Nicest Thing escrita por Nina Spim


Capítulo 15
Chapter Fifteen


Notas iniciais do capítulo

Oi, cherries!
Mil desculpas pela falta de atualização e tenho mais uma má notícia: ontem fiz uma prova para conseguir um estágio na minha faculdade e na lista dos classificados sai na segunda; se eu conseguir uma vaga, as postagens REALMENTE serão feitas apenas nos fins de semana.
Mas, por favor, não desistam da fanfic, porque DE MODO ALGUM estou abandonando a história, ok? Já tenho a fanfic toda escrita no word, o grande problema é atualizá-la aqui! :)
Beijos e aproveitem este capítulo!



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As duas semanas antecedentes à nossa viagem a Lima correm quase de maneira despercebida. Kurt e Blaine – como habitual nesta época – quase me fazem enlouquecer, pois tudo precisa ser feito: novas inspirações, novas playlists, novas palavras, novo discurso, novos aplausos, nova decoração de aniversário, novos sorrisos. Tudo é novo, de novo. Precisa ser como se fosse a primeira vez, como se tivéssemos acabado de deixar o Glee.

Lucy é a única que não tem preocupações. Nada relacionado a questões musicais, ao menos. De acordo com as sucessões dos dias, noto cada vez com mais frequência que há algo a incomodando, sim. E meu primeiro palpite é sempre seu celular. Digo, quem quer que telefone a ela insistentemente. Diversas vezes achei que fosse o seu “não tão namorado assim”, porém um dia antes do nosso voo, tirei isso da cabeça.

– E aí? O que o seu namorado está achando disso tudo? Sobre você sumir durante uma semana? – estamos sentadas defronte nossas roupas, tentando optar por quais delas devem ou não entrar e última hora em nossas malas.

– Ele não é meu namorado, eu já disse isso – Lucy me responde num tom contido – E ele não entrou em depressão nem nada assim, pois ele também tem planos.

– Oh, é? O que ele vai fazer? Perseguir você e encontrá-la em Lima como naquele livro ridículo de sexo que é vendido como um romance?

– Hm, duvido muito – ela franze as sobrancelhas e parece que quer rir, mas não faz nada – Eu não sei o que ele fará, na verdade. Disse que viajaria, apenas. Acho que vai visitar os pais, ou algo assim.

Assinto, dobrando uma blusa decorada com uma coruja.

– E seus pais?

– O que tem eles?

Dou de ombros antes de continuar:

– O que eles estão achando disso tudo? Achei que você iria para Aspen. Você ainda não disse como é que a viagem familiar de vocês morreu tão rapidamente.

Lucy se remexe na cama, e posso ver que está desconfortável; não por conta de sua posição, mas por conta do assunto. Isso faz com que minha curiosidade se agite. Ela dá de ombros também, tentando parecer distraída demais com a filha de roupas a sua frente para se importar com o que irá dizer.

– Divergências familiares – ela responde, simplesmente.

– A viagem foi mesmo cancelada, ou você pulou fora dela?

– Eu não estava mesmo empolgada com Aspen, então tanto faz. Prefiro... Prefiro estar com vocês.

Isso me pega de surpresa. Para quem refutou com tanta convicção que não vê que eu, Kurt e Blaine a consideramos especial isso é reconfortante. Não consigo conter o meu sorriso.

– Tenho certeza de que vamos ter ótimos momentos – eu digo, ainda sorrindo.

Mesmo durante o voo, isso se prova verídico. As fotos tiradas por Lucy capturam nossa alegria e nossa ansiedade. E mesmo quando a apresento para meus pais – que se ofereceram para nos buscar –, Lucy não perde a luminosidade no olhar. Fico satisfeita por constatar que ela está positivamente feliz, sentindo-se especial por nós a termos incluído no nosso roteiro.

– Eles são bastante gentis – Lucy confessa para mim, referindo-se aos meus pais, assim que eles se oferecem para carregar suas malas para o quarto de hóspedes da minha casa.

Kurt e Blaine já seguiram para a casa dos Hummel-Hudson. Lucy propôs se hospedar em algum hotel, mas eu disse que ela deveria ficar na minha casa, e não houve como ela declinar a oferta. E fico feliz por tê-la por perto, assim não me sinto só. Lucy ainda está sustentando sua alegria que, por sua vez, me faz ficar feliz também. Uma hora após nossa instalação, meus pais propõem que saiamos para jantar comida vegetariana – já que minha visita é rara por aqui, meus pais meio que tentam fazer tudo para me agradar, inclusive aceitar comer comida vegetariana se for preciso.

Meus pais se mostram contentes por ter uma convidada no jantar e decidem relatar todos os meus melhores e piores momentos ao longo dos meus vinte anos. Ao menos, não exibiram meus álbuns de fotos, os quais eu apareço com roupas infantis esquisitas demais ou caindo da escada, ou mostrando o meu dente recém-perdido. Por outro lado, Lucy poderia conferir todas as vezes que pisei no palco, desde que tinha cinco anos, e o ano que o Glee Club venceu as Nacionais quando eu era co-capitã.

– Animada para rever seus amigos? – ela me pergunta, depois que meus pais seguem em direção ao final do quarteirão para apanharem o carro para nós. Hiram, como sempre, conseguiu esquecer em qual quadra estacionou e precisa acionar o bip do alarme em todos os carros que encontra.

Estamos caminhando lado a lado, e fico contente por notar que Lucy não tenta impor nenhuma distância corporal entre nós. Não que estejamos nos tocando, mas ela está bem próxima de mim, balançando a sua bolsa nas mãos com distração.

Lucy troca um olhar comigo. Um olhar que não carrega nada além de conforto, talvez. Ela não está impiedosa, muito menos tentando me acatar verbalmente. Está tentando manter uma conversa inócua, numa tentativa de suprir a falta que essas conversas nos fazem. Pelo menos, fazem falta para mim...

Escondo meu sorriso assim que ela desvia os olhos também sorrindo.

– Mantenho contato com todos eles ainda. Mercedes também estuda comigo, Tina ganhou uma bolsa de intercâmbio, por isso não vai poder estar presente. O Artie entrou na Brooklyn Film Academy, e Mike conseguiu créditos extras por estar fazendo parte de uma grande companhia de dançarinos em LA.

– Uau, parece que todos vocês se tornaram alguma coisa.

– Estamos em formação constante, acho – comento – Mas, sim, todos nós conseguimos entrar em ótimas faculdades. Glee nos ensinou a oferecer todo nosso potencial e isso acabou refletindo nas nossas escolhas. Claro que nem todos, como você percebeu, embarcaram em uma carreira musical, mas do modo geral todos seguiram para o lado artístico.

– Incrível, incrível mesmo – Lucy constata e sua voz delata todo o seu deslumbramento. Acho que, bem no fundo, ela deseja ter uma carreira como nós, artística. Digo, quem não quer? E hoje em dia o talento nem é um pré-requisito mais, portanto, literalmente, qualquer um pode ser um músico – Quero muito conhecê-los! Amanhã, certo?

– Yeah. É o aniversário do Sr. Schue. Claro que ele já sabe que uma “festa surpresa” o aguarda, entretanto... É sempre empolgante organizá-la, sabe? Dá a impressão de que mal saímos do McKinley.

– Vocês parecem muito gratos a ele.

– O Sr. Schue foi meio que nosso mentor, sempre estará em nossos corações, assim como o Glee.

– Adoro isso, o jeito como você fala. Você tem saudade dessa época?

– Com Kurt, Blaine e Sam por perto não muito. De certo modo, tudo parece igual junto a eles. Mas de vez em quando gostaria de vivenciar alguns dias de Glee, sim. Algumas festas, alguns momentos hilários. Sabe? Coisas que fazem falta quando me sinto sozinha.

– Mas você não está sozinha – Lucy diz isso como se estivesse perplexa.

– Você também não, ouviu? – devolvo; não me contenho o suficiente e deixo escapar a pergunta que vem rondando minha mente nessas últimas semanas – Você sabe que é especial para nós, certo?

Lucy suspira; seu rosto está impassível. Procuro por indícios nos seus olhos, mas ela não cruza seu olhar com o meu.

– Desculpe-me por aquilo. Foi... Foi realmente idiota – ela diz, pesarosa – Não queria fazê-la sentir-se culpada, ou estranha.

– Está tudo bem – faço um gesto de quem não está se prendendo a nada. Na verdade, eu já sei o quanto ela gostaria de se desculpar. Vi sua vontade todas as vezes que ficamos sozinhas – Eu já esqueci isso – mesmo sabendo que há uma parte de mim que está dizendo “Mentira, mentira, mentira!”, concluo a frase sem me abater. Porque, por outro lado, estou totalmente sendo sincera; esqueço este episódio neste segundo, porque me sinto aliviada ao saber que isso não me incomoda mais.

– Meninas, mais rápido! – Leroy grita lá da frente, enfim localizando o carro correto. Sei que ele está com pressa, pois não quer perder a reprise de Saturday Night Live de hoje.

Solto uma risada, sentindo-me mais leve e confortável. Apressamos o passo, enfim.

Leroy tenta nos convencer a assistir o programa junto a ele, mas tudo que tenho na mente é tomar banho, bebericar um bom chá e adormecer escutando Mumford & Sons. Todo o estresse desses últimos dias finalmente está se manifestando e meu corpo reclama por uma calmaria. Junto aos meus pôsteres antigos, às estrelas pintadas a mão nas paredes do meu quarto e, acima de tudo, à minha cama de casal tão preciosa.

Deixo que Lucy use meu banheiro para tomar banho, depois de mim, porque acho mais higiênico. Enquanto a espero se aprontar, fico olhando para o teto e cantando a minha playlist preferida, retirada do musical Funny Girl. São apenas dez da noite, porém acho que Lucy também quer descansar.

– Então é verdade que você é mesmo uma maníaca por organização? – ouço a voz de Lucy precariamente, antes de parar a música do iPod. Retiro os fones e sento-me na cama.

Ela está vestida com um short não muito curto e com uma camiseta grande demais dos Beatles. Seus cabelos estão úmidos, e sua pele parece fresca e límpida. O cheiro de baunilha que emana dela infesta meu quarto cadenciadamente e, de repente, tudo o que consigo pensar é em cupcakes de baunilha com cobertura de morango. Não gosto de baunilha, mas o odor é agradável e suave e não parece incomodar nem um pouco as minhas narinas sensíveis.

– Seu banheiro parece que foi atacado por um bando de pessoas com TOC, sinceramente – Lucy elucida, e arranca de mim um sorriso.

– Sou assim desde criança. Meu antigo psicólogo dizia eu tinha esse comportamento para suprir a falta da minha mãe. Precisava ter as coisas no controle, mesmo que fossem apenas os vidros de xampus do banheiro – termino com um risinho.

– Aparentemente, isso vai além. Sua vida inteira parece ser mantida no controle. Você não relaxa nunca?

– No palco. Sempre me senti livre no palco. Porque acho que é o único lugar onde me sinto realmente segura, onde me faz sentir em casa. Onde sei que não vou errar e que ninguém vai pisar em mim.

Nunca confidenciei isso para ninguém. O fato de que, longe dos holofotes, não sei quem sou. Aliás, não sou boa o bastante. Sinto que os palcos é o meu lugar, é o local para o qual nasci estar, futuramente. É por isso o Glee é importante para mim: mostrou-me o caminho, mesmo que eu já o tinha em mente. Ele me impulsionou a conquistar o meu verdadeiro lugar neste mundo. Alguém que precisa brilhar, que precisa ser reconhecida pelo seu talento; talento o qual tenho de sobra, afinal não estaria na NYADA se não o tivesse.

– Quem iria querer pisar em você?

Lucy, sem pedir permissão, acomoda-se na minha cama. Não reclamo, pois não é como se ela fosse uma estranha. É bom saber que a intimidade que construímos ao longo desses meses perdura.

– Acredite, muita gente. Já fui pisada por muitos ao longo da vida.

– Sabe... Estive pensando. Eu nunca a ouvi cantar e, supostamente, você está numa escola de preparação musical.

Recordo-me do que disse a Blaine. Que iria trabalhar em expor o que penso para Lucy. Claro que não cheguei a um consenso. Não pretendo cantar a ela. Quanto desse meu gesto pode ser incompreendido? Todo ele, para ser mais precisa. Que tipo de pessoa chega na outra e diz que precisa cantar para ela, para que seja devidamente entendida? É insanidade. E pelo que sei, Lucy já me considerou por algum tempo uma louca irreversível; não preciso que sua impressão ganhe alguma validação. Então... Pensei em abordar a situação por outra maneira. Deve haver uma maneira mais fácil. Conversação, por exemplo. É por isso que as pessoas conversam: para solucionar perguntas, para se conhecer melhor, para declarar o que quer que esteja a fim... Porém, parece que até mesmo conversar com Lucy tornou-se inconstante. Sempre me atrapalho no que pretendo dizer, ou não sei ao certo o que dizer.

– Vou ter uma audição na primeira semana de recomeço às aulas. Pode vir, se quiser.

As sobrancelhas dela se erguem. Ela parece em dúvida.

– Não assim. Não quero vê-la cantar por obrigação.

– Não é uma obrigação – rebato na mesma hora, um pouco ultrajada – Eu gosto de cantar. Cantar é minha vida, faço isso de coração.

– Então cante.

– O quê? – meu coração é assaltado por um susto imediato – Você quer que eu cante agora?

– Por que não?

Awake My Soul aparece na minha mente. Meu coração se descompassa com o ritmo da melodia que escuto no meu cérebro. Parece que vou morrer, literalmente. Não quero cantar pra ela. Muito menos fazer isso agora, sem preparação alguma ou sem refletir sobre isso o bastante para enfim tomar a iniciativa.

– Um dia, ok? Não agora. E-eu nem mesmo tomei meu chá de mel e limão para limpar minha garganta!

Pareço fora de controle, agora. Pareço estar tendo um surto psicótico. Ou um ataque do coração.

Muito bizarro. Com certeza, a estou assustando. Olho para Lucy. Ela ainda sustenta as sobrancelhas suspensas. Há surpresa em suas feições.

– Hey, acalme-se. Apenas fiz uma pergunta. Por que está tão nervosa?

Meu coração. Ataque do coração. Ataque do coração.

– Cansaço – praticamente vomito a palavra com esforço.

– Ok. Então você promete que, depois de três xícaras de chá de mel com limão, você vai cantar para mim?

POR QUE ELA QUER QUE EU CANTE PARA ELA? DE ONDE SURGIU ESSA IDEIA MALUCA? AH, MEU DEUS! SERÁ QUE ALGUÉM DEIXOU ESCAPAR ALGUMA COISA? SERÁ QUE KURT OU BLAINE DISSERAM QUE EU CANTARIA PARA ELA? VOU MATAR ESSES DOIS, REALMENTE VOU!

Minha boca está entreaberta, procurando as palavras certas. Sim? Não? Talvez?

Não consigo respirar. Realmente não consigo.

– Claro, por que não? – tudo sai muito rápido e não tenho certeza se realmente disse o que disse. Eu disse? Preciso respirar. Gostaria que ela se afastasse mais para que eu pudesse respirar algum oxigênio que não esteja infestado de aroma de baunilha – Pinky promise – adiciono sem pensar coerentemente.

– O quê?

Estendo meu mindinho no ar, no espaço entre nós.

– Não acredito que você é esse tipo de pessoa! – Lucy ri, observando meu dedo.

– Aprendi isso com o Kurt. É uma promessa que não posso quebrar.

– O que acontece se você quebrar? – Lucy quer saber e copia meu gesto – Você morre?

Rio e digo:

– Não! Bem, espero que não! Apenas... Bem, acho que vou desapontá-la, certo?

Lucy concorda com a cabeça, e nós entrelaçamos nossos mindinhos. Esse gesto parece mais íntimo do que me recordo. Já fiz muitos pinky promises durante o colégio, porém nenhum deles pareceu tão importante.

Lucy elimina o que quer que a esteja impedindo de ficar mais próxima de mim. É um movimento realizado com muita lentidão – tanta que mal o noto de imediato; apenas quando percebo que nossas mãos estão prensadas entre nossos corpos é que vejo que, uau, há muito verde nos olhos dela. Como nunca registrei isso antes? Um de seus ombros está desnudo por conta da camiseta larga demais, e sua pele é realmente bem mais pálida do que minha mente lembra. Por que vivo perdendo detalhes dela? Eu tenho detalhes irrelevantes, mas Lucy... Cada vez que a observo pareço fazer crescer a lista de detalhes novos que encontro nela.

E ela está tão perto de mim, agora...

Minha mente elabora uma constatação. Parece que ela vai me beijar. Não. Apenas parece que ela quer me beijar.

Fecho os olhos. Por que não? Não é isso que as pessoas fazem quando estão prestes a serem beijadas? Ou será que eu deveria mantê-los abertos para enxergar a expressão dela? Ou, talvez, para receber a confirmação dessa constatação maluca da minha cabeça? E se sua intenção não for me beijar?

Abro os olhos. Não porque quero ver se ela fechou os dela, ou porque ela está rindo da minha atitude. Oh, não. Descerro-os, porque nossa pinky promise foi quebrada; nossos dedinhos não estão mais conectados, foram distanciados com certa pressa. Maneio meu pescoço, procurando-a. Lucy não está mais na minha frente. Não está em lugar algum do meu quarto.

Ela bateu a porta e foi embora.

~*~

Há uma batida. Pisco meus olhos para o teto. O quarto é simples, decorado em branco e cinza. Há armários chiques e enormes e uma TV de plasma. As cortinas são cinza chumbo assim como a coberta que está nos meus pés.

Outra batida, mas forte. Insistente.

Não mudo de posição. Já estou desperta há uns quinze minutos, porém não encontro animação ou disposição para me levantar. Para sair do quarto, precisamente. Não quero lidar com o que quer que esteja porta afora.

Mentira. Sei que posso encarar os Berrys; são loucos e gentis como a filha. Mas Rachel? Não serei capaz de encará-la. Não quero abrir a porta e dar de cara com ela, pois sei que é ela que está batendo.

Droga. Mil vezes droga.

Preciso fugir daqui. Que se dane se quebrarei a promessa de me manter por perto. Rachel terá de conviver com a decepção. Do mesmo modo que terei de conviver com o remorso que sinto.

Fui tão estúpida! Ainda não consigo apagar a imagem de seus olhos se fechando e de sua expressão em expectativa. Vai ficar comigo para sempre.

– Lucy? – a voz de Rachel, suave, diz. Ela está insegura. Fecho os olhos com força. Preciso apagar tudo o que houve ontem. Absolutamente tudo. Qualquer pedacinho que insistir em ficar pode ser que me enlouqueça ainda mais – Você está acordada? Hey?

Noto que sua voz está perto de mim, que não existe mais a barreira imposta pela porta do quarto. Levo um susto e abro os olhos no mesmo instante. Estou em pânico. Rachel está parada com a mão na maçaneta, me olhando. Agarro a coberta que está nos meus pés e me cubro com ela, ciente de seus olhos acompanhando meus movimentos.

– Você está se sentindo bem? Perdeu a hora, sabia? – Rachel contesta, não necessariamente num tom severo.

Preciso inventar algo. Qualquer coisa. Dor de cabeça? Dor de garganta? Dor... no coração?

Meus olhos não a encaram, ao contrário: voltam a mirar o teto.

– Ok. Já vou – é o que consigo dizer com dificuldade. Parece que há um monte de algodão obstruindo minha traqueia.

– Precisamos sair em vinte minutos – Rachel me informa – Combinei com os meninos que estaria lá para averiguar tudo antes do início da comemoração.

Isso me dá uma ideia. Sou genial. Sou a Lucy ninja!

– Quem sabe... Você poderia ir na frente e averiguar o que for preciso. Kurt ou Blaine poderia me apanhar quando a hora certa chegar. Mais fácil, não?

Rachel ainda está estática, mas então desfaz o feitiço que a mantém parada e anda para perto da cama. Seus lábios estão contraídos e parecem transparecer irritabilidade.

– Sério? – ela pergunta. Sua voz está tingida de uma raiva contida.

Finjo que não detecto sua raiva e apenas digo:

– Claro, não quero atrasá-la.

Rachel cruza os braços. Ela está trajando um vestido escuro e curto salpicado de bolinhas muito pequeninas o qual é sustentado por finas alcinhas. Há babados abaixo da cintura e um único sobre seus seios. Ela parece confortável nele.

– Não acredito – ela diz. Seu tom está incrédulo, e sua cabeça se move de um lado para o outro quase imperceptivelmente – E-eu a convidei para vir para que ficássemos juntas e olhe só! Você está desunindo tudo! O que vai falar depois? Que não pode aparecer na festa, porque não quer se intrometer no meu clubinho musical? – Rachel está possessa, é a única palavra que encontro para descrevê-la. Seu rosto expressa toda a incredulidade e a raiva que está sentindo.

Está doendo em mim. Está doendo muito em mim cada palavra que ela profere com o intuito de impelir alguma reação em mim. Mas permaneço inescrutável, lutando contra mim mesma. Preciso lutar.

– Diga alguma coisa! – ela comanda com mais energia ainda.

– Nem tudo é sobre você, Rachel.

Isso a acerta como uma grande onda que ela não previu. Ela é engolfada num vórtice esquisito; sua boca se abre como se precisasse de todo o ar do mundo para si enquanto seu semblante expõe uma ferida sentimental. Não, é mais que isso: ela esta novamente impotente. Estou fazendo-a recordar do momento o qual seu ex-namorado a fez sentir-se uma inútil.

– Ótimo! – a palavra é dita de modo rasgado e há muito ressentimento em seu tom – Não apareça! Não faça parte de algo especial ao menos uma vez na vida! Seja essa pessoa incógnita que ninguém é capaz de desvendar! Devo ter me engando quando pensei que você fosse se tornar minha melhor amiga!

Rachel sai, respirando alto. Se ela não tivesse ido embora tão rapidamente, podia jurar que ouviria um som semelhante a um soluço baixo.

Ouço vozes no corredor, mas não consigo entender o que proferem, porque estão baixas demais. Afundo-me ainda mais no colchão e puxo a coberta com ainda mais vontade sobre mim. Maldito pesadelo! Maldito término de noite, na verdade. Penso que se a noite passada não tivesse terminado naquela situação confusa nada disso estaria ocorrendo. O desenrolar dos fatos, com certeza, seria outro. Eu já estaria acordada há tempos, já estaria arrumada para me apresentar de forma decente aos velhos amigos de Rachel e estaria muito animada para conhecê-los. Porém, agora... Apenas estou sustentando todo esse desconforto descomunal dentro de mim. Essa coisa esquisita que está se apoderando dos meus pensamentos e que me faz dizer coisas horríveis. Não acredito que não fui capaz de amenizar a situação. Poderia ter dito que me vestiria em cinco minutos e que nem ao menos precisaria de um bom café da manhã. Poderia ter dito que sentia muito por tê-la feito fechar os olhos na minha frente, em expectativa. Poderia, inclusive, ter dito que me sentia ridícula que tê-la deixado sozinha, de olhos fechados, e com uma imensidão de ansiedade impressa em seu rosto.

E tudo o que disse foi “Nem tudo é sobre você, Rachel”.

Eu mereço ser abandonada e renegada depois dessa. Exatamente como meus pais procederam comigo. Mereço esse tratamento mais do que nunca, reconheço.

Rachel deve me odiar. Não a culpo por isso. Eu mesma me odeio neste instante.

A vontade de continuar na cama é mais forte do que nunca. Não tenho motivo algum para sair daqui. Ninguém deve estar ansiando por mim. E tenho certeza de que tudo o que os Berrys querem é que eu fique o mais longe possível da filha deles. Quem não iria querer que uma pessoa horrível como eu, depois de tudo o que a fiz pensar e sentir e ouvir, ficasse longe de uma menina tão doce como Rachel? Consentir nossa aproximação seria como juntar almas opostas numa sala pequena.

Porém, uma hora mais tarde alguém me tira dos meus devaneios.

– Hey, querida.

É Hiram. Está vestido com um look despojado e, ao contrário do que achei, seu rosto está suave. Não parece estar me amaldiçoando mentalmente, nem maquinando um modo doloroso de me assassinar e fazer parecer acidente.

– Oh, olá – cumprimento.

– Talvez não seja uma boa hora, mas... Nada acontece duas vezes da mesma maneira, por isso vá atrás. A chance é sua. Se eu fosse você, colocaria um vestido que emane muito alegria e entraria no meu carro, para que eu a leve até o McKinley. O que acha?

Não consigo dizer nada por um momento. Esse cara é louco, ou o quê?

– Ela está bastante magoada – comento.

– Nunca o suficiente – ele me responde – Então, o que vai ser? Vai perder a sua manhã encarando o teto, ou vai mostrar que pode conseguir o que quer?

Mas o que eu quero, exatamente?

Hiram não explica e sai do quarto. Jogo o que me cobre para longe e procuro algo que se encaixe com a descrição do pai de Rachel. Escolho um vestido rosa-bebê florido – mas sem ser exagerado – e calço um sapato alto cor de salmão. Maquio-me muito rapidamente e estou pronta.

– Sr. Berry? – chamo-o, descendo as escadas.

– Você é igualzinha a ela – Sr. Berry sorri para mim quando me vê –, talvez um pouco menos persistente. Vamos, não temos muito tempo.

E não temos mesmo.

Tenho cinco mensagens perdidas ao longo de quinze minutos, todas do Kurt e com o mesmo dizer:


CADÊ VOCÊ????


Respondo depois de passar bastante tempo observando a paisagem de dentro do carro de Hiram:


CHEGANDO!!!!


Não obtenho mais nenhuma mensagem, o que me faz pensar que todos estão ocupados demais comendo torta doce e cantando canções de Parabéns.

– Não se esqueça de sorrir – Hiram me diz, assim que ele estaciona na entrada da escola – Primeiro andar. Mas os cartazes coloridos lhe guiarão, tenho certeza.

– Obrigada, muito obrigada! – não penso muito e o abraço apertado. Quando bato a porta do carro, ele me deseja boa sorte com as mãos.

O local está deserto. Não há indicação alguma de que existam pessoas transitando por aqui. Será que isso está certo? Será que Rachel não mencionou que a festa ocorreria em outro lugar, num restaurante, num salão distante? Não me recordo, por isso sigo em frente. Os cartazes! Preciso ficar atenta aos cartazes coloridos!

– Procurando alguém?

Viro meu corpo num átimo para o outro lado do corredor vazio. Ah, Rachel! Sinto vontade de dar pulinhos!

– Oi! Eu estava procurando... Você.

– É por esse lado – Rachel diz, indicando o final do corredor onde está. Ando até ela, e começamos a andar em direção à sala – Já estouramos o champanhe e Sam já distribuiu as fatias de bolo, mas ainda não houve nenhum pronunciamento nosso, ou do Sr. Schue. O que você está fazendo aqui?

Estou com medo de falar a coisa errada, mas tomo fôlego e digo a única coisa que sou capaz:

– Quero fazer parte de algo especial.

– Ahn, entendi.

Sua expressão e sua voz estão impassíveis. Não expressam nada. Noto que não há mais raiva, embora gostaria que mesmo se houvesse, que ela a expusesse para que eu entenda o que está acontecendo na sua mente.

– Não quero nos desunir – tento outra abordagem, uma que a obrigue a expelir suas emoções – Quero... Quero agradecê-la por ter me convidado para tudo isso.

Ela desacelera o passo. E então olha para mim. Seus olhos estão intensos – mais intensos que o normal.

– Eu entendo que você queira se sabotar o tempo todo, mas, por favor, não faça isso conosco. Porque se isso se repetir nunca vou perdoá-la, ouviu bem?

Sua voz, tal como seu olhar, está intenso. Está firme, apesar de polido. Não há raiva, apenas severidade. Penso que ela está me tratando como uma mãe que repreende seu filho. Ela não altera a voz, nem utiliza de qualquer artifício para me intimidar. Rache está sendo apenas... Rachel.

– Você tem a minha palavra – digo e repito o gesto de ontem. Pinky promise.

Rachel faz seu olhar recair no meu dedo, contudo não junta o dela ao meu. O que faz é retornar a caminhar. Livro-me do baque esquisito dentro de mim e a alcanço. Não falamos mais nada.

– Seja bem-vinda ao Glee Club – Rachel me diz, antes de abrir a porta da sala.

Estou ansiosa. Quero ver essas pessoas que fizeram parte do passado de Rachel, que a tornaram quem é, que a fizeram sentir-se especial. A decoração é toda colorida com confetes e balões e estrelas. Há pianos e instrumentos musicais em cantos específicos do recinto. O grupo é grande, talvez 10 ou 11 pessoas. Todos estão conversando animadamente e parecem reconfortados pelas presenças uns dos outros. Ouço gargalhadas masculinas e vozes femininas empolgadas.

– Hey, pessoal – Rachel chama a atenção dos que estão perto de nós – Essa é a Lucy.

Olhos curiosos me analisam. Vejo sorrisos calorosos e logo algumas mãos apertam as minhas, dizendo palavras de cumprimento.

– Espere... Você disse “Lucy”? – uma voz conhecida pergunta. Procuro a pessoa – Lucy? – o garoto se dirige a mim como se não pudesse confiar no que seus olhos veem.

Olho para ele. E para Rachel. Ela olha para mim.

– O quê? Você conhece a Lucy, Finn?

Oh, meu Deus. Finn Hudson. O meu “quase namorado”. Finn Hudson em Lima? Finn Hudson no clube musical da Rachel? O QUE DIABOS ESTÁ ACONTECENDO?

– Ela... Eu e ela... – Finn tenta explicar, mas palavras lhe faltam. Ele apenas fica ali balbuciando, olhando de mim para Rachel, sem acreditar direito.

E eu menos ainda.

E tudo fica muito pior quando um cara se adentra na sala e diz:

– Certo, eu não consegui roubar mais nada além disso. Quem vai querer?

Conheço essa voz também. Nunca, aliás, poderia me esquecer dela. Só por precaução olho para ele. Fico estática. Não, não, não. Eu estou no inferno, ou o quê? Isso daqui não deveria ser uma reunião de velhos amigos musicais, coisa e tal?

– Hey, Berry, quem é a sua am... – ele corta a frase na mesma hora – Quinn? Você não tinha ido para Nova York?

– Quinn? – Rachel especula, olhando para ele e para mim, alternadamente – Não, Puck, essa é a Lucy. Nós dividimos o loft com K...

– Não, Berry, essa é a Quinn – ele diz para a Rachel e, de repente, olha para mim sarcástico – Você tem uma nova identidade, e eu não fiquei sabendo disso?

E então eu saio correndo, sem nem olhar para trás. Tudo o que sinto é pânico e uma vontade imensa de vomitar o que quer que ainda esteja no meu estômago da janta de ontem.


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Notas finais do capítulo

O que acharam deste capítulo? Muitas emoções juntas, né? *-* Mereço reviews? Beijos!



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