Filhos escrita por Bellah102, CaahOShea


Capítulo 23
Capítulo 22 - Apaixonados


Notas iniciais do capítulo

Há exatos 3 anos atrás, eu estava postando A Casa de Klaus, uma das minhas melhores fanfics e, sem dúvida, o que me incentivou a continuar escrevendo e procurar minhas próprias histórias ao invés de complementar a dos outros.
Sei que faz mais de um ano que não posto aqui. Sinceramente, quando vi que poucas das leitoras de CdK estavam gostando da história que eu julgo ser até melhor que a original, eu meio que me afastei do Nyah! embora contiuasse escrevendo. Tenho, pelo menos, mais 5 capítulos escritos. Se vocês quiserem, só peçam. Eu só queria comemorar o aniversário dessa coisa linda!
Um beijo grande e boas festas!



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–Você tem que estar brincando. Quanto tempo faz que você está aí me encarando?

Perguntei, ainda de olhos fechados.

–Não muito. Você é bem menos zangada quando está dormindo.

–Não muito. - Senti o hálito fresco da escovação de Finn perto do meu rosto e empurrei-o para longe, virando-me de costas para ele – Não. Eu não faço manhãs. Não mesmo.

Ele riu, apoiando a nuca no sofá.

–Porque dormiu aqui?

–Sua irmã é lupofóbica.

–O que?

–Tem fobia de lobos.

–Isso é uma palavra?

–Deve ser.

Ele riu baixinho, mas o riso morreu logo.

–Você vai ter que perguntar à ela. Ninguém sabe exatamente porque ela tem tanto medo. E se sabem, não falam sobre isso.

Suspirei.

–Conheço a sensação.

Lucy

Entramos no depósito abandonado com o mesmo silêncio denso que mantivéramos durante toda a viagem de volta para o Canadá. Nenhum de nós queria imaginar o que o pai diria se descobrisse que perdêramos sua Incubadora. Devíamos apenas resgatar a criança, não perder a menina.

Ouvimos os gritos das crianças no andar de cima, coordenadas como sinos tocando. Eu os odiava. Era perda de tempo treiná-los. Eram apenas iscas, algo para se jogar na frente do oponente para poder atacá-lo pelas costas. A seleção natural escolhia os mais fortes e havia escolhido à nós quatro – eu, Guillermo, Anna e Elise. E os filhotes mais fracos morriam. Era como sempre havia sido.

–Kaleb Jonah, desça aqui neste instante.

Gritei. K-Jo ocupava um cargo logo abaixo dos nossos na hierarquia. Nascera no Egito e fora treinado no Oriente Médio à perfeição. Ele ensinava os filhotes fracos. Apesar disso, eu o odiava pouco ou nada. Admirava sua paciência – embora não tivesse muito mais que eu.

–Irmãos. – Ele disse, descendo a escada com um meio sorriso. As tranças estavam presas no topo da cabeça – A que devo o prazer da sua companhia?

–Há um bando de cadáveres que precisa aprender o seu lugar no jogo do pai.

Ele sorriu instantaneamente.

–Será feito, جمل. – Ele sempre me chamava disso, e eu imaginava que devia significar algo como chefe, magnífica, ou gatona. Só então ele pareceu perceber o elefante na sala – Onde está Gabe? As crianças estão perguntando.

–Ela logo estará aqui. Prepare as tropas. – Ordenou Guillermo, sem paciência – Duas frentes. Eu tenho um plano que vai ensinar aqueles idiotas com a família de quem eles estão lidando.

Gabrielle

Roan progrediu, embora não muito, já que não me deixavam vê-lo mais de uma hora por dia e nunca sozinha. Ele tem uma rotina, diziam. Não confiamos em você. Era o que eu sabia que queria dizer.

Eu passava longas horas no quarto sozinha, perdida em pensamentos. Não queria seus livros, seus computadores e nem mesmo olhar pela sua janela. Só comia da sua comida o suficiente para viver. Me fechava dentro de mim, esperando até o momento de ver meu irmão novamente. Ele era a minha missão de vida. Cuidar de crianças eram o que eu fazia.

Enquanto os dias passavam, comecei a acreditar lentamente nas palavras de Calley. E se, durante todo aquele tempo que eu passava com eles esperando pelos bebês nascerem, eu estivesse mesmo fingindo? E se eles estivessem fingindo? Eu não gostava de me iludir, mas no fundo, apesar de todo o desprezo e olhares de lado, eu acreditava que eles gostavam de mim. Que apesar de todos os meus defeitos, apesar de eu não ser importante ou poderosa como eles, eles me protegeriam. Porque no fim éramos uma família.

Mas eu estava sozinha. Não tinham vindo me buscar, não tinham impedido Calley de me levar. Provavelmente só arranjariam uma nova Incubadora. Era isso o que o pai fazia. Ele substituía o que não tinha mais uso.

Abracei a mim mesma, sentada na cama macia deles.

–Se escolher ficar, o pai vai me matar, mais cedo ou mais tarde. Se eu me negar, eu vou ficar aqui para sempre.

Enfiei as unhas na carne nas minhas panturrilhas, tentando pensar em algo além daquele sofrimento bobo. O pai teria vergonha de mim se pudesse me ver agora. De repente, senti o horrível – porém familiar – arrepio de ser atravessada por outro corpo.

–E... Elise?

Perguntei, sussurrando, piscando sem acreditar.,

–Sh. Os cães imundos sentem o meu cheiro.

O silêncio encheu o quarto de forma ensurdecedora.

–Elise?

–Escute, Gabe. Só vou dizer uma vez. Precisamos da sua ajuda para tirar você daqui.

–Eu vou ficar.

Disse, quando Calley veio naquele dia, antes mesmo que ela terminasse de fechar a porta.

–O quê?

–Eu vou ficar. Com você. E com... Roan.

Ela uniu as sobrancelhas.

–O que te fez mudar de ideia?

–Eu... Eu só não quero ficar sozinha.

Calley sorriu, parecendo convencida e abriu os braços para um abraço. Sorri de volta e caminhei na sua direção, deixando –me ser envolvida pelo frio marmóreo do seu corpo.

Traidores devem morrer, Calley Ginger. Traidores devem morrer e você não será uma exceção.

Leah

Roan apontou para a árvore, para o pássaro que o encarava de volta, curioso. Desde que a sua irmã nervosinha começara a ensiná-lo a falar, ele queria saber o nome de tudo o que via.

–Aquele? É um tordo.

–Tordo.

–É. Bonito, não é? Está em cima de um salgueiro.

Ele enfiou a mãozinha enluvada sob a touca e coçou a cabeça.

–Bonito?

–É. Bonito.

Às vezes era difícil saber se Roan pensava o que dizia ou se simplesmente repetia o que ouvia. Ele soprou os poucos cabelos louros da frente dos olhos, parecendo nervoso de repente.

–Mamãe?

–Ela está lá dentro. Com a sua irmã.

–Ah. Rose?

–Lá dentro também.

–Ah. – Ele se pôs de pé nas botinhas minúsculas e limpou a neve das calças pulando da escada para o chão, saindo debaixo da cobertura da varanda. Estava prestes a chamá-lo de volta quando ele se virou para mim tentando lamber um floco de neve do nariz. Quando o floco derreteu, ele me olhou e estendeu a mão. – Vem?

Assenti e me pus de pé, estendendo a mão para ele.

Gabrielle

A casa virou de repente um mar de oportunidades por todo o lado agora que eu havia conquistado do perdão dos inimigos do meu pai. E embora eu pudesse desembestar à qualquer momento, eu sabia que devia ser paciente. Além do mais, os imortais pareciam apreciar a minha companhia, tanto quanto à de um deles, embora eu não falasse muito mais do que falava em casa. Eles estavam sempre sorrindo de lado nos corredores.

Os híbridos, porém, eram os mais reservados. Olhavam para mim com o canto dos olhos, sussurravam e apertavam o passo. Era só eu entrar que eles esvaziavam a sala, sem nem se incomodarem em dar uma desculpa válida. Não foi diferente naquele dia quando a híbrida de cachos cor de cobre fugiu no meio de uma frase, como se precisasse vomitar. O imortal que ficou, o de feições parecidas às dela, soltou o ar.

–Ela está bem. Só tem medo.

–De mim? Eu mal tenho quatro anos.

–Não de você, não. Do seu pai.

Sorri de leve.

–Meu pai é temível, é verdade. Mas eu não.

–É difícil para ela acreditar – Ele se encostou contra a beirada da mesa. - Ela já foi traída pela família de alguém de quem ela gostava muito. Além do mais, ela e o seu pai têm... História.

Ergui a sobrancelha, me recostando à batente da porta.

–História? Deixe-me adivinhar. Ele a estuprou.

Ele assentiu.

–E tentou matá-la.

Sorri de leve.

–Não, não tentou.

–Sei que é difícil duvidar da nossa família, mas...

–Senhor, eu sei que ele não tentou. Meu pai não tenta matar. Ele mata. Se Scott Farley quisesse a sua híbrida morta, morta ela estaria.

Ele ficou em silêncio, olhando nos meus olhos como se quisesse me atravessar como Elise fazia e me ver por dentro.

–Você realmente acredita nisso.

–Acredito.

–E sobre o fato de você ter ficado ao nosso lado? Não acha que ele vai te matar?

Dei de ombros, tentando ficar fria.

–Nós, seus filhos, somos criados como soldados. Não temos medo de morrer.

–Todo mundo tem medo.

–Eu não.

–Seus irmãos, não. Você sim.

Uni as sobrancelhas, assombrada.

–Você está...

–Lendo seus pensamentos? Sim. Sua mente é realmente um lugar fascinante.

Trinquei os dentes.

–Saia.

Ordenei. Ele deixou a cabeça pender para um lado, o olhar triste.

–Não posso. É o que eu faço. Não posso desligar.

Comecei a tremer.

–Então você sabe.

–Sei. Soube quando Elise entrou na casa. Todos já sabem. Já estão prontos para o ataque.

Senti as costas tensas. Estava em uma corda bamba, espiando o abismo. Tinha que ter cuidado.

–Porque não estou presa?

–Os híbridos queriam. Mas eu intervim por você. Vi quem você é, Gabrielle. Eu vi o que você quer. Tudo o que você sempre quis e nunca pôde ter. Você só quer se sentir especial e pertencer à algum lugar. E eu quero que você saiba que, independente da sua escolha, você poderia pertencer à esse lugar. – Ele cruzou os braços, desencostando-se da mesa – Eu sei como você nos vê. Como cuidamos uns dos outros. Isso é família, Gabrielle.

Senti os olhos arderem, peguei uma almofada e joguei longe.

–Isso não é justo!

–Não, não é.

–Porque vocês ficam fazendo isso comigo? Porque comigo? Eu nunca pedi por nada disso! Não pedi para que vocês viessem me resgatar! Porque eu?

–E porque não?

Ele deixou a sala sem dizer mais nada. Olhei sobre a mesa para uma pilha de cartas. Fui até ela, distraída. Os envelopes ainda estavam sem selos para serem enviados. Tentei não pensar muito enquanto enfiava o envelope sob o casaco.

–Rio de Janeiro. Quem diria?

Finn

–Posso te beijar?

–Você vai perguntar todas as vezes?

–Vão ter outras vezes?

Grace revirou os olhos.

–Você é um idiota, sabia?

–Você gosta.

Ela pousou um dedo sobre os lábios.

–Não espalha, sabidão.

Ela se aproximou e eu segui a sua deixa, fechando os olhos. Má ideia. Nossos narizes se encontraram de frente. Gray pulou para o outro lado do sofá.

–AH, ISSO É SÉRIO?! Você TEM que estar brincando comigo!

Ela disse, esfregando o nariz dolorido. Sorri, envergonhado.

–Eu disse a você que você era minha primeira.

Grace revirou os olhos, voltando para perto.

–Eu tenho que ir para um lado e você para o outro, entendeu, esperteza?

–Tá, entendi. Estou pronto.

Ela voltou a se aproximar. E quanto mais se aproximava, mais nervoso eu ficava. Para que lado ir, para que lado ir? Tentei ir para a direita, mas ela foi para lá também. Nós desviamos para a esquerda e quase nos encontramos lá.

–Finn, não.

Ela enfiou a mão na minha cara, empurrando-a para longe dela.

–O que foi? Eu juro que ia acertar agora.

–Você está tentando demais. Não é assim que funciona. Acabou com o clima.

Soltei o ar, decepcionado. Ela se apiedou de mim, passando a mão pelos meus cabelos.

–Okay, okay. Feche os olhos e respire fundo. Você vai conseguir da próxima vez.

Fechei os olhos, seguindo seu conselho e tentando esfriar a cabeça. Estava estragando tudo, mas que droga! Eu tinha que... Tinha que... Hum... Isso é interessante. A mão de Grace subia pela minha nuca, arrepiando os cabelos curtos. Senti o calor de quando ela se aproximou, os seios esfregando de leve no meu ombro. O nariz pequeno roçou minha bochecha e os lábios deixavam uma linha queimada pelo meu rosto.

–Relaxa, F. Deixa fluir.

Deixei minha mão tocá-la. Não sabia se devia, mas deixei mesmo assim. Ainda de olhos fechados percorri o caminho do seu ombro até a mão livre, brincando com seus dedos. Minha boca procurou a dela, como ímãs de polaridades iguais, atraindo uma à outra.

Ela era macia e tinha gosto de luz do sol. Minha mão foi na direção do seu rosto, enredando os dedos no cabelo escuro, no que restava dos seus cachos. Senti seu sorriso quando ela se afastou e apoiou a cabeça no meu ombro, beijando meu pescoço uma última vez.

–É só isso, babe. É isso o que eu quis dizer.

Envolvi as mãos ao redor da sua cintura, desejando que ela não se afastasse.

–Grace Black, apresente-se à varanda.

Disse Bruce, o militar, de brincadeira, vindo lá de fora com o cabelo encaracolado molhado e a toalha ao redor dos ombros, indo na direção do quarto que agora dividia com Elisabeth. Gray suspirou, soprando o cabelo dos olhos.

–Sim, senhor. Minha irmã quer fofocar. Não me espere acordado.

Ela soprou um fio de cabelo do meu rosto e levantou, saindo da casa. Sorri, olhando para minhas mãos. Entrelacei-as atrás da cabeça, deitando no sofá.

–Nada mal. Nada mal mesmo.

Grace

Lizzie estava jogada em uma espreguiçadeira, com um short curto e uma regata branca, olhando para o mar através dos óculos escuros e do chapéu de palha. Era como se tivesse passado o verão inteiro ali. Olhou para mim, sorrindo e sinalizando que eu me sentasse na espreguiçadeira ao lado dela. Sentei-me com um suspirou baixo.

Ela subiu os óculos escuros com uma pergunta silenciosa. Dei de ombros.

–Ele me faz bem.

Eu disse, sorrindo de forma boa. E era verdade. Mesmo sendo provavelmente o beijador mais atrapalhado da história, sua presença me fazia esquecer daquele que me tinha feito mal. Liz sorriu de volta.

–É muito bom saber disso, Gray. – Ela puxou de leve meu cabelo, me provocando. – Você parece bem feliz.

–Feliz por estar viva, eu acho.

–Então...

–É. Deu tudo certo. Eu sou branca, aliás.

Lizzie riu.

–Eu sabia.

–O que? A minha cor?

–Não. Que a primeira coisa que a minha irmãzinha artista ia reparar quando se transformasse seria a cor do seu pelo.

–Bom... Tem muitas cores envolvidas em ser um lobo... Como por exemplo, nada de comer neve amarela.

Ela revirou os olhos e suspirou, cruzando as mãos sobre o colo, voltando a olhar para o mar. Observei-a. Ela parecia ser a mesma de sempre, embora, de algum modo, diferente. Como eu não sabia dizer.

–O que houve no continente, Liz? Porque você veio?

Lizzie respirou fundo, como se fosse mergulhar, sem olhar para mim.

–Eu queria ficar com a mamãe. Queria acabar com Scott de uma vez por todas, e parar de viver com medo, mas... De repente, não era mais só eu quem importava.

Uni as sobrancelhas.

–Está falando de Bruce? Eu achei que...

Ela balançou a cabeça, interrompendo minha frase pela metade, finalmente olhando para mim. Os olhos estavam úmidos, como os de uma corça.

–Estou falando do meu bebezinho.

–Do seu... Bebezinho?

–É – Ela confirmou, passando a mão sob a barriga lisa – Do meu bebezinho.

Arregalei os olhos e tapei a boca.

–Ah, meu Deus, Liz!

Ela riu e se sentou de frente para mim na espreguiçadeira, sorrindo.

–Eu sei, eu sei. Não é?

Quase voei de cima da minha espreguiçadeira para abraçá-la apertado.

–Hum... Eu vejo um abraço...

Elijah apareceu na porta da casa. Olhei para ele.

–El! Você vai ser tio!

Ele arregalou os olhos.

–Mas Gray! Você e Finn já...

Revirei os olhos.

–Irmã errada, idiota.

Embaraçado ele veio abraçar a nós duas com os braços gigantes. Abracei os dois de volta, sentindo o calor entre nós. Não havia nada no mundo como estar com a minha família.

Finn

Acabei indo para fora, deitar-me em uma das redes da varanda de trás, balançando-me de leve com a ponta do pé.

–Finn? Tudo bem?

Olhei para a porta de onde meu pai estava me espiando, aparentemente desconfiado.

–Sim. Por quê?

–Você estava... Sorrindo.

Bufei, divertido e acenei para que ele sentasse em uma das cadeiras ali perto.

–Só estou de bom humor. Não é contra a lei.

–Não, não é. – Ele sentou-se na cadeira e apoiou as pernas na pequena mesa de centro. –Ainda bem que contaram a você.

Sorri tranquilamente. Sentia-me flutuando numa nuvem.

–Ela me faz bem.

Papai sorriu de volta.

–É, eu estou vendo. É bom. Fazia tempo que eu não te via tão feliz, meu filho. – Ele pousou a mão sobre meu joelho. – É muito bom mesmo.

Dei de ombros.

–Acho que eu nunca percebi que era tão rabugento.

–Não se preocupe. Ninguém percebeu.

–Mentiroso.

Ele balançou a mão a frente do rosto, como que para afastar a palavra.

–Não tem problema, campeão. Eu sei como é. Eu já estive lá. Onde você estava.

Uni as sobrancelhas.

–Ah é?

Meu pai se recostou na cadeira. Embora mantesse o tom casual, pude ver sua tensão. Estava cruzando terreno perigoso e sabia disso. Papai nunca falava da vida dele antes da faculdade, onde ele conhecera minha mãe.

–É, eu já fui jovem. Eu sei como é tudo: Uma família diferente das outras, toda a mudança o tempo todo... Até um primeiro amor platônico. Já estive lá.

Sorri de leve, imaginando meu pai jovem. Não era muito difícil, na verdade. Ele ainda tinha a mesma aparência.

–Como foi?

Ele riu, balançando a cabeça.

–Se eu contar, você não vai acreditar.

–Tente.

–Foi com a mãe de Grace.

–Sra. Black?

Ele assentiu.

–Era um momento muito ruim da minha vida, golfinho. Foi tão arrebatador que eu não percebi que era um erro.

–Você está tentando me dizer alguma coisa?

Ele balançou a cabeça.

–Não. De forma alguma. – Ele pareceu perder o olhar no nada. – Isso foi só o seu pai se lembrando de umas coisas ruins...

Assenti, tenso. Ficamos em silêncio, perdidos em pensamentos. Era sempre assim entre meu pai e eu. Nunca parecíamos estar no mesmo universo ao mesmo tempo.

–Pai?

–Hum?

–Por que a Angie tem medo de lobos?

Ele respirou fundo.

–É por causa de quando fomos visitar seu tio Tyler. É uma longa história. Ela teve uma noite ruim.

–Noite ruim?

–Sim. Você vai ter que falar com ela sobre isso, campeão. Nem eu sei de tudo sobre aquela noite.

–Que noite?

Ele soltou o ar.

–A que Angela fugiu da casa.

Angela

Nos dias seguintes, tentei manter a calma. Mas era difícil fazer isso com o elefante na sala.

Grace começou uma nova Guerra Fria. Ela fazia de tudo para não falar comigo. E, se acontecia de cruzar o olhar comigo, tinha aquele olhar de mágoa trabalhada até ficar afiada como ódio. Ela ocupava todo seu tempo com Finn ou com Lizzie para que, mesmo que eu ignorasse o fato de que seu corpo abrigava uma fera branca, eu não pudesse me aproximar.

Elijah simplesmente evaporara da casa. Levantava cedo, tomava seu café, lavava sua louça e sumia. Os pratos cuidadosamente arrumados eram o único sinal de que ele estivera ali de manhã. Só o víamos hora mais tarte, na hora do almoço, quando o calor o acuava para o chuveiro. Ele comia calado e voltava a sair, ficando fora até tarde. Eu o via pela janela enquanto me revirava, insone, na cama. Às vezes Grace o esperava na varanda. Eu imaginava se ele saía para se transformar. Castanho. Preto e castanho e coberto de pelo.

Falar com meus pais sobre o que acontecera significaria me envolver nos assuntos daquela noite há tanto enterrada. Contar à eles o que só eu sabia. E isso só acabaria em problemas. Kol era novo demais para entender. Finn estava do lado de Grace. A única que parecia ainda notar minha existência miserável era tia Rebekka, que não dizia nada quando me ouvia chorando baixinho na cama de noite. Ela só me traia um copo de leite quente e cantava baixinho até eu me acalmar.

–Por que é tão difícil?

Perguntei, sem ser nada específica. Ainda assim ela parecia saber exatamente do que eu falava.

–Você é uma Mikaelson. A vida é mais difícil para nós.

–Por quê?

Ela deu de ombros.

–Eu conheci um homem chamado Niklaus Mikaelson... E ele se perguntava isso todos os dias.

Uni as sobrancelhas.

–E o que houve com ele?

Ela pousou as mãos sobre os lábios, me deu um tapinha de encorajamento e se levantou, deixando o quarto.

Naquela manhã, acordei antes mesmo que o sol se levantasse. A bem da verdade, nem tinha certeza se chegara a dormir. Continuei deitada, sozinha e tristonha na cama vazia. Levantei e vesti um vestido qualquer, olhando pela janela. Tive uma visão rara: Elijah andando pela praia, encarando o sol nascente sobre o mar infinito, verde escuro e azul safira.

Abri um dos painéis da janela e escorreguei para fora, seguindo-o. Não sabia o que eu queria com aquilo. Talvez justificar meu comportamento, provar que El e Gray eram, afinal, monstros. “Você sabe que esse não sou eu, Angie, eu nunca machucaria ninguém”. Talvez eu só quisesse voltar ao sentimento gostoso e sem culpa que tinha antes. Gosto muito de você, El. Talvez eu só quisesse estar perto dele.

Separados por uma longa faixa de areia, nós dois caminhamos em direção ao nada, olhando para o mar, perdidos no silêncio da manhã que quebrava. Caminhamos pelo que pareceu serem horas até chegarmos a uma pequena baía do outro lado da ilha. El tirou a regata e eu me recolhi para a floreta, procurando uma visão mais próxima. Antes que o medo de que ele virasse a coisa se aproximasse, ele jogou a camiseta de lado e deitou na areia, começando a erguer o tronco diversas vezes em séries de abdominais.

–Ele vem... Se exercitar?

Sentei-me num tronco, imaginando por quanto tempo ele faria aquilo. 12 séries de 15 depois, o suficiente para matar o abdômen de um homem médio, El se levantou e, depois de se refrescar no mar agora revolto, veio direto na direção onde eu estava.

Pulei para trás do tronco caído em que estivera sentada, escondendo-me dele como se temesse o bicho papão. Ele pulou, pendurando-se em um galho e usando-o de barra. Não pude deixar de me perder nas linhas que se contraíam a cada levantamento. 12, 13, 14, como se quisesse se matar de cansaço.

Perto da 26ª, o galho não aguentou o seu peso e El caiu pesadamente sobre o braço, gemendo de dor. Levantei-me antes que eu pudesse inventar, a preocupação tomando o controle.

–El? Você está bem?

Ele olhou na minha direção com uma careta de dor.

–Angie? O que está fazendo aqui?

Hesitei por um segundo e preferi não responder quando eu mesma não sabia. Aproximei-me e me ajoelhei ao seu lado. Ele se sentou com dificuldade, o rosto retorcido de dor.

–Você está bem? Machucou muito?

Embora nada parecesse quebrado, algo no arranjo do bíceps não parecia bem acomodado. El fechou os olhos, balançando a cabeça.

–Não é nada. Deve começar a se curar logo. – Ele viu que não entendi e balançou a cabeça. – É coisa de lobo, deixa para lá. Eu estou bem.

Soltei o ar, nervosa. Ele pareceu perceber.

–Eu... Eu posso ir embora.

–Não. Não. Quero dizer, não seja ridículo. É melhor não mexer isso aí.

Ele assentiu, mas parecia seguir cada movimento meu com os olhos. Vi-me sozinha com uma escolha. Podia ir embora ou podia confiar em El apesar da sua raça – condição – ou fosse lá o que fosse.

Tremendo, estendi a mão e segurei a dele. Seus olhos seguiram meu movimento com cautela. Meu olhar se esforçava para expressar o que estava entalado na minha garganta devido ao medo. Eu posso fazer isso.

Eu senti a sua falta. Na casa.

Ele sorriu por um segundo tão curto que poderia ter sido apenas um devaneio.

–É, eu... Eu precisava limpar a mente. – Ele soltou o ar. – Eu não gosto de estar aqui, Angie. Não gosto do que isso significa. Estamos fugindo e correndo, mas estamos no mesmo lugar.

–Do nada ao lugar algum.

–Exatamente. – Ele trincou os dentes com a dor. – Não consigo parar de pensar nos meus pais. Por fazerem isso. Por... Por nos mandar para longe só para nos proteger.

–Eu entendo, El. Está tudo bem.

–Não, não está! Está tudo menos bem! – Encolhi-me, temendo uma explosão. Apesar do cuidado de sempre, o humor de El não recuou. – Como pode estar bem se nós e todos que amamos estão em perigo?!

Fiquei em silêncio, tentando convencer minhas palavras a sair. Levou algum tempo.

–El... – Comecei, com cuidado – Não há nada que nós possamos fazer além de fingir que está tudo bem. Não dá para lutar contra o nada. Scott está fora do nosso alcance.

Ele não respondeu inicialmente. Parecia ter um milhão de coisas na cabeça e o braço ferido não ajudava a organizá-las.

–Então porque eu me sinto culpado?

Balancei a cabeça, sem resposta.

–Cada um tem sua guerra para lutar, Elijah.

Ele olhou dentro dos meus olhos, os olhos verdes lutando contra a própria natureza de líder para entender a abordagem passiva que éramos forçados a seguir. Respirou e então exalou, se para se livrar da dor ou da inquietude, era incerto.

El gritou, soltando a mão da minha e segurando o próprio braço.

–El!

Chamei, o coração acelerado.

–Está tudo bem. Está só voltando para o lugar. – Ele fechou os olhos e trincou os dentes. – Não olhe. É feio.

Escondi meu rosto no seu peito, com medo. O corpo de Elijah tremeu por alguns segundos e então parou com um último estremecimento. Ele respirou fundo e tocou meu ombro.

–Pronto. Acabou.

Levantei o rosto, encarando diretamente os olhos que me encaravam de volta. Nunca tínhamos estado tão próximos, nem mesmo aquele dia no sótão. Por Deus, Angela. Elijah não é um monstro e você sabe.

–Desculpe. – Pedi, desviando o olhar para o seu peito moreno. – Por deixar isso tudo mais difícil. Para você e... E para Grace.

–Não se preocupe com isso. Precisa mais do que isso para nos derrubar.

Sorri de leve, levantando os olhos. Pude sentir seu coração acelerar sob minhas mãos e o meu ecoou o dele. Parecíamos estar nos preparando para pular de um penhasco.

–El?

–Sim.

–Eu ainda gosto muito de você.

–É?

Assenti.

–Sim.

–Eu também.

E então nos chocamos. Narizes com narizes, bochechas com bochechas, testas com testas e lábios com lábios. Rolamos de lado no chão. A mão dele soltou a minha e a outra acariciava meu rosto. Eu mal ousava me mexer, com medo de estragar tudo.

Paramos aos poucos, relaxando sob o chão cheio de musgo tropical.

–Angie?

–Sim.

–Acho que estou apaixonado por você.

–É?

Ele assentiu.

–Eu também.


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