As Aventuras de Rin Casaco Marrom escrita por Sem Nome


Capítulo 28
Aquele com a mensagem de quem já se foi


Notas iniciais do capítulo

Desculpe a demora (de novo)!!!
Mas agora estou de férias :)



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Rin envolveu cubos de gelo em um pano velho. Olhou ao redor, nervosa. Torcia para não encontrar Bruno ou Clara. Fariam perguntas que ela não saberia como responder. Evitou as tábuas de madeira que rangiam e deu passadas largas e leves.

– Por que, com mil demônios, vocês foram até o Grande Relógio? – Clara surgiu por entre as sombras da sala mal iluminada.

Rin praguejou, estava sem sorte.

– É uma longa história... – tentou abrir caminho para o quarto onde Len se encontrava, mas a moça bloqueou o caminho.

– Você pode ser um monte de coisas, Rin. Ladra não é uma delas – observou – O que há?

Engoliu em seco. Não podia contar a verdade. Do jeito que conhecia os dois, provavelmente insistiriam em ajudar. Podiam ser mentirosos para o resto do mundo, mas eram leais aos amigos. Uma lealdade muito perigosa.

Trocou o peso do corpo de um pé para o outro, desviando os olhos. Clara suspirou, decepcionada. Esperava que a outra confiasse um pouco mais nela.

– Vá logo cuidar do pobre coitado – saiu do caminho, e Rin passou correndo, antes que mais perguntas fossem feitas.

Tenho que ser mais cuidadosa, pensou, ou eles insistirão em nos acompanhar na próxima vez.

Entrou no quarto que dividia com Len. Meiko adiantava o trabalho, colocando curativos nos dedos dele.

– Ela já desconfia – Rin se aproximou, colocando gelo sobre os locais mais roxos nas costas de Len.

– Escutamos – Meiko garantiu – Deviam ter me chamado.

A loura fez que não

– Estava cansada.

– Assim como você. Teria sido útil.

– Sabe apagar fogo que não é seu?

A morena apoiou o peso do corpo nas mãos, pernas cruzadas.

– Nunca é tarde para aprender algo novo.

A menina ignorou o que a outra dizia, estava mais concentrada nos hematomas de Len. Era completamente responsável por isso, e a culpa a comia. Conseguia sentir sua pele tremer em contato com o frio, mas como estava praticamente dormindo, assumiu que ele não estivesse realmente incomodado.

– Você sabe quem pode nos ajudar – o comentário fez Meiko suspirar exasperadamente.

– Não acho que os dois concordarão em peitar qualquer coisa que colocou Len para correr. Não cara a cara.

– Talvez não se eu pedir – ela se desculpou quando Len pulou um pouco quanto a pressão se itensificou – Mas você e seus métodos de persuasão podem convencê-los.

– O que aconteceu com a Rin que conseguiria vender pasta de dentes à banguelos?

– Ela usa truques que acredita que despertarão o interesse dos outros – levantou o olhar por alguns poucos segundos – Eles gostam mais de você. Ou pelo o menos têm mais medo de você. Pouco importa.

Meiko bufou, vencida. Levantou-se em um salto e soltou um breve “falarei com eles”. Antes de fechar a porta atrás de si, olhou por cima do ombro.

– Len, faça-me um favor – pediu – Convença-na a dormir. Do jeito que a conheço, passará a noite acordada se ninguém intervir.

– Tudo bem – ele respondeu lentamente, depois de parar para pensar.

Rin observou a porta se fechar. Pela primeira vez, a casa estava silenciosa, sinalizando que todos estavam fora. As paredes de papel não mentiam. Voltou a atenção para o trabalho.

Fez uma careta discreta. A luz da vela oscilava, tornando sua visão pouco conviável, mas tinha certeza de que o que via era real. Seu tato confirmava.

Cicatrizes.

Também achou que as tinha visto na batalha com o escorpião, mas na ocasião estava mais preocupada com a vida de Len do que com qualquer outra coisa.

Nunca perguntou o que fizeram exatamente com ele quando estava preso. Poderiam ter sido marcas das batalhas que fora obrigado a travar com outros condenados. Esperava que sim. Ele não teria sentido dor, entorpecido pelo gatilho da fúria.

Mas e se não tivessem sido lutas?

– Hora de dormir – Len anunciou, cumprindo a promessa que fizera a Meiko. Rin não fez nenhuma objeção quando ele lhe tirou o casaco. Deixou-se cobrir pelo lençol velho.

Não havia percebido o quanto estava cansada até que sua cabeça afundasse no travesseiro. O radória colou seus lábios nos dela, como um desejo de boa noite mudo.

Radória. Ainda era muito estranho pensar em Len pertencendo a alguma outra raça. No passado costumava classificá-lo como simplesmente um Len. E lá estava ele, o último representante de uma raça em extinção, e nem ao menos sabia disso.

Engoliu em seco, como se estivesse engolindo o medo junto.

– Len... – iria contar. Tinha que contar.

O louro voltou sua atenção à ela, um sorriso sincero no rosto. Suas atitudes sempre eram sinceras. Parecia que esperava uma boa notícia. E foi isso que quebrou sua confiança.

– Quero mais um – não era uma mentira, mas ainda assim sentiu-se enojada consigo mesma. Diabos, Rin, tem a obrigação de contar tudo para ele e ainda assim põe o rabo entre as pernas!

O sorriso de Len cresceu e ele se aproximou mais uma vez. Seus dentes afiados abriram caminho para os lábios de Rin novamente. Ela pôs os braços ao redor de seu pescoço, planejando cutucar um de seus hematomas caso sua boca ou língua começassem a sangrar por causa do carinho violento.

Seus pensamentos já turvos pelo sono tornaram-se um borrão colorido. Só conseguia lembrar quem era e quem era aquele ao seu lado. Len se afastou mais cedo do que de costume.

– Cama.

Rin suspirou e obedeceu. Já estava dormindo antes de a vela ser apagada e ser envolvida por um abraço familiar.

. . .

Meiko esperou do lado de fora da casa. Os dois haviam saído para comprar frutas ou algo parecido, e não deveriam demorar muito. Continuavam quietos como corujas, e isso, pelo o menos para a morena, era algo suspeito.

– Gente estranha – concluiu. Esperou por mais ou menos uma hora. Quando ficou frio, pôs-se a brincar com uma chama.

Deixou que fizesse cócegas nas palmas de suas mãos e em seus dedos, oferecendo-lhe luz e calor. Um vento gelado soprou. Deixou o fogo crescer.

– Empreste-nos um pouco disso! – pediu uma voz que conhecia bem – Está congelando aqui fora!

Kaito se aproximou mais rápido que uma flecha e foi o primeiro a colocar as mãos dormentes perto do fogo. Meiko sorriu, maldosa. Fechou as mãos e levou a chama consigo.

– Diabos, Meiko – resmungou o azulado – Se algum dia formos para um vulcão, refrescarei a todos, menos você!

– Deixe-me explicar, meu caro – propôs – Vocês nos ajudam com o roubo dos sinos, e eu deixo uma chama para que durmam aquecidos. Pensem nisso, esta casa é tão fria quanto um cubo de gelo.

Miku havia acabado de chegar, mas foi capaz de juntar as pecinhas.

– Vamos ter que ajudar a parar aquelas coisas que venceram Len? – quis ter certeza.

– Exatamente.

– Tudo por uma mísera vela?

– Duas míseras velas.

– Tentador – ela estalou a língua – Só isso?

– E terão minha eterna amizade – adicionou Meiko.

Cruzou os braços, esperando uma resposta. Imaginou se seria obrigada a usar ameaças, como Rin havia previsto, mas não houve tempo para isso.

– Tudo bem – Miku aceitou.

– Tudo bem? – Kaito repetiu, confuso.

– Já sabíamos que enfrentaríamos problemas. Se podemos ajudar, por que não fazê-lo?

Meiko sorriu, feliz por não ter sido tão difícil.

– Preparem-se para amanhã à noite – aconselhou e retornou para dentro de casa. Os irmãos permaneceram imóveis. Quem passasse acharia que estavam congelados.

– Qual é a real razão? – Kaito exigiu saber.

– Não valem nada se as máquinas deixarem seus corpos irreconhecíveis. E ela tem razão, essa casa é um cubo de gelo – Miku olhou para o céu.

– Podíamos poupar Meiko – arriscou o azulado – Ela não vale tanto.

– Faça o que quiser – disse a outra – Ela vai nos odiar de um jeito ou de outro.

E, por um minuto, um conhecido sentimento tomou conta de seu coração e mente. Um sentimento chamado culpa. Respirou fundo.

– A mãe e o pai não se orgulhariam nada disso.

– Não – concordou Kaito – Não mesmo.

. . .

Luka deu um gole de seu leite quente com mel. Parecia uma humana normal da cabeça aos pés. Seu rosto era doce e gentil, por isso meninas de todas as idades paravam de olhar para frente, arriscando uma olhadela na bela moça.

Isso era uma de suas maiores vantagens. Inspirava confiança. Proteção quase materna. Do mesmo modo que Rin inspirava confiança, mas uma confiança de líder, de alguém que tem boas ideias.

A de cabelos rosa se dedicou a observar. Não era sua vez de agir, era de Neru. Ficara inegavelmente aborrecida e entediada, mas essa espera a fez notar sinais que de outro modo não lhe chamariam atenção.

Uma sombra de medo começara a se instalar em seu estômago desde então. Engoliu em seco, tentando se tranquilizar. Não podia ser, simplesmente não podia.

Mas estava ali, estampado em toda a garota. Os olhos, o cabelo, o jeito de andar, a coragem quase inconsequente, as ideias, a atitude.

Via Rin, mas enxergava Lily.

Uma Lily menor, mais magra e mais desajeitada. Mas aos poucos, aos pouquinhos, com todo o treinamento em que era submetida... estava ficando cada vez mais... cada vez mais...

– Parecida com a maldita... – jogou o leite em um dos ralos. Não tinha mais fome – Não. Lily não era idiota. Jamais traria ao mundo uma criança em um caos como este. Sabe que ainda estou aqui. Sabe que seu sangue e sua carne não estão seguros.

Mas o que lhe preocupava era que uma mulher apaixonada era louca. Esquecia-se de toda a cautela que um dia teve. E se Lily tivesse encontrado alguém?

E a moça era simplesmente linda. Um olho, dois olhos, pouco importava. Estava acostumada a chamar atenção de homens, meninos, mulheres. Todos. Até onde lembrava, o único que não babava por ela era Leon. Agia como uma espécie de pai para a garota.

Esteve ao seu lado durante todo o duro treinamento que enfrentava para controlar seus dons e, acima de tudo, sua personalidade explosiva. Ensinou-lhe seus costumes, suas crenças, seus truques. E foi dele que ela pegou emprestado seu ar feroz, como um animal pronto para caçar.

Lembrava-se claramente do dia em que apagou aquele fogo azul de seus olhos. Arrancou toda a força da criança que a humilhou incontáveis vezes na arena.

Sim, bastava fechar os olhos, e via tudo de novo.

Lily ajoelhada na poça de sangue de Leon. A garganta do velho, aberta. O rosto, quase irreconhecível. O cheiro de sague faria qualquer um engasgar. A voz que um dia foi cheia de orgulho soluçava, implorava. “Leon, por favor, Leon! Por favor, pai!”. O resto não foram palavras coerentes.

No final, um urro, tão alto que Luka achou que a menina queria que os deuses ouvissem, que o mundo todo ouvisse, que os mortos ouvissem, que Leon ouvisse.

E ficou o silêncio.

Lily perdera a voz. Ou as esperanças. Não fazia diferença.

Estava ali. Parada. Se Luka tentasse lhe tirar a vida, nada faria. Talvez até abraçaria a morte como uma espécie de anjo. Perdera tudo. Que diferença fazia?

Mas não. A de cabelos rosa preferiu deixá-la viver com sua vergonha e culpa. Foi culpa dela o radória ter morrido.

– Meu maior erro foi deixá-la viver – admitiu, mas não se arrependeu – Que presente me deu, Lily! Vou reviver o momento mais grandioso de toda minha vida!

Era a vez de Neru.

A vez de Neru não duraria para sempre.

. . .

Rin olhou para cima, tentando ver a ponta da torre. Não importava quantas vezes observasse, sempre parecia maior. Deixou seu olhar cair em Len, buscando forças.

Havia tentado convencê-lo a ficar na casa com Bruno e Clara. Agora estava grata por ele ter recusado.

O buraco de ratos havia sido consertado. Deviam ter ficado preocupados quando viram uma das máquinas paralizadas do lado de fora. Tomaram providências.

– Para trás – ordenou Meiko, desembaiando a espada – Vou abrir essa coisa com fogo.

– Espere – Miku pediu. Procurou alguma coisa nos bolsos. Uma chave de fenda – Isto deve ser o suficiente, se não houver uma tora de madeira por trás.

Encaixou a ferramenta no buraco da fechadura. Levou alguns minutos. A ladra parecia querer chegar em algum ponto em especial do trinco, até que sentiu algo girar. A porta se abriu com um gemido triste, como se tivesse acabado de acordar.

Meiko ergueu a lanterna a óleo. Os corpos haviam sido retirados, talvez por medo de serem roubados. Não era fácil convencer uma família em luto a entregar o defunto à uma escola de medicina e desenterrar era ilegal.

– Olhos abertos... – Rin se lembrou de como a escada de metal foi quebrada. Teriam que achar outra forma de subir os andares da torre.

Tiraram a estante agora vazia de livros do caminho. A menina pediu para que os outros esperassem. Foi naquele lugar que a primeira máquina surgiu. Iluminou o local. Sentiu como se seu coração acelerado pudesse chamar mais atenção que a luz da lanterna. Nada.

Andou com cautela, xingando o maldito monte de metal. Se fosse atacar, que atacasse logo. Era melhor que fazê-la remoer-se em ansiedade. Passos a acompanhavam de perto, mas sabia que não pertenciam a Len.

– Suas flechas não serão muito úteis aqui – advertiu. Neru insistiu para que pudesse acompanhá-los mais uma vez, afirmando que o pagamento era suficiente para mais esse trabalho.

– Sou mais que uma arqueira – rosnou – Não me subestime.

A escada de metal não estava mais lá e a passagem no teto era inalcançável. Len foi obrigado a servir de apoio. Suas costas queimaram com o esforço, especialmente quando foi a vez de Kaito.

– Ótimo. Como ele sobe? – Meiko apontou o problema. O louro até conseguia saltar e se segurar na borda, mas seus pés não tinham suporte algum.

– Deve haver uma escada de madeira em algum lugar – supôs Neru. Ela jogou luz aos arredores. O que viu foi suficiente para fazer com que um arrepio lhe subisse a espinha – Pelos deuses...

– Manequins? – a voz de Miku falhou, seu olhar alternando-se entre a arqueira e a confusão de bonecos. Os olhos dos objetos eram mais penetrantes do que os de muitas pessoas com as quais já teve chance de conversar.

Enfileirados nas paredes da torre, pareciam festejar um culto sinistro. Ao chão, espantalhos de palha jaziam queimados ou rasgados. Esses tinham moedas no lugar dos olhos, obedecendo a crença que dizia que os bonecos espantavam pragas e traziam dinheiro.

– Ou os alunos ficaram sem corpos para dissecar – começou Rin – ou é aqui que testam as máquinas.

Neru poderia ter vários defeitos, mas uma visão ruim não era um deles. Aquelas coisas pareciam humanas demais para serem de cera. Sacou o arco e o usou para espetar um deles. Uma mulher, com cabelos assustadoramente reais.

A ponta do arco afundou na pele mas, quando foi retirada, a superfície endireitou-se para a forma original. Neru passou a mão pelos cabelos. Deixou o arco de lado e tocou no rosto do manequim com a ponta dos dedos. O toque, mesmo leve, foi o suficiente para entortar o pescoço dele.

– Pele – sua voz saiu baixa, como um sussurro. Não quis desesperar os outros – Pele, pele, pele...

Tentou ficar no meio do círculo. Sacou uma flecha por instinto. Enquanto ninguém tocasse nos manequins, não havia motivo para deixar todos nervosos.

– Tem uma escada aqui – Rin anunciou, tirando uma escada empoeirada de trás de um armário velho.

A arqueira observou as paredes. Tinha alguma coisa errada. Len já se encontrava no segundo andar quando realmente percebeu as marcas na parede de pedra. Era como se alguém a tivesse aranhado com uma faca em vários pontos diferentes. Iam até o ponto mais alto, e ela hesitou quando chegou a hora de iluminar o teto.

A pouca luz foi o suficiente para fazer com que os olhos de Len brilhassem como duas pedras preciosas, e eles estavam inquietos.

Ele sentiu o cheiro de alguma coisa, engoliu em seco, obrigando-se a descobrir o que os observava de cima.

– Pelos deuses, cuidado! – a voz de Rin foi tão urgente que a arqueira não foi capaz de reconhecê-la de primeira, e não entendeu o motivo do aviso.

Até que oito patas longas e finas se cravassem no chão ao seu redor. Eram finas como lâminas, e escuras como a noite. A respiração da arqueira falhou, e ela iluminou o teto mais rápido do que julgava possível.

O cheiro de fumaça se impregnou no ar.

Observou oito olhinhos vermelhos a encarando e duas presas pontudas de metal movimentando-se perigosamente perto de seu rosto.

– Espero que ninguém aqui seja aracnofóbico – reclamou entre os dentes. Uma das lâminas foi erguida e agora descia em sua direção.

Mergulhou, mas logo percebeu o erro. Expôs mais ainda seu corpo. Virou-se, tentando se levantar, mas só conseguiu rastejar com a ajuda dos cotovelos, escapando das lâminas por muito pouco.

As patas afundavam no chão de madeira, abrindo pequenos furos. Eram afiadas como as espadas de Meiko. Perguntou-se por quê os outros não a estavam ajudando, mas viu de relance que não havia apenas uma aranha, e que também estavam com problemas.

Os únicos com uma certa vantagem eram Meiko e Kaito. Mais uma vez, Len não foi abençoado com uma boa sorte. Se tentasse arrancar as patinhas das máquinas, perderia os dedos. Se tentasse pular até a cabeça, seria empalado.

Imbecil, praguejou, por que não escutou Rin e ficou fora disto?!

A fumaça a deixava tonta, e começava a entender a razão de não haver janelas na torre. Queriam asfixiar os invasores, caso conseguissem escapar dos guardas mecânicos. Genial.

Com sua visão lenta, parecia que os manequins riam. Pareciam tão reais...

E então uma ideia lhe veio à mente.

As aranhas abriam buracos em todo o chão, e Neru via que ficava cada vez mais frágil. Uma das lâminas veio na direção de sua cabeça, e seu crânio só não foi partido porque foi capaz de rolar para o lado.

Se pelo o menos pudesse se proteger...

Seu olhar parou em Rin. A lanterna era ineficiente, devido a tanta fumaça, mas sabia que a menina tinha um escudo, e não era boba de ficar sem ele, mesmo que a espada fosse inútil.

Percebendo que não adiantava ocultar-se na fumaça, Neru não teve escolha senão correr até onde Rin estava. Viu que a menina trazia uma garrafa de vidro com água dentro, mas estava tão ocupada em se defender, que não achava uma brecha para atacar.

– Pequena – pôs-se ao seu lado. Resfolegou e depois tossiu. – Tenho uma ideia.

– Eu também – ela conseguiu, com força surpreendente empurrar a aranha alguns centímetros.

– Manequins – falaram juntas, quase ao mesmo tempo. As máquinas provavelmente eram acionadas com as vibrações dos pés das pessoas. Se vários bonecos em forma de gente caíssem no chão, serima mais do que o suficiente para distraí-las

– Mas e depois? – a voz de Neru era rouca e seca – Não é melhor irmos embora?

– Não, vamos para cima.

– E a fumaça?

– Tem janelas lá em cima – garantiu Rin – Vê como a nuvem negra é sugada?

A menina abafou um grito quando foram encurraladas por agora duas aranhas. A de Neru provavelmente a seguiu.

– Pequena, precisa emprestar-me o escudo – Neru respirou com dificuldades, joelhos flexionados, pronta para agir.

– E como eu fico? – Rin conseguiu perguntar por entre os dentes.

– Vamos trabalhar juntas, eu e você – explicou a arqueira, mas só recebeu um olhar duvidoso como resposta. A outra engoliu em seco – Pequena, confie em mim. Só desta vez, precisa confiar em mim.

Rin sentiu aquela mesma sensação que teve quando olhou diretamente para os olhos de Neru. Seu estômago se revirou e ficou mais tonta do que já estava, e teve que se concentrar para não cair. Procurou Meiko e Len com os olhos, em busca de apoio.

Os dois enfrentavam mais ou menos três máquinas de cada vez, e ela temeu que não fossem aguentar por muito mais tempo. Aceitaria a proposta de Neru, mas aceitaria por causa deles.

Desvencilhou-se das tiras de couro do escudo e o entregou para Neru. A mais velha pediu para que ficasse atrás dela sempre, e assim o fez. Neru não era muito mais alta ou forte que Rin, mas fez um bom trabalho em empurrar lâminas para longe.

Rin pôde observar melhor a situação agora que a outra era responsável pela defesa. O chão ficava cada vez mais fraco a cada passo cortante das máquinas. Isso provavelmente fazia parte dos planos de quem quer que cuidasse da defesa do lugar. O assoalho iria desabar.

Segurou a garrafa de vidro com mais força. Não a fazia sentir tão protegida quanto uma espada, mas era tudo o que tinha.

– Preste atenção! – Neru a tirou de seus pensamentos. Se a arqueira não tivesse pulado em sua frente com o escudo, teria seu coração perfurado sem grandes problemas.

Neru conseguiu quebrar uma das patas da aranha, e barrá-la não foi mais tão difícil, já que a lâmina quebrada foi a da frente. Mas ela não percebeu que outra se aproximava. A próxima coisa que Rin viu foi um corte quase no meio da barriga da arqueira e sangue escorrendo até o chão, escapando por um dos buracos.

Os dedos da arqueira também sangraram quando agarraram-se à lâmina. Rin abafou um grito e, mais por instinto que por habilidade, jogou a garrafa na parte onde o carvão queimava. A garrafa se despedaçou, e a água, se não apagou o fogo, pelo o menos foi o suficiente para que a máquina parasse de funcionar por alguns minutos. O vapor de água aliviou um pouco a fumaça negra.

Neru conseguiu retirar a lâmina, mas precisou de ajuda para manter-se em pé.

– Vá até os bonecos, droga – xingou, usando Rin como apoio – Jogue-os no meio desta sala. Deixe o resto com o destino...

Rin engoliu em seco. Não sabia qual cheiro era o pior, sangue ou fumaça. Já não havia mais obstáculos. Assim que alcançou o primeiro manequim, pôs Neru no chão, e começou o trabalho. Em sua pressa, não deu atenção ao material de que eram feitos.

Suspirou de alívio quando percebeu que o plano funcionara. A máquinas aos poucos se convenceram de que os manequins ao chão eram mais pessoas. Quando mais aranhas surgiram da porta no teto do segundo andar, Rin foi obrigada a jogar mais bonecos no meio do chão.

Eles eram perfurados, e para o horror de Rin, uma sangue grosso e gosmento era liberado. Parecia sangue velho, escuro, e um cheiro pobre de decomposição tomou o ar.

Seus olhos arderam, mas ainda assim conseguiu ver que o chão não aguentaria mais, especialmente com o peso extra. Ignorou os bonecos e ajudou Neru a levantar-se.

– Para o terceiro andar! – gritou, na esperança de os outros ouvirem – Agora!

Miku abriu caminho por entre a confusão, foi a primeira a chegar na escada. Rin pediu sua ajuda para carregar Neru. As três se refugiaram no próximo andar. Mas os outros não tiveram a mesma sorte.

A madeira do chão rachou antes que Meiko, Len ou Kaito tivessem a chance de alcançar a escada. O barulho feito pelo material se quebrando foi algo monstruoso, mas nada perto do terremoto em miniatura que provocou quando caiu no chão.

A menina pôde observar as aranhas sendo esmagadas pelos escombros. Os poucos móveis que haviam lá atingiram o chão, destruíndo-se como brinquedos. A escada de metal que o trio usou para subir, perdendo o apoio na base, não se segurou e despencou também. Então fez-se o silêncio. Um pó fino e branco tingiu o ar.

– Len? Meiko? – a voz de Rin foi baixa e trêmula.

– Kaito? – completou Miku.

– Estou aqui – As duas se esforçaram para conseguir enxergar o azulado. Ele estava encolhido, em uma parte do chão ainda firme na parede e que não havia caído. Teria sido uma cena hilária se a situação não fosse tão desesperadora – Como desço? Ou subo?

Ele não poderia alcançar o a passagem no teto. Aliás, ninguém mais poderia.

– Len? Meiko? – ela repetiu, o aperto na garganta a sufocava.

Então um emaranhado de fios amarelos emergiu dos pedaços de madeira. O corpo veio logo depois, as roupas um tanto que rasgadas e sujas de sangue, mas ele estava inteiro. Logo depois, Meiko surgiu, mais suja do que ferida. Len a protegeu, se não fosse por ele, não sabia se suportaria o impacto. Era forte, o rapaz.

Len ohou para a passagem de onde Rin o observava. Viu quando ela subiu. Procurou um modo de subir, mas era inútil. Voltou a fitar a menina. Não era preciso palavras para ela entender que ele queria ir também.

– Acho que vocês precisarão ficar – disse. Mas depois sorriu – Vou voltar logo. Eu sempre volto.

Pelo o jeito que ele desviou o olhar, era claro que estava chateado e preocupado. Mas não falou nada.

– Vamos ficar bem – Meiko prometeu – Se não retornarem até amanhã de manhã, tocaremos fogo nesta torre atrás de vocês.

Rin riu, e depois parou para refletir. Eram três agora. E a única realmente forte estava ferida e sangrando. Mas não deixou que Len visse sua preocupação. Prometeu mais uma vez que voltaria e deu as costas para o grupo que ficava. Len acenou com a mão assim que a perdeu de vista.

– Bom – a menina dobrou os joelhos para erguer Neru – Vamos continuar.

– Ah, Rin – Miku a interrompeu – Melhor ver isto...

Ela se aproximou da esverdeada, que iluminava alguma coisa com sua lanterna a óleo. Era a única coisa que havia no terceiro andar.

Um esqueleto, sentado no chão com suas roupas esfarrapadas. A boca formando um sorriso falecido. Os olhos vazios abertos. A mão sem vida segurava uma faca cega.

– Tem alguma coisa escrita na parede – Rin franziu o cenho, iluminando com sua própria lanterna – Escreveu com a faca. Está difícil de ler.

Mas conseguiu depois de algumas tentativas. Não entendeu o significado de primeira, mas depois tudo ficaria claro para Rin.

O badalar dos sinos acorda todos os seus fantasmas.


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Notas finais do capítulo

E então, Rin, quer conhecer a sogra?