- Bem, então você admite.

- Admito o quê? – Indagou e virou-se para a jovem o suficiente para que ela visse seu olho esquerdo.

- Que nunca conheceu uma humana como eu.

Aquela afirmação convicta o pegara de surpresa. Uma humana como eu, ela dissera. E era verdade. Nunca em seu tempo de vida encontrara alguém que o fixasse nos olhos e lhe dirigisse a palavra com sarcasmo e deboche, afinal, o Lord Eustass era uma figura merecedora de imponente respeito... E medo. A situação só agravou depois de se tornar um vampiro. Afinal, ele matava as pessoas para manter a subvida medíocre até os tormentos do passado finalmente se mitigarem e poder, assim, encontrar um pouco de paz. Mas aquela ruiva simplesmente ia contra tudo o que ele pensava saber. Ela o abraçara! Pedira por sua companhia! Mulher estranha, corajosa e... Tola. Muito tola.

- Mulher... Quantas vezes vou ter que dizer que você corre perigo quando estou por perto?

- Quantas vezes vou ter que bancar a menininha boba até você acatar meu pedido? – Nami perguntou de volta e sorriu matreira – Vou repetir mais uma vez. Fique aqui mais um pouco... Converse comigo... Por favor?

-... – Kid fitou aqueles olhos castanhos que reluziam mesmo na deliciosa penumbra do quarto e paralisou. As partes de seu consciente voltaram a brandir as palavras de petição.

Mate-a, Eustass! Saia daí antes que você a machuque, Eustass Kid! Leve-a consigo, Kid. Esse último ganhava cada vez mais espaço. Leva-la com ele. Ela não iria. Ou será que iria...? No que diabos ele estava pensando? Era um vampiro, pelo amor de Roger, o Rei dos Piratas! Deveria simplesmente pegar-lhe o sangue e ir embora! Porém... Não desejava feri-la, mesmo que seu cheiro apetitoso e pele branquinha fossem apelativos demais. E também não desejava separar-se dela assim tão rápido, justo agora que estava cada vez mais perto de descobrir os tesouros por trás daquele mar castanho.

- Kid...? – Chamou com a voz suave e deu um passo em direção ao homem.

- Mulher... – Eustass virou-se rapidamente e se aproximou a passos largos, apenas parando quando seus corpos estavam a meros milímetros – Venha comigo.

- O... O que? – Indagou atônita. Havia ouvido direito ou estava divagando novamente?

- Eu sei que você não é surda, mulher. – Se acercou mais dela, e agora eram os rostos que quase se tocavam. Ou melhor, as pontas dos narizes. As respirações de mesclavam, uma quente e a outra gelada, e os olhos não se deixavam nem por um milésimo de segundo. Os dois pareciam ímãs, um atraia o outro e vice-versa – Venha comigo. – Sua voz saiu rouca, baixa, suplicante e... Sexy. Nami adorava a voz daquele ruivo, e isso começara quando ele a ajudou pela primeira vez.

- Mas e Nojiko? E os outros? – Ela queria ir, no entanto... Era tão apegada às pessoas à sua volta, tão grata a elas por tudo que fizeram... Mesmo aquele homem não conseguia fazer seu sentimento de companheirismo diminuir – Eu não posso simplesmente ir... – Recuou um passo, sem nunca desviar o olhar.

- Venha comigo por hoje, então. – Pediu e voltou a chegar perto da jovem.

-... Só por hoje?

- Isso vai depender apenas de você.

- Acho que uma noite é o suficiente para uma primeira vez... – Sorriu infantilmente – Vamos, então... Espero que não faça frio.

- Venha... – Pegou a mão dela, que se deixou levar, e andou até a janela, abrindo-a. Uma brisa fez a moça de cabelo laranja estremecer – Pegue um casaco, se sente frio.

- Só um minuto! – Correu para pegar uma pequena coberta, que pôs como uma manta, e retornou para o lado do vampiro – Vamos! – Pegou novamente a mão gelada. Kid se perguntou o motivo de Nami não estremecer ao pegar em sua mão, nem mesmo uma tremida de nojo. Na verdade, quem estremecia era ele ao entrar em contato com a pele quente e macia.

- Pronta?

- Como nunca.

Kid sorriu ante a resposta, se posicionou para pular da janela, segurou a ruiva pela cintura com as duas mãos e saltou, caindo perfeitamente de pé no murinho que rodeava a casinha. Ainda segurando a mulher, deu mais um salto, dessa vez indo parar no telhado.

- E para onde vamos, Kid?

- Segredo. – Respondeu divertido e segurou-a como uma noiva, começando a correr com toda a velocidade.

O vento zunia em seus ouvidos e suas madeixas pareciam estáticas. Nami mal conseguiu ver o caminho, pois fechara os olhos graças à ventania. Ela abraçou o pescoço dele com força por puro instinto. Sabia que ele não a deixaria cair. Kid correu por algum tempo, até finalmente parar.

- Abra os olhos e veja isso.

Nami fez o que lhe fora sugerido e abriu os olhos. Estava no telhado da prefeitura, bem no meio da cidade, no ponto mais alto de Cocoyashi. Luzes piscavam e a lua lançava seus raios prateados sobre uma boa parte.

- Uau... – Foi tudo o que pôde dizer – Desça-me, Kid, por favor. – Eustass a desceu e fitou, maravilhado, o luar bater nos cabelos alaranjados, dando-lhes ainda mais vida, e os olhos castanhos brilharem de alegria infantil e pura. Parecia um anjo.

Um anjo que um demônio como ele nunca conseguiria tocar.