele.

-... – Kid colocou a corrente no pescoço dela, afastando os cabelos alaranjados, e notando uma pequena cicatriz nas costas dela. Terminou de colocar o colar nela e não pôde segurar a pergunta – O que é isso? – Pôs dois dedos na cicatriz, que era, na verdade, três linhas, mais parecidas com rasgos. A ruiva estremeceu, porém nem tanto pelo toque congelante, e sim pela lembrança da cicatriz.

- Lobos... – Sussurrou, voltando a ficar de lado, sua posição original. – Quando eu era criança... Uns lobos me atacaram... Meus machucados todos foram curados e as marcas sumiram com o tempo... Mas essas ficaram, como se sempre tivessem feito parte de meu corpo...

- Sinto muito.

- Eu quem senti. – Fechou os olhos e repousou a cabeça no peito dele, bocejando – Boa noite, Kid...

- Durma logo, pirralha. – Sorriu de canto ante a língua que ela pusera de fora antes de finalmente se render ao sono.

Kid velou por seu sono tranquilo por exatas duas horas, até resolver leva-la de volta, pois o sol estava para se erguer e a tal Nojiko poderia se preocupar. No caminho de volta para a casa dela, o ruivo não conseguia deixar de beber a imagem do rosto adormecido. Parecia uma criança. Quando voltava para o castelo, depois de deixar Nami em seu devido lugar, percebeu que fazia algo que nunca mais imaginara conseguir fazer. Sorria abertamente.

Mas o sorriso não duraria muito.