Filhos escrita por Bellah102, CaahOShea


Capítulo 22
Capítulo 21 - Viva


Notas iniciais do capítulo

Começa a segunda parte da Fic!
Enjoy!



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Calley

Lá fora nevava. Era bom. O cheiro da neve encobria o do sangue de absolutamente tudo ao meu redor, pulsando como uma imensa artéria. A garganta parara de coçar, pelo menos por um tempo. Sentada em uma das poltronas do meu próprio chalé nas montanhas – Longe, terrivelmente longe do meu Roan – eu pude, pela primeira vez desde o início daquilo tudo, respirar. Não que eu precisasse, mas era bom...

Enquanto durou.

Ouvi os passos na neve e senti seu cheiro. Eu deveria ter ido embora, porque sabia que podia machucá-la. Mas no fundo, eu queria. Queria machucá-la, porque, a despeito de tudo, ela era dele. Quando senti os outros, eu tinha certeza. Aquela seriam as únicas pessoas que eu mataria e com prazer.

–Gabrielle.

Eu disse, sem levantar da minha poltrona, virada para a janela. Ela fechou a porta atrás de si com mais estrondo do que fizera ao entrar.

–Você... – Ela trincou os dentes e fechou os punhos – Me dê.

Um dos irmãos, o garoto, entrou no meu campo de visão. A mensagem era bem clara. Estavam cercando a casa.

–Lhe dar o que?

Perguntei, com um pequeno sorriso tranquilo. Não tinha medo. Desta vez, eu era a mais forte. Ouvi os dentes dela rangerem.

–Meu irmão. ME DÊ ANTES QUE EU ARRANQUE DESSA SUA BARRIGA ÚMIDA.

Respirei fundo, sentindo a vontade de rir. Minha gengiva doía, os caninos ávidos pelos híbridos pulsantes. Virei-me para ela, expondo os olhos vermelhos. Ela cambaleou, a respiração parou na garganta.

–Ele nasceu.

–Nasceu, sim. Desculpe decepcioná-la.

Guillermo

–Lucy... Tem algo errado.

Eu disse aflito. Preferia que Lucy tivesse ido no lugar de Gabe. Ou Anna. Ou Elise. Até mesmo eu teria ido no lugar dela. Gabrielle não era como nós. Ela não tinha nada para ajudá-la e mal conseguia se proteger. Fora feita para cuidar de bebês. Era como mandar o filhote para caçar ao invés da matilha.

Mas eu sou responsável por isso, fora o que ela dissera antes de entrar na casa com o ímpeto de um herói grego. Não olhou para trás. Eu tinha sentido uma faísca de orgulho, que se apagara por um balde de neve de temor.

–Assim que a mulher abrir a boca, nós a matamos. Gabrielle vai ficar bem.

Mas a conversa das duas lá dentro se calou de repente e houve um grande silêncio. Pela janela, eu não via mais nada. Ouvi a porta se abrir e deixei meu posto. Lucy fez o mesmo e todos nos juntamos à Anna que estava congelada na frente da porta em uma pose de ataque. Paralisamo-nos.

A mulher estava diferente, mais pálida, porém menos magra. Mais bonita até, talvez. Os traços estavam perfeitos, e as sardas pareciam ter sido retocadas. Os olhos estavam vermelhos e a única coisa mais vermelha que isso era o sangue que escorria da sua boca, pingando sobre a neve branca na soleira da porta.

Não percebi que gritava por Gabrielle até que Anna e Elise jogaram-se sobre a mulher, e Lucy me puxou pela mão para a floresta, montanha abaixo.

–Corra! Gabrielle já era! Precisamos K-Jo! Vamos!

Rosalie

Deep in the meadow... Under the willow...

Roan bocejou e fechou os olhinhos, a mãozinha forte se soltando da minha roupa. Sorri para ele, acariciando sua mão macia. Não é que eu não me sentisse mal pela situação de Calley... Mas eu não me importaria se ela ficasse longe para sempre.

–Ei Rose. – Chamou Emm da porta. Ultimamente ele vinha falando comigo de forma suave e não característica dele. – Ele já dormiu?

–Já. – Levantei os olhos para ele. – Dorme feito um anjinho.

Ele sorriu de leve.

–Preciso tirar o berço de perto da janela.

–Porque?

Ele foi até a janela, olhando lá fora como se procurasse por alguém.

–Os híbridos atacaram a cabana de Calley. Querem Roan de volta.

Apertei o bebê contra o peito, imaginando um dos híbridos selvagens que Calley descrevera entrando pela janela e tirando-o de mim. Emm empurrou o berço até o outro lado do quartinho e olhou para mim, sorrindo de leve.

–É hora da ação, baby. Não se preocupe. Ninguém vai mexer com o bebê.

Grace

Alguém, algum dia, em algum lugar, deve ter dito que a vida depende do seu ponto de vista. E se ninguém disse, eu estou dizendo. E não há ponto de vista melhor do que através dos olhos de um lobo gigante.

A terra era úmida e gelada contra a parte polpuda das patas. As garras, ainda pequenas, moles e desajeitadas como as de um filhote raspavam o chão, arando a terra. As cores eram brilhantes e úmidas, eram uma composição iluminada e cristalina. Eu poderia rolar nelas o dia todo e nunca me cansaria.

E os cheiros. Ah, os cheiros! A umidade os tornava quase uma coisa viva, cremosos e obtusos, difíceis de se identificar. Eu podia sentir o cheiro de um animal estranho à vários trotes de distância. Me pus em perseguição. Sentia o movimento de suas patas contra a areia macia da praia e animava-me a cada passo. Mal podia esperar por uma boa perseguição.

No fundo da minha mente, o irmão de alcateia parecia ter farejado uma presa parecida com a minha, que fugia. Boa sorte, irmão de alcateia.

Parei às beiras da floresta, observando o ambiente. Havia um covil forte feito de troncos. Eu sabia o que era e sabia que já tinha visto antes, mas meu instinto me mandava ficar longe. Ao redor do Covil de madeira, havia areia e o mar imenso a partir dela. E havia minha nova presa.

Ficava de pé em duas patas e tinha pelos apenas no topo da cabeça, dourados como o Alto Brilhante. Ele parecia irritado, chutando areia. Algo na sua violência me fez dar um passo atrás. Eu não queria que ele estivesse irritado. Queria o não-irmão-de-alcateia feliz, trotando e brincando. Balancei a cabeça, confusa. Não entendia aquela sensação.

Um fio se partiu. O irmão de alcateia sumiu. O alfa e a beta, tão distantes, sumiram. A pulsação da terra contra a almofada da minha para, o cheiro, as cores, o vento, tudo sumiu. E dos fios despedaçados surgiu uma amarra, forte grossa e intrincada. Ela me trouxe de volta, me despertou. Eu não era simplesmente um lobo. Meu nome era Grace Black. Era péssima em ballet, caíra de árvores mais vezes do que qualquer garoto e podia me virar sem um cara.

Acima de tudo, eu era dele.

Dei um passo à frente, na direção de Finn.

El uivou, do outro lado da ilha. Eu e Finn olhando naquela direção. Olhei para ele uma última vez e vi que ele me vira. Uivei de volta para El e trotei na direção dele.

–Isso foi TÃO INCRÍVEL! Eu nunca tinha me sentido tão viva.

Eu parecia uma criança de novo, vestindo-me na beira da floresta as roupas que El havia pego do meu quarto.

–Você ouviu uma palavra do que eu disse?! Angie nos viu!

–E daí, El? Eu me transformei! – Ri, maravilhara, enfiando a cabeça pela gola do moletom – Que cor eu era?

–Branca.

Ele respondeu reco, olhando ao redor. Mas ele não ia me pôr para baixo. Não hoje. Eu tinha meu próprio par de patas à mais e meu próprio imprinting.

Tentei passar a mão pelo meu cabelo para arrumá-lo, mas ele estava sujo e cheio de nós.

–Ugh... O que houve com o meu cabelo?

El olhou para mim com um sorriso divertido.

–Porque é que você acha que todos temos cabelo curto? Lembra das fotos na casa do vô Billy? O pai tinha aquela cabeleira medonha.

Ri, desistindo.

–É verdade. – Saí debaixo das árvores, olhando para a casa de madeira- Como vamos explicar aos Mikaelson sobre mim?

–Elijah e Louise sabem. Rebekka... Não acho que importe. Aliás, eles nem estão na ilha.

–Onde estão?

–Foram buscar Liz no aeroporto.

–Liz está vindo?! Porque ninguém me disse?!

Começamos a andar de volta para a casa. Ele passou o braço sobre o meu ombro. Eu já não me sentia tão pequena sob ele.

–Porque você estava ocupada morrendo numa cama e tudo o mais.

–Ah é. –Sorri de leve, voltando ao problema inicial – Tá. Finn, Kol e Angela.

El suspirou, olhando para o mar revolto sob o céu nublado.

–Sinceramente, eu acho que seria mais fácil contar à eles. Quer dizer, só há nós na ilha. Para quem eles poderiam contar?

–Não vamos ficar aqui para sempre, Elijah. E papai sempre disse que isso era um segredo de família. Sei que a mãe confia nele, mas será que nós deveríamos?

–Mas Grace, Angela é...

–Eu sei. Ela é o seu, mas você não é o dela. Eu sei o que é ser traído pela pessoa que você ama. E é o pior sentimento do mundo.

Meu coração não se apertou como sempre, eu percebi. Com um sobressalto, percebi que estava livre. Finalmente! Livre do seu fantasma, livre da dor, livre para viver a minha vida! Livre!

–E qual a alternativa? Você acordou bem, enxergando e sem dores? Angela nos viu, Grace! Ela vai contar para os irmãos. Você tinha que ter visto, ela estava aterrorizada.

Suspirei.

–Ok. Contamos à Angie e Finn. Kol é pequeno demais para guardar segredo. Vamos inventar alguma história.

Ele assentiu.

–Parece bom para mim. Hoje?

–Claro. Mas à sós. Eu conto à F e você à Angie.

–Por quê?

–Porque eu quero ficar um tempo à sós com o meu namorado sem estar morrendo, é crime?

Mostrei a língua para ele, subindo as escadas da porta lateral da casa.

No núcleo da sala, nos sofás, Finn e Kol tentavam fazer Angela dizer alguma coisa no meio do seu choro convulsivo. Soltei o ar, preocupada. Angie levantou o olhar, parando de chorar imediatamente, os músculos se tensionando. Medo. Minha melhor amiga tem medo de mim.

–Angie...

Tentei dizer, mas ela se levantou e fugiu para o nosso quarto antes que eu tivesse a chance de formular qualquer defesa, batendo a porta atrás de si. Suspirei e troquei um olhar com El. O trabalho dele ia ser muito mais difícil. Finn se levantou, me observando por trás de olhos semicerrados e desconfiados.

–Onde é que vocês dois estavam?! Grace, o que você está fazendo de pé?!

–Você tem uma máquina de cortar cabelo?

–Uma máq...

–Eu tenho! – Disse Kol, se pondo e pé e correndo para pegar a minha mão, me puxando para o corredor. – Mamãe gosta de cortar o meu cabelo bem curtinho.

Sorri de leve para Finn enquanto passávamos por ele e sua careta desconfiada.

Elijah

Eu sabia que Finn ia explodir para cima de mim então tratei de escapar da cena. Planejara jogar pedrinhas na janela de Angela até que ela abrisse, mas ela não estava lá. Escapara por entre os painéis de vidro.

Segui suas pegadas pela areia fofa e clara. O sol começava a despontar das nuvens, mas ainda choveria muito antes de voltarmos ao calor habitual. No continente essa chuva devia estar insuportável. Talvez devia ser por isso que a cidade se chamava Rio de Janeiro....

À frente, Angie seguia a passos decididos, levando um pedaço de pai da grossura do braço de Kol.

–Angie! – Ela apressou o passo, tentando manter distância – Onde você vai com isso?

–Para o cais! Assim que meus pais chegarem, eu vou voltar para o continente!

–E porque o pedaço de madeira?

Ela virou-se para mim, segurando a madeira como um taco de baseball, continuando a andar de costas, recusando-se a deixar que eu me aproximasse.

–É para manter você longe de mim.

Levantei os braços em sinal de rendição. Jamais imaginaria Angela agindo de forma tão violenta nem em meus piores sonhos. Precisava lembrá-la de quem ela era e mostrá-la que eu ainda era o mesmo. Angie, por favor...

Parei de andar.

–Deixa ver se eu entendi... Você vai embora e vai deixar a sua família para trás.

–Eles nunca acreditariam em mim...

–Então vai deixá-los, simples assim?

Sua expressão se endureceu novamente, como uma nuvem bloqueando o sol.

–Você os está ameaçando?!

–Não! Claro que não, Angie! Esse não sou eu, e você sabe! – Suspirei com o coração batendo forte no peito – Você sabe que essa pessoa em quem você está pensando não sou eu, Angie. Eu nunca machucaria ninguém.

Eu nunca machucaria você. Ela permaneceu no lugar, encarando-me com medo. As mãos na madeira começaram a tremer.

–Você não me contou?

Respirei fundo. Pelo menos ela estava ouvindo.

–Porque eu não devo contar à ninguém. É um segredo de família.

–De família? Então seus pais...

–Só o meu pai. E o meu avô, muito tempo atrás. E agora Grace.

Ela pareceu confusa.

–Então você não foi... Mordido, ou sei lá?

–Não. – Balancei a cabeça. – Você entendeu tudo errado. Nós não somos lobisomens, somos transfiguradores. É diferente.

–Mas... Mas... Você virou... Aquela coisa...

–Ei! Era um lobo! Eles são adoráveis.

–Quando tem um metro de altura de quatro e são criaturas irracionais.

–Desculpe se meu tamanho e intelecto intimidam você, mas eu pedi que você ficasse na casa. Eu não queria que você tivesse que saber assim.

Ela me encarou calada por um longo tempo, os olhos me examinando como se eu estivesse prestes a me atirar sobre ela e matá-la à qualquer momento.

–Dói?

–O que?

–A transformação. A dos lobisomens dói e a de Grace doeu. Qual a explicação?

Balancei a cabeça.

–Eu e Grace somos mestiços. Minha mãe é uma híbrida, com genes vampiros e meu pai tem genes transfiguradores. O veneno de um mata o outro. Quando os genes vampiros amadurecem eles começam a atacar os outros, querendo nos transformar porque somos parte humanos. Os transfiguradores contra-atacam. A parte mais forte se manifesta, é o que nosso bisavô diz. Aconteceu comigo e agora com Grace. Mas só dói na primeira vez. Depois normaliza.

Ela baixou o pedaço de pau, mas não se livrou dele.

–Como é que vou confiar em você depois disso?

Essa era fácil. Ou pelo menos, mais fácil que o resto.

–Eu nasci prematuro. Eu sempre fui o menor da classe, o mais provável de ser um nerd no ensino médio, com uma bronquite asmática e ossos que dava para ver através da pele. Depois da transformação, eu cresci. Minha saúde ficou perfeita. Eu comecei a fazer amigos de verdade, jogar futebol, fazer tudo o que um garoto da minha idade podia fazer. Eu sempre aprendi que ser um lobo era bom. E ainda havia todo aquele lance das lendas do meu povo, e as corridas e as caçadas...

–Caçadas?!

Perguntou, horrorizada, como se nada que eu tivesse dito tivesse importado.

–É. Não eram muitas. Só quando acampávamos. A questão é que isso se tornou parte de mim ao mesmo tempo que se tornou um segredo. O que você teria feito? Você teria contado a si mesma?

Ela pensou e pensou, mas balançou a cabeça, e deu de ombros.

–Eu não sei, El... – Ela limpou a garganta, como se falar fosse difícil. – Eu... Preciso pensar.

Ela pousou a cabeça sobre a mão, esfregando o rosto e passou por mim no caminho de volta à casa, arrastando o galho atrás de si. Cruzei os braços e soltei o ar que o nervosismo prendera dentro dele. Olhei para a trilha que a madeira deixava na areia.

–Que tal soltar isso aí?

–Não.

Ela disse simplesmente, sem olhar para trás.

Grace

Suspirei, passando a mão pelo cabelo agora curto.

–Bem melhor. O que acha?

Olhei para Kol, sentado sobre a privada fechada. Ele fez um retângulo com os dedos como se me focalizasse com uma câmera, então fez um bico “artístico” e assentiu.

–É. Bem legal. Você parece a Cher Lloyd.

–Jura? – Juntei os cabelos da pia e joguei-os no lixo levantando-me para olhar no espelho. Dei um risinho pouco característico meu. – Claro que não, Kol. Eu pareço eu mesma. – Entreguei a máquina à ele, olhando meu reflexo mais corado e vivo. Mal me lembrava da última vez que eu parecera tão saudável. – Finalmente.

Ele deu de ombros e pulou da patente para o chão, saindo do banheiro. Sorri para mim mesma e saí atrás de Kol. Finn estava encostado à parede do corredor, de braços cruzados, claramente me esperando. Sorri para ele, tentando colocar o cabelo atrás de orelha antes de me lembrar que não havia mais cabelo daquele lado da cabeça.

–O que você fez com o seu cabelo?

–Cortei. É um undercut. O que acha?

Ele analisou-me, coçando o queixo com a barba rala por fazer. Ele não tinha isso quando eu tinha perdido a visão. Ele virou a cabeça de lado, ponderando e por fim, assentindo.

–Acho que você podia pintar as pontas de azul. Ou verde. – Sorri e revirei os olhos. – Mas é, ficou bacana. O que eu não entendo...

–Eu vou explicar, prometo. Mas preciso que você prometa que não vai... Pirar.

–Pirar? – Ele riu, tenso. Assenti séria. Ele deu de ombros. – Tá, tanto faz. Eu prometo.

Estendi a mão na direção dele. Ele me dirigiu um olhar cauteloso, como se pedisse permissão. Sorri de leve, encorajando-o à ir em frente. Ele sorriu e segurou minha mão, com cuidado como se segurasse um passarinho ferido.

–Precisamos ir lá para fora.

Ele apertou minha mão de leve, tenso de repente.

–Não sei se é uma boa ideia... – Ele se aproximou e sussurrou – Tem alguma coisa lá fora. Eu vi hoje mais cedo. E depois Angie entrou, correndo e gritando. – Finn engoliu em seco e olhou ao redor – Eu sei que parece loucura, e que eles não existem no sul... Mas eu acho que aqui... Acho que aqui tem... Lobos.

Tive que conter uma risada.

–Tem mesmo?

Perguntei, como se falasse com uma criança. Ele fechou a cara em uma careta.

–É. Tem. Grace, eu sei o que eu vi. Não sou maluco.

Sorri para ele e puxei-o pela mão.

–Não se preocupe, eu protejo você.

–Eu suponho que você não esteja familiarizado com as lendas quileutes...

Comecei, tentando atrair a atenção de Finn, que olhava ao redor como se fôssemos será atacados por aquelas árvores tropicais.

–Eu devia?

Dei de ombros, subindo num tronco caído.

–É mais fácil quando você conhece a história.

Ele assentiu, distraído. Estava olhando em volta, com medo de que o lobo-eu nos atacasse.

–Vá em frente.

Fui até o fim do tronco em que me equilibrava e pensei por onde começar. O começo poderia assumir tantas formas... Pulei do tronco.

–Teoricamente, meu avô diz, os quileutes descendem dos lobos.

Ele ergueu as sobrancelhas, prestando atenção de uma hora para a outra.

–É mesmo?

–É. Reza a lenda que eles nunca perderam esses genes – Tirei o moletom, pendurando-o no galho mais próximo. – E um dia, surgiu uma raça estranha nas nossas terras. Algo que nunca tínhamos lutado contra antes. – Tentei soar como o vô Billy parecia, com aquela voz profunda e assustadora – Demônios de olhos vermelhos e pele fria.

Me escondi atrás de uma árvore e pendurei minha camiseta ao lado do moletom.

–Gray, o que está fazendo?

Sua voz tremeu. Quase tive vontade de rir. Eu tinha certeza que Finn era o tipo de garoto que não se oporia à uma garota tirando a roupa para ele na mata por vontade própria. Eu devia estar errada. Tirei a jeans.

–Os homens da tribo precisavam proteger suas famílias. Então eles recorreram aos seus ancestrais.

–Gray?

Estava nua e à uma árvore de distância dele. Isso era mais assustador do que devia ser.

–Lembre do que você prometeu. Não pire.

–Gray, o que...

Dessa vez foi fácil como respirar. Tudo se ajeitou tão rápido que eu mal pude sentir. Balancei o corpo todo, preparando-me e saindo detrás das árvores.

–Ah, merda. – Ele tropeçou para trás, nos próprios pés – Santo Deus, que merda! Puta merda!

Mostrei-lhe os dentes para que parasse de xingar. Ele engoliu em seco e calou-se, em pânico. Só então o cérebro pareceu volta à funcionar.

–A história... – Ele estreitou os olhos, olhando-me direto nos meus. Como os de El, deviam-se manter a cor natural – Grace?

Curvei-me para ele, como se me apresentasse. Ele permaneceu congelado no lugar.

–Como?

Dei de ombros o melhor possível. O que importa? Eu sou incrível e isso basta para mim. Ele se aproximou, cauteloso. Estendeu a mão na minha direção. Rosnei para ele para assustá-lo e ri, pulando no lugar, divertindo-me adoidado. Ele fez uma careta.

–Grace!

Dei de ombros e me aproximei para que ele pudesse tocar meu pelo. Com cuidado ele passou as mãos pelo meu cangote.

–Você deve cantar She Wolf na sua cabeça o tempo todo, não é?

Bufei, lambendo meu focinho.

Uau, Finn, esta foi tão engraçada que eu até me esqueci de rir.

–Posso montar em você?

Acertei-o com a minha cauda e pulei para longe.

Eu tenho cara de pangaré por acaso?

–Por favor, Gray, vai ser tão legal!

Para você, que vai estar em cima. Mas nem morta. Corri para o topo de uma colina, olhando para trás, para ele. Se quiser montar em mim, vai ter que me pegar primeiro.

Disparei, ouvindo-o me perseguir. Corremos sob a lua ascendente, e sob as nuvens esbranquiçadas. Ele passou muito perto de me alcançar várias vezes com seus truques espertinhos, até que o despistei e me perdi dele. Encontrei uma clareira e deitei sobre a grama, esperando.

Finn surgiu, exausto, longos minutos depois. Riu e depois se jogou na grama macia e úmida ao meu lado. Deitei a cabeça ao lado da dele, tranquila. Aquilo era ainda mais divertido do que eu sempre achei que seria. Ele brincou distraidamente com a pelagem branca da minha cauda.

–Era por isso que Angie estava tão assustada? – Assenti, bocejando – É, ela sempre teve medo de lobos.

Queria lhe perguntar porque, mas o carinho de Finn me distraía. Eu me sentia um filhotinho ao lado de uma lareira em uma noite fria de neve.

O uivo de El rasgou o ar, chamando-me de volta para a casa.

A Liz chegou! Venha!

Cutucou a cabeça de Finn com o focinho e me pus de pé, sacudindo o pelo e uivando de volta.

Estamos indo!

Finn se levantou, tirando a grama da roupa e se apoiando em mim. Parecia ter dificuldade em manter as mãos afastadas do meu pelo macio de filhote.

–Quem... El?

Assenti, trotando à frente.

–Toda a sua família é? Lobo, quero dizer. Menos os vampiros, é claro.

Balancei a cabeça. Meu hibridismo era uma história grande demais para mímica de lobo. Fui na frente até encontrar minhas roupas e encontrei Finn logo mais na trilha. Sorri de leve e estendi a mão para ele. Ele sorriu de volta e alcançou minha mão.

–Sabe que não vai poder dizer isso para ninguém, não sabe? Ninguém mesmo.

Ele levantou uma das sobrancelhas.

–Sabe que eu nunca mais vou calar a boca sobre isso, não sabe?

Dei de ombros.

–Imaginei.

–Liz!

–Grace!

Ela se virou e abriu os braços para mim e soltei a mão de Finn, correndo na direção dela. Havia poucas pessoas no mundo com um abraços tão gostoso quanto o de Lizzie.

–Hum... Que saudade... – Ela me afastou- Nós estávamos tão preocupados com você! Disseram que você estava doente!

–Ela estava – Disse Angela, de braços cruzados sobre a bancada da cozinha – E bem sério.

Lancei um olhar irritado para ela e ela respondeu-me. Pelo jeito, a explicação de El tinha sido tão boa quanto a tentativa dos meus pais para explicar para El como eu tinha ido parar na barriga da minha mãe. Lembrei-me do que Finn dissera: Angie sempre teve medo de lobos. Voltei a olhar para Liz, que segurou meu rosto entre suas mãos.

–Olhe seu cabelo! Está tão bonito! – Ela deu um dos seus risinhos – Nós duas temos muito o que conversar...

Assenti.

–É, temos.

Ela me dirigiu um sorriso cúmplice.

–Eu odeio quando essas duas fazem isso.

Sussurrou Bruce para Elijah – o Sr. Mikaelson – que riu. Olhei para ele e sorri, batendo continência.

–Soldado, permissão para abraçar.

–Concedida. Vem cá, pequenininha.

Pulei para abraçá-lo, rindo.

Gabrielle

Eles me deixaram trancada no quarto por dias.

Tentei fugir, naturalmente, mas havia sempre pelo menos um deles do lado de fora da porta e aqueles monstros peludos pela janela. Eles me alimentavam 3 vezes por dias, o que achei meio exagerado, mas em compensação, nada de sangue. Sem contar o tédio absoluto em que fiquei imersa, mesmo que tivesse muito com o que se ocupar. Não queria nada deles.

A porta se abriu de repente, no meio do dia. A figura agora esguia de Calley entrou na sala. Já não parecia a coisinha indefesa que o pai escolhera como concubina, que passava seus dias lendo ou jogando jogos no porão das mulheres do pai. A imortalidade lhe caía... Perfeitamente.

Não trancaram a porta depois dela entrar e ela sentou-se sobre a poltrona perto da janela.

–Gabrielle.

–Calley. - Sentei-me na cama, apoiando os cotovelos nos joelhos dobrados. -Então você sobreviveu à criança... Impressionante.

Ela sorriu de leve.

–Sim. Sobrevivi. Mas você não parece feliz por mim.

Cuspi no chão.

–Preferia que tivesse morrido, como a minha mãe e todas as outras. Era o seu dever!

Ela fechou as mãos em punhos. Vi as pupilas sobre as íris vermelhas se dilatarem e me encolhi. Talvez devesse ter mais cuidado.

–Eu nunca assinei nada! Nunca escolhi nada disso! Eu era uma refém. Meus únicos deverem eram escapar e proteger o meu filho, e é isso o que eu fiz!

Encarei minhas mãos, trincando os dentes. O pai a destruiria tão facilmente por essa insubordinação toda...

–É um menino?

–É. – Ela respondeu, respirando fundo – O nome dele é Roan.

–Deu nome à ele?! Isso é tarefa do pai!

Ela mostrou as presas em sinal de ameaça.

–Seu senso de dever é muito forte para quem odeia a família...

–O quê? – Ela não estava errada. Não de todo. – Não odeio minha família!

Ela tirou um pequeno objeto do bolso. Meu gravador.

Isso aí é meu, vadia.

Calley sorriu, sem mostrar a irritação de antes.

–Você tem medo do seu pai, está apaixonada pelo seu irmão, que pode muito bem ser homossexual. Uma de suas irmãs parece ter assumido a missão de fazer da sua vida um inferno e é outra é tão perfeita que faz você se sentir horrível. Isso sem contar com o fato de todos se acharem superiores à você e todos os seus outros irmãos, seja lá onde o seu pai os tenha enfiado.

Fiz uma careta, mostrando-lhe os dentes. Queria mordê-la, arrancar sua cabeça, queimá-la. Mas ela estava certa. E isso era o pior de tudo.

–Eu os amo. São minha família. São a única que eu tenho.

–Eu sei, querida. Eles sempre vão ser a sua família. Mas eles não são seus donos. Há uma opção. Você não precisa fingir que é um deles para ser amada.

–Fingir?

–Você não é um deles, Gabrielle. Sabe disso. Cresceu com amor. Com crianças, como uma família de verdade. Você não é uma assassina.

Senti os olhos arderem. Nunca tinha me sentido tão sozinha. Era como se a vampira me tivesse nua, à sua mercê. Sabia de todos os meus pensamentos e segredos. Eu não devia ter trazido aquele maldito tradutor comigo. Mas imaginei que enquanto estivesse com meus irmãos, eles me protegeriam. Mas não tinham feito nada.

–Qual a opção?

Ela veio até a beira da cama e se ajoelhou para falar comigo, como a mãe qe eu nunca tivera e sempre sonhara.

–Fique. Comigo e com Roan. Nós podemos ser uma família de verdade.

Balancei a cabeça instantaneamente.

–Não. O pai me mataria e ao menino também. – Eu me recusava à dizer o nome que aquela rebelde tinha dado ao meu irmão - Nós não seremos o elo fraco!

Gritei, tapando os ouvidos. Ela precisava parar! Parar de me envenenar com todas aquelas mentiras amargas. Ela suspirou e se pôs de pé. Pousou a mão fina sobe o meu ombro. Era fria como a do pai.

–Tudo bem. Você pode pensar. Não vai sair daqui tão cedo.

Senti o estômago queimar.

–Eu quero... Eu quero ver meu irmão. Eu quero ir vê-lo.

Ela assentiu, sorrindo de leve.

–Ele também quer te ver. Ficou pedindo o tempo todo.

O quarto de Roan era bonito, amplo e bastante branco. O tipo de lugar que poderia pertencer ao filho de uma celebridade. O tipo de lugar que eu sempre pedia ao pai para construir para os bebês que eu cuidava.

Havia mais deles no quarto. Um homem grande de cabelos grandes e um menor e de aparência ameaçadora, cheio de cicatrizes de batalha. Acho que meu pai pouparia esse aí. Para se divertir um pouco. Uma mulher loira me olhou de cima, com uma expressão de ódio, assim como a transfiguradora de braços cruzados no canto. Não queria saber no que ela se transformava.

–Roan. Pode vir aqui um segundo?

Chamou ela, olhando para dentro do closet. Ouvi o som de roupa arrastando no chão, a suave sinfonia do engatinhar, a grande aventura dos bebês pequenos.

Por fim, ele veio. Já devia ter 2 semanas (parecia ter quase 3 anos). O cabelo louro pálido caía-lhe como a testa, o que fazia com que eu tivesse a vontade de colocá-lo atrás de orelha. Os olhos eram claros sobre as bochechas rosadas e gorduchas. Roan era o bebê mais saudável que eu já vira, e talvez o mais fofo, quase empatado com Buck, filho daquela detestável australiana.

Meio abobalhada, acenei para ele.

–Oi.

–Ele não fala ainda – Disse a loura, atraindo a atenção de Roan. Não desviei os olhos dele. – Só balbucia.

De qualquer modo, ele acenou de volta para mim com a mãozinha gorducha, sentando-se sobre a fralda.

–Isso não está certo. Híbridos começam a falar entre o oitavo e o décimo segundo dia. Quantos dias ele tem?

–Dezesseis.

Respondeu a transfiguradora prontamente. Cruzei os braços.

–Isso está errado! O que fizeram com ele?

–Nós não fizemos nada!

Respondeu a loira, exibindo os dentes. Roan recuou, arrastando-se pelo carpete. Olhei para trás, esperando o suporte de Calley, mas ela estava do outro lado do corredor, com os lábios apertados e os braços cruzados, olhando diretamente para Roan com um olhar triste. Trinquei os dentes e me ajoelhei no carpete. Todos os olhos me encaravam.

–Roan. É hora de falar. Pode dizer Gabe?

Ele balançou a cabeça, a mãozinha alcançando a perna da vampira loira ao lado do berço.

–Não pode ou não quer? – Ele voltou a balançar a cabeça, sem esclarecer minha dúvida. – E se fizermos um acordo? Eu te dou uma coisa que você quer muito e você diz Oi. Está bem para você? O que você quer?

Ele retornou aos quatro apoios, arrastando-se para perto de mim. Todos os olhos seguiram-no. Ele sentou-se nos calcanhares e envolveu minha cintura com os bracinhos.

–Oi.

Disse, baixinho.

Grace

–Angie? – Chamei, no beiral da porta, espiando-a arrumar a cama, trocando os últimos lençóis suados. Ela olhou para mim, o azul ardendo como chamar – Posso dormir na cama hoje?

Ela soltou o ar como se não pudesse acreditar que eu estava fazendo piada e jogou o lençol sujo no cesto trançada de vime de roupa suja. Andei até a cama, estendendo a mão para ajudá-la, mas ela quase me atropelou, claramente mostrando que não precisava – e não queria – ajuda. Suspirei.

–Olha, o El é um idiota. Se ele não conseguiu explicar as coisas direito, se você ainda está assustada...

–Eu não estou assustada, Grace.

–Você está mentindo.

–Você não me conhece.

–Te conheço melhor do que você imagina. E nem precisaria. Suas mãos estão tremendo. Você está com medo de mim.

Ela respirou fundo, escondendo as mãos.

–Você não entende, Grace, eu quero entender, mas eu não consigo... Eu simplesmente... Eu não...

–Você está errada. Eu entendo muito bem. Você acha que somos monstros. Tudo bem. –Peguei meu travesseiro, sentindo os olhos arderem. – Eu vou dormir na casinha do cachorro, onde eu pertenço. Não se esqueça de jogar um osso para mim de vez em quando, quando achar que eu mereço.

Caminhei até a sala, onde Liz e Bruce conversavam em voz baixa, abraçados. Ela se virou quando me viu, sorrindo cansada.

–Tudo bem, Gray?

–Angela está sendo uma idiota. Vou dormir no sofá.

–Tem certeza?

–Tenho, tenho sim. Boa noite para vocês.

–Boa noite.

Joguei o travesseiro sobre o sofá macio e deitei-me sobre ele, exausta.


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