Casais Improváveis escrita por Valerie Grace, Lady Salvatore, Hiccup Mason, Bess, Sherlock Hastings


Capítulo 84
Amy Pond & Sherlock Holmes


Notas iniciais do capítulo

Tá bom, outro capítulo grande ahueahue sorry, sei que isso assusta, porém é o jeito.
Trouxe o famoso Pondlock hoje! *u*
Espero que gostem. As músicas do outro capítulo funcionaram bem, eu acho, so...
Ylvis - Stonehenge (SIM GENTE AUEHAUHEUA o começo do cap tem base nisso aheuhauhea)
Thriving Ivory - Flowers for a Ghost
Panic! At the Disco - When the Day Met the Night
Mumm-Ra - She's Got You High
The Beatles - She Loves You
Coldplay - 42
Bônus: Tom Odell - Grow Old With Me
É isso aí gente :D
Bjss *3*



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Tema: Sherlock Holmes e Amy Pond

Fandoms: Sherlock e Doctor Who

Mistérios

“A nova vizinha chegou hoje”, anunciou a Sra. Hudson. “Eu vou convidá-la pra tomar chá comigo hoje à tarde. Seria bom se vocês viessem também.”

“Tudo bem, é bom conhecer os vizinhos.”

“Eu não posso, preciso pensar em alguns casos”, Sherlock alegou. Era uma bela mentira. Ele só não queria conhecer uma potencial senhora que vivia sozinha com gatos.

“Mas Lestrade não o chama já tem um bom tempo”, Watson replicou.

“Não preciso da Scotland Yard pra investigar, John.”

“Isso me cheira a desculpa mal feita”, a Sra. Hudson falou. “Vamos, Sherlock. É educado fazer isso.”

“Eu sou um sociopata altamente funcional, não preciso disso.”

Watson e a Sra. Hudson fitaram Holmes com uma cara que já indicava tudo.

Horas depois, Sherlock estava sentado perto da lareira, na poltrona, impaciente. Não queria conhecer a nova amiga da Sra. Hudson, mas John e a senhoria o forçaram.

Tentava se distrair pensando em Stonehenge. Stonehenge era um mistério que Sherlock não conseguia tirar da cabeça. O que aquela joça significava? Sherlock se contorcia de desgosto ao pensar que ninguém sabia a razão de ter sido construída.

Por que construíram Stonehenge? Qual era o propósito daquela porra de labirinto de pedras? Era pra ser um círculo de rituais? Alguma coisa a ver com zodíaco? Aliens? Deveriam ter deixado alguma pista da razão de tudo. E quem caralhos constrói um labirinto de pedras? Como conseguiram erguer as rochas daquela maneira sem a tecnologia moderna? Com super força? Eram cinquenta fucking toneladas cada rocha, e elas, ainda por cima, eram originadas do País de Gales, então como demônios foram parar no sul da Inglaterra? Glaciação? Carroças?

Sherlock daria qualquer coisa pra ter alguma resposta sobre Stonehenge. Aquilo estava deixando ele doido.

Seus pensamentos foram subitamente interrompidos por uma Sra. Hudson gritando.

“Sherlock! Estava viajando?”

Ele ergueu os olhos e sua boca se abriu.

“Perdão?”

“Eu estava te chamando faz um tempão!”

“Eu devo ter filtrado, me desculpe.”

“Você filtra o que eu falo?”

“Na maioria do tempo.”

“Oh, Sherlock...” Ela fez um muxoxo. “Eu só queria que conhecesse Amy.”

“Quem é Amy?”

“Eu sou”, e então finalmente Sherlock voltou seus olhos a uma garota que estava perto da porta. Ele imediatamente começou a lê-la. Olheiras profundas que ela tentara esconder com a maquiagem. Sobrancelhas bem feitas. Estava mais magra do que costumava ser. Seu rosto ainda conservava certo inchaço. Ela ficara em dúvida sobre como arrumar o cabelo, mas acabou fazendo uma trança. Mãos trêmulas, suadas, cujas marcas apareciam em seus jeans justos. Casaco de gola alta. Marca de aliança no dedo, mas suas mãos não exibiam nenhum anel. Unhas feitas apenas com base. Botas um pouco empoeiradas. Relógio de ponteiro apertando bem o pulso. Brinco discreto. Batom rosa claro e roupas escuras. Coluna levemente curvada. Sotaque escocês, mantido por escolha.

“Olá, Amy”, ele a cumprimentou, fitando sua silhueta.

“Muito prazer...?”

“Holmes. Sherlock Holmes.” Ele respondeu, tomando nota de que ela já havia escutado seu nome.

Um canto do lábio dela se ergueu e se abaixou, rapidamente.

“Venha tomar chá conosco, Sherlock”, chamou Watson. Holmes revirou os olhos, mas cedeu de uma vez.

“Muito obrigada por me receberem”, Amy sorriu, enquanto se sentavam. “É muita gentileza.”

“Imagina, querida”, a Sra. Hudson respondeu. “Chá de camomila ou morango?”

Amy pensou por um momento, depois optou pelo de camomila. Holmes a fitava, intrigado.

“Então, Amy. Você trabalha com o quê?”, perguntou Watson, levando aos lábios a sua xícara.

“Eu estou procurando emprego”, ela respondeu, depois baixou os olhos e os ergueu, mirando Holmes, depois Watson. “Inclusive, se vocês souberem de algo...”.

“Claro, vou te avisar”, John se comprometeu. “Mas você tem experiência com o quê?”

A voz de Amy oscilou.

“Eu já fiz vários bicos na cidade em que eu morava, depois viajei por um bom tempo, então voltei e fui trabalhar no museu da cidade.”

“Como curadora?”

“Sim, mas eu também fazia papel de guia nas horas vagas.”

“E por que decidiu vir a Londres?”

Sherlock escutou atenciosamente a resposta da jovem. Ele viu que ela ficara afetada pela pergunta.

“Eu precisava...”, ela falhou em procurar as palavras certas. No mesmo minuto, a Sra. Hudson entregou a xícara de Amy à própria, e a jovem colocou duas colheres de açúcar.

“É rude perguntar isso, John”, Sherlock interviu.

“Eu só estava...”, John tentou se esclarecer.

“Eu sei, mas a senhorita... Qual é o seu sobrenome?”, perguntou Sherlock.

“Pond.”

“A Srta. Pond precisava se distanciar um pouco, não pergunte mais a respeito”, orientou Sherlock.

“Como você sabe disso?”, Amy arqueou as sobrancelhas.

“Vai começar”, John revirou os olhos, impaciente.

“Eu sou um detetive consultor, o único no mundo. E, ainda assim, estou intrigado com você. Já deduzi isso, mas... Os dados não batem.”

“Sherlock, não assuste a pobrezinha”, a Sra. Hudson tentou pará-lo, utilizando um sorriso nervoso. Mesmo assim, ele a ignorou.

“Você é escocesa e cresceu com a tia Sharon aqui na Inglaterra porque ficou órfã cedo. Mas se sentia deslocada, com medo, preservou o sotaque escocês até hoje. Você tinha medo, e então chegou uma pessoa... Um homem, e você começou a adorá-lo e colocar toda a sua fé nele, não foi? Mas aquele homem não vivia na sua cidade, e todos te diziam que você estava ficando louca, até teve que ir a psiquiatras. Ficou com raiva da tia Sharon e se rebelou o mais cedo possível. Você esperou aquele homem voltar, e enquanto isso se adaptou e ficou noiva do seu amigo. E aí tudo fica confuso. O homem voltou e te levou pra viajar com ele? Mesmo assim se casou com o seu amigo, de algum jeito, parece. Ele viajava com vocês? Não importa. O relevante é que você ficou grávida, mas perdeu o bebê e então tudo começou a desmoronar. Parou de viajar com o homem, e se sente culpada porque simplesmente desistiu do marido. Você não podia ter filhos e não queria privá-lo disso, porque ele queria muito. O processo de divórcio foi complicado, você teve que deixar a cidade pra tentar esquecer seu ex-marido, e aqui está. Mas você não consegue evitar esperar pelo homem, não é? É quase natural. O que ele tem de tão especial? Por onde vocês viajaram? Os dados não são claros, são quase impossíveis. Você é um mistério, Amy Pond. E esse não é nem o seu nome verdadeiro, não é?”

Por um momento, pareceu que Amy estava prestes a chorar.

“Para o único detetive consultor do mundo, você é bem cruel.”

“Se esse é o nome que você quer dar.”

“Eu me mudei de Leadworth pra me distanciar de tudo e depois isso... Bravo. Fui realmente bem recepcionada.”

“Não há de quê, senhorita Pond.”

Então Amy fez o que sua consciência lhe ditou. Agarrou o primeiro copo de água e jogou no homem à sua frente. Sua satisfação foi imensa. Sherlock formou a palavra “clássico” com os lábios, enquanto a Sra. Hudson e John ficaram aturdidos, buscando consertar os estragos do detetive.

“Oh, Srta. Pond! Desculpe Sherlock, ele não tem tato pra essas coisas...”, a Sra. Hudson tentou falar.

“Está tudo bem, Sra. Hudson, obrigada por me convidar, mas acho que já está na hora de ir. Eu vou voltar a te contatar, pode deixar”.

Amy foi para a sua casa, que ficava bem em frente ao número 221B da Baker Street. Sherlock a observou, enquanto se secava com uma toalha.

“Ela está escondendo alguma coisa”, comentou.

“Sherlock, você não pode simplesmente expor as pessoas desse jeito. A Srta. Pond ficou muito ofendida.”

“Eu não a teria exposto se ela não tivesse me intrigado.”

“E por que ela te intrigou?”

“A história dela não está nem um pouco clara. Acho que ela é uma espiã de Moriarty.”

“Por que você acha isso?”

“Você viu os olhos dela? Frios, como se soubessem muito mais do que nós. Não, a senhorita Pond tem um segredo, e eu vou descobri-lo.”

“Sherlock, se ela fosse uma espiã, provavelmente estaria louca pra permanecer aqui em 221B, enquanto ela não hesitou em se mandar quando você expos a história dela.”

“É exatamente assim que ela quer que você pense!”

“Sherlock, vamos, seja razoável. Ela é só uma jovem, como qualquer outra, que veio à Londres para tentar se dar bem na vida.”

“Ela veio aqui pra superar o ex-marido, Watson, não se esqueça.”

“Não é possível que você tenha visto tudo isso só de olhar pra ela.”

“É possível sim, ela deixou sinais em toda a parte. Embora queira te explicar como achei todas essas informações, eu estou terrivelmente cansado e preciso investigar.”

“Deixe Amy em paz, Sherlock.”

“Não quero nenhuma espiã de Moriarty aqui me bisbilhotando. Ela vai embora o mais rápido possível.”

Dito isso, Sherlock atravessou a rua, tocou a campainha e aguardou. Ele ouviu passos, sentiu Amy o inspecionando pelo olho mágico, adivinhou que ela estava virando os olhos e o ignorando.

“Srta. Pond, não vá embora. Preciso falar com você.”

“Já está tarde, sua mãe não te ensinou que é mal educado bater à porta das pessoas a essa hora?”

“Nem escureceu ainda.”

“Eu estava dormindo.”

“Leadworth é tão primitiva assim que você está sofrendo com o fuso horário?”

Dito isso, Amy abriu a porta, foi o tempo de Sherlock entrar na casa e ela jogar de novo um balde de água nele.

“Você realmente vai jogar água em mim toda vez que eu disser algo que te ofenda?”

“Sim, e se água não bastar vou começar a jogar bebidas quentes.”

“Acho que na maior parte das nossas conversas, vou acabar molhado.”

“Provavelmente. Aqui, se seque, não quero que você deixe o meu chão molhado.”

“O seu senso de compaixão é comovente.”

“Eu sei. De qualquer jeito, o que você veio fazer aqui?”

“Eu vim aqui pra te pedir desculpas pelo meu comportamento grosseiro. Reconheço que não foi a melhor maneira de iniciar uma relação.”

“Não pretendo ter nenhuma relação com você.”

“Você faltou às aulas de interpretação de texto, Srta. Pond?”

Amy fez uma careta pra Sherlock.

“Sua sorte é que eu não tenho água por perto, Sr. Holmes. Só quero deixar bem claro que eu não quero ter nada a ver com o detetive do chapéu engraçado, então se você ignorar a minha existência, eu vou ignorar a sua.”

“Vejo que você deixou a sua mala aberta. Aquilo ali são bonecos? Acho que não eram pro seu bebê. A boneca é você, eu suponho, e o boneco é o homem. O que te deixou esperando. Você fez isso quando era criança, não é? Muito precioso pra deixar em Leadworth.”

“Já que é assim, Sr. Holmes, vamos jogar. Você sabe tanto sobre mim, mas eu também sei algumas coisas sobre você. O seu irmão é Mycroft Holmes, não é? Ele está nas sombras do governo, eu sei, o Dou... Enfim, já me falaram sobre as coisas que ele fez. Sobre o que fará. E o irmãozinho dele, Sherlock, com a mente de um cientista ou filósofo e o coração de um detetive. Você está sempre bancando o homem de gelo, mas esse é o seu irmão, não é? Você é um homem que se sente solitário e que no fundo só queria ser mais uma pessoa normal. Você se importa com as coisas. Você tem um coração, não é nenhum monstro, e se não é um monstro, não me assusta.”

“Boa noite, Amelia”, disse, antes de abrir a porta e deixar uma ruiva boquiaberta o observando.

Começava a escurecer.

Sherlock estava confuso. Amy... A história dela era impossível. Tudo apontava pra um mistério que ele conhecia nos livros de história, o Doutor. Ele sempre aparecia às vezes, pipocando em algumas referências, mas ninguém sabia muito bem sobre o quê era aquilo. Sherlock achava, anteriormente, que era um tipo de estratégia dos historiadores e editores para saber se suas obras estavam sendo plagiadas, mas Amy parecia estar ligada àquilo. Ele vira na casa dela uma réplica da suposta caixa de polícia azul voadora, próxima aos bonequinhos que ela fizera quando criança. O que significaria aquilo? Uma piada interna que ela tinha com o ex-marido? Uma investigação que ela fizera nos supostos tempos de curadora do museu?

Ou então, ela teria de fato conhecido o Doutor? Seria ele o homem que ela ficara esperando?

Não, ele se respondeu mentalmente. O Doutor é apenas uma lenda.

E desde quando Sherlock acreditava em crendices? Ele tinha certeza sobre o mundo. Não existia nada de sobrenatural, apenas ciência. Não acreditou em Hamlet quando ele disse que “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa filosofia”. Não, nada disso existia. Deus? Conte outra. Sherlock era um legítimo ateu, e nos dias atuais Deus só existia para as pessoas buscarem consolo.

Essas pessoas normais que acreditavam em coisas extraordinárias realmente o fascinavam e intrigavam ao mesmo tempo. Deus era só uma fantasia pra elas, porque precisavam acreditar que existia razão no caos, que tinha um motivo para viverem e para perderem seus entes queridos.

Sherlock sempre esteve ciente do caos. Não era uma garota com uma história incerta que o faria acreditar em coisas como o Doutor, apenas mitos.

No dia seguinte, Amy foi até a casa da Sra. Hudson de novo pra lhe pedir desculpas por ter escapulido tão subitamente. É claro que certo detetive não perdeu a oportunidade de lhe cumprimentar.

“Srta. Pond, bom dia”, falsificou um sorriso e o fez com ironia.

“Sr. Holmes, lindo dia, não?”, ela cerrou os olhos, ainda fingindo sorrir.

“Se você ignorar o aquecimento global ou qualquer outra desgraça acontecendo enquanto nos falamos.”

“Sherlock, pare de amolar a Amy”, ordenou um recém-acordado John Watson, que vinha à cozinha para procurar comida.

“John, eu já te disse que assistir pornô até tarde faz as pessoas acordarem desse jeito.”

John arregalou os olhos e fuzilou o amigo com o olhar, enquanto corava muito.

“Oh John, isso é muito feio”, disse a Sra. Hudson. “Você deveria arranjar uma namorada”, então ela olhou para Amy com uma cara maliciosa, como se tivesse planos de casamenteira.

“A Srta. Pond acabou de passar por um divórcio difícil, Sra. Hudson, deixe disso”, disse Sherlock, quase instintivamente.

O radar de emoções que John tinha do amigo apitou. Ele estava com ciúmes? John não sabia, mas guardou a observação para si. Mas achou engraçado que Sherlock gostasse de Amy, mesmo implicando com ela a toda hora. Seria o sentimento recíproco? Ou ela só o acharia um esquisitão inconveniente?

“Eu te agradeceria, Sr. Holmes, mas você acabou de me lembrar do meu passado novamente, então...”, e Amy deu um tapa na cara do detetive. O estalo foi bem audível em todo o cômodo.

Holmes massageou a bochecha.

“Não tem de quê.”

“Okay, agora eu preciso ir. Até mais, Sra. Hudson, John”, Amy se despediu, excluindo Sherlock.

“Tchau pra você também, Srta. Pond.”

Ela sorriu pra ele. Não um sorriso sarcástico. Era um verdadeiro. Depois deu as costas e deixou o 221B.

John estava atento às reações do amigo. Viu os olhos dele focarem nela, depois desviarem o olhar.

“Então, Sherlock. O que acha da Amy?”

“Eu não acho nada da pessoa, John. Só estou interessado no segredo. Ela está metida em encrenca, com certeza. Tem algo a ver com a lenda do Doutor.”

“Até ontem você achava que ela era uma espiã do Moriarty.”

“Não, não é uma espiã.”

“Você não vai me explicar por quê?”

“Não.”

“Você está cada vez mais esquisito. Normalmente você ama se exibir a respeito das suas descobertas.”

“Preguiça.”

“Você nunca tem preguiça.”

“Pelo amor de Deus, John.”

Sherlock subiu para o quarto. Tentou pensar em Stonehenge para se distrair, mas simplesmente não conseguia. Ele tinha uma dúvida, e não gostava de conviver com aquilo. Amy, o que ela tinha feito? Como ela tinha relação com o Doutor? Ele sabia que ela tinha trabalhado num museu, tendo contato com historiadores e seus truques, mas só isso não parecia suficiente. Só uma relação profissional não era o bastante para causar uma obsessão em Amy, a ponto de ela ter que confeccionar uma réplica da caixa azul. Aquilo não tivera fins profissionais, ele tinha certeza. Aquilo não era ensinado como uma matéria oficial, e, além do mais, o tecido da réplica era velho.

Amy o tinha confeccionado quando criança, quando ainda se chamava Amelia. Teria aquilo alguma coisa a ver com seus pais? O Doutor podia ter sido uma história que ela crescera ouvindo, e, quando os pais morreram, se agarrou a essa memória. É, podia ser isso, justificaria os bonecos. Mas as coisas ainda não faziam sentido. Não batiam com as primeiras deduções.

O mais aparente era que o Doutor era o homem que ela esperara.

Holmes se amaldiçoou por mesmo considerar essa alternativa. Repreendeu-se por estar indo contra a lógica e o raciocínio.

Foram dias de tortura tentando descobrir o passado da Srta. Pond. É claro, ele tentara conversar com ela da sua maneira usual, mas não dava muito certo, uma vez que suas palavras eram mal interpretadas por ela. Tudo bem que ele não era a pessoa mais sensível do mundo, e algo nele gostava de irritar ela. Ela também gostava de jogar indiretas, deixá-lo molhado e dar tapinhas. No final das contas, cada vez mais os dois entraram numa guerrinha divertida.

Todos podiam ver como aquilo fazia bem para Amy. Lentamente voltou a ficar alegre, a cor voltou a si. Sentiu-se mais disposta a procurar emprego, e conseguiu. O governo a contratara para organizar e preservar arquivos históricos. Não, claro que Mycroft Holmes não mexera nenhum pauzinho para que isso acontecesse. Não, pior ainda, Sherlock Holmes nunca pediria isso ao seu irmão, só porque queria descobrir logo o segredo da garota que o estava deixando louco? Não, nunca.

Ao final de um mês e meio de investigações que sempre levavam ao mesmo lugar (um lugar implausível), o detetive decidiu dar um basta à sua tormenta. Saiu batendo portas até a casa da Srta. Pond, deixando para trás uma Sra. Hudson boquiaberta e um John Watson contente de ver seu amigo decidido. Já era inverno e estava anoitecendo. Um mês atrás o clima ainda era relativamente ameno, primavera. Estava nublado quando se conheceram, e agora estava muito frio.

“Srta. Pond, abra a porta”, ele pediu, do seu jeito grosseiro usual.

“Vá embora”, uma Amy respondeu. Ele logo se alarmou. Identificou o som de choro em sua voz, ouviu os soluços.

“Amy, você está bem?”

“Perfeita. Agora pode ir”, ela ordenou.

“Me desculpe por isso”, ele disse. Abriu a porta com um grampo que carregava em seu bolso. “Amy?”, ele a chamou, e ouviu o choro vindo do final do corredor. Ela estava de joelhos, a maquiagem toda borrada, meio descabelada, o rosto vermelho. Ele franziu a testa, nunca a tinha visto daquele jeito. “Aconteceu alguma coisa, Srta. Pond?”

“Por que você acha que eu estou desse jeito, idiota?”

“O que aconteceu?”

“Não é da sua conta.”

“É sim.”

“Não é não.”

“Eu aceitei o seu caso, todas as novas informações são necessárias.”

“Meu caso? Do que você está falando? Alguém está te pagando pra você me vigiar?”

“Não, eu aceitei de vontade própria.”

“Minha vida não é um livro de histórias pra você.”

“Certamente que não. Mas eu sei que você está metida em encrenca, algo a ver com a lenda do Doutor. E eu não aguento mais isso, Amelia. Você está me torturando. Não posso aceitar essa lenda como verdade, vai contra o meu bom senso. Por favor, me explique o que significa tudo isso. Está me deixando louco. Conte-me a sua história de vida, e isso vai ser suficiente. Depois, se você quiser, eu te deixo em paz.”

Claro, Sherlock estava mentindo. A este ponto, ele não sabia mais se era capaz de deixar Amy em paz.

“Se eu te contar, você vai parar de me perturbar?”

“Sim”, ele prometeu, com uma sensação estranha ao considerar a hipótese de que Amy não gostaria mais de ser perturbada por ele.

Ele se sentou ao lado dela. Amy ainda estava um pouco chorosa, mas engoliu as lágrimas, respirou fundo, ajeitou o cabelo e foi em frente.

“Pode começar agora”, ele pediu.

“Foi você que pediu.”

“Sim, eu sei.”

“Eu era muito nova quando perdi meus pais. Quanto mais o tempo passa, menos me lembro deles. Eu morava na Escócia, mas a tia Sharon veio me buscar e eu passei a morar em Leadworth com ela. Mas eu não era muito feliz. Eu tinha medo da rachadura na minha parede. Eu lembro do pânico que aquilo me causava. Eu rezei pro Papai Noel me mandar alguém que consertasse ela, então puft!” Amy ia se recuperando à medida que a história avançava. Nesse ponto, ela prendeu a atenção de Sherlock e fez ele ficar extremamente atento ao que aconteceria a seguir. Ela ainda riu do desespero dele, mas ele nem conseguiu se irritar, só reparou na risada dela. “O que você mais temia aconteceu, Sr. Holmes. Ele veio, o Doutor. E ele ficou muito feliz de me ver, mas ele era todo esquisito. Disse que o corpo dele era novo, ainda estava treinando, por isso fez a maior bagunça na minha cozinha procurando a comida ideal pra ele, pros dentes novos. Eu tentei de tudo, e finalmente achamos iscas de peixe e mostarda. Juntos, eu quero dizer. Ele olhou a rachadura na minha parede, disse que eram duas partes do tempo e do espaço que nunca deveriam se tocar e estavam lá. Ele disse que ia voltar em cinco minutos com a solução.”

“E depois? O que aconteceu?”

“Ele levou doze anos.”

Sherlock não sabia o que fazer. Não sabia o que pensar. Queria saber mais da história de Amy, mas também queria expressar sua reação ao descobrir que o Doutor era real, e, mais ainda, queria saber se ela estava tirando uma com a cara dele.

“Continue.”

“Nesse meio tempo, como você mesmo disse, eu me adaptei... Fiquei noiva de um enfermeiro da minha cidade. Rory. Até que um dia, o Doutor voltou, e só tinham se passado cinco minutos pra ele desde o nosso último encontro. Pra mim foram doze anos esperando ele. Viagens no tempo são estranhas. Mas enfim, vivemos uma grande aventura, salvamos o mundo, eba! Depois o Doutor se foi de novo e só voltou dois anos depois. Na véspera do meu casamento. Ele me levou para viajar com ele, enquanto Rory ficou lá. Mas ele não esperou muito. Voltamos algumas horas depois. Quer dizer, algumas horas pra Rory, não sei quanto tempo foi pra mim, mas definitivamente algumas semanas, eu acho. Depois umas coisas muito difíceis de se explicar aconteceram, como a existência de Rory sendo apagada, mas resolvemos isso. Rory começou a viajar conosco definitivamente. Então éramos os três vivendo felizes pra sempre, eu já tinha me casado com ele, até que eu fiquei grávida. Eu não perdi o bebê, roubaram ela de mim. Os procedimentos médicos foram horríveis. Eu nunca mais vou poder ter filhos por causa disso. Mas enfim. Minha filha. Eu meio que criei ela, inconscientemente. Ela acabou sendo minha amiga de infância, Melody. Viagens no tempo, complicadas. Eu até já a vi adulta, ela ficou bem no final das contas. Mas depois o Doutor me deixou pra viver com Rory aqui. Ele disse que eu não era mais Amelia Pond, eu era Amy Williams. Talvez. Mas... Não quero falar sobre ele ter nos largado aqui. O fato foi que Rory não tinha entendido que eu não podia mais conceber. E ele queria muito uma família. E eu não podia dar isso a ele. Como você disse, Sherlock? Eu desisti dele. E ele não entendeu isso, que eu fiz isso pelo bem dele. Fui embora de Leadworth, desisti do meu emprego, e aqui estou.”

Sherlock ficou em silêncio, pensando em como reagir.

“Isso é sério?”

“Sim. Se você tentar me mandar pra um hospício, eu vou quebrar a sua cara.”

“Amy, isso é maravilhoso!”, ele ficou verdadeiramente feliz. “Eu sempre tive tanta certeza sobre tudo! Tudo era normal, tão entediante, então você me aparece e diz que esse Doutor extraordinário existe e está por aí! Ah, tem tanto pra se aprendido, pra ser visto! Minha vida inteira eu tentei escapar do tédio, e você me diz que realmente há mais!”

“Fico realmente feliz em ver que você se divertiu com a minha história.”

“Desculpe”, ele tentou conter um sorriso. “É só que isso é muito feliz. Eu estava errado. Ótimo.”

“Você prometeu. Agora pode me deixar em paz. Tchau.”

Sherlock se foi, a sua alegria rapidamente dando lugar à tristeza. Em sua poltrona, começou a refletir. Ele deveria estar feliz, depois de tanto penar, descobrira o segredo dela. Agora sabia que existia mais do que o visível. E isso o deixava maravilhado. Não podia parar de imaginar as aventuras que existiam no espaço-tempo, prontas para serem feitas.

Mas seu senso de dedução o estava alertando. Ele suspirou e depois cruzou novamente a rua, já escura. Bateu à porta da vizinha, e ela logo a abriu, com uma cara que expressava contrariedade.

“Não tínhamos feito um trato?”

“Eu vim aqui para me desculpar. Fui completamente insensível com você.”

“Sério?”

“Não apenas hoje, mas durante a maioria do tempo em que nos falamos. Desculpe-me, eu sou assim mesmo.”

“Aceito suas desculpas. Agora vá pra sua casa.”

“Não”, ele disse, entrando na casa dela. “Precisamos conversar. É melhor nos sentarmos.”

Ela virou os olhos, mas fez o que ele falou.

“Então, Amy. Eu fui grosseiro com você quando você estava sozinha e necessitada de apoio emocional. E por isso eu sinto muito. Sinto que não fui a melhor pessoa do mundo com você, e bem longe disso. Desculpe. Agora, se você precisar de alguém pra desabafar sobre os acontecimentos recentes, eu encontrei paciência pra desempenhar tal função.”

Ela tentou sorrir, mas logo recomeçou a chorar.

“Calma, calma”, ele disse. “Vou te trazer água com açúcar pra você se acalmar”, e ele assim o fez. Ela tomou a água, tremendo, e ele lhe deu um lenço pra ela enxugar as lágrimas.

“Agora, já está mais calma? Pode me contar o que aconteceu.”

“Eu... Eu...”, ela soluçou. “Fui visitar – soluçou – a minha amiga – soluçou – que acabou de ter um bebê. E ela, ela, ela é tão bonitinha. E eu disse que não queria segurar, mas ela insistiu e eu senti que ainda era... A Melody... E isso me fez mal, e eu segurei o choro, só despenquei quando cheguei aqui. Eu quero meu, meu, meu bebê de volta!”

Amy desabou, então Sherlock fez o que seu instinto mandou. Não pensou duas vezes, não daria certo. Ele só a abraçou, e ela ficou lá, chorando em seu ombro, até todas as suas forças se esgotarem, as lágrimas secarem e ela perder a consciência, adormecendo. Sherlock não podia se permitir aquilo, era demais. Toda a sua autoestima cuidadosamente construída... E, ainda assim, ele ajeitou o cabelo dela. Tomou cuidado pra não acordá-la, então a tomou em seus braços como um bebê e a carregou até a cama dela, no andar de cima. Abriu o armário e a cobriu com um edredom.

Depois foi embora. Jogou-se em sua cama, mas demorou muito pra dormir. Ficou pensando.

No dia seguinte, desceu ainda sonolento e encontrou Amy na sala de estar.

“Amelia, você por aqui.”

“Eu por aqui”, ela sorriu. “Eu só vim aqui pra te agradecer. E pra me desculpar também. Não sei o quê deu em mim ontem. Eu geralmente vivo bem com isso”, ela sorriu, e ele notou como ela estava visivelmente melhor desde o dia anterior.

“Imagina. Eu te devia aquilo.”

“Fiquei pensando se talvez você gostaria de ouvir sobre as coisas que eu fiz com o Doutor. Você parecia tão empolgado ontem.”

“Sente-se e comece. Agora. Estou ávido para saber”, ele sorriu brevemente.

“Nós salvamos o mundo do Prisioneiro Zero! Ele viveu na minha casa a vida inteira, o safado. Mas não teve problema, os atraxi deram um jeito nele. Era um bicho estranho, e a Terra podia ter sido explodida! Mas o Doutor chegou a tempo. Depois ele me levou a não sei quantos anos no futuro, pra conhecer a nave do Reino Unido. Não sei daqui a quantos anos, mas todos os países vão começar a migrar pra espaçonaves por causa de uma catástrofe global. A nave do Reino Unido ficava em cima de uma baleia das estrelas que se voluntariou pra salvar os ingleses! Eu até conheci Liz Ten.”

“Liz Ten?”

“Rainha Elizabeth Décima.”

“Seremos bem liberais no futuro, então.”

“Claro. Ah, no dia seguinte fomos até a Segunda Guerra Mundial, desvendamos o estratagema maléfico dos Daleks, conhecemos Winston Churchill!”

“Mentira! Como ele é?”, Sherlock ficou fascinado.

“Exatamente como nas fotografias.”

John observava a conversa, de longe. Começou a comer uma maçã, feliz.

As horas se passaram, e Sherlock e Amy ficaram cada vez mais próximos. O detetive queria saber tudo sobre as aventuras dela. Eram mundos completamente novos! Quão fantástico era aquilo? E Amy se divertia ao ver que ele parecia uma criança empolgada. E pensar naquele sujeito arrogante que ela conhecera na cozinha...

No meio da tarde, a Sra. Hudson chamou os três para tomarem chá.

“Então, Amy. Vejo que você está se entretendo com Sherlock”, disse Watson, querendo muito que aquilo fosse verdade.

“Seu amigo sabe ser inteligente às vezes”, ela admitiu.

“Tenho certeza que você deixa ele no chinelo”, Watson falou.

“Obrigado pela sua lealdade, John”, agradeceu Sherlock.

“Oh Sherlock, você não está conseguindo pagar o aluguel direito”, disse a Sra. Hudson. “Por que não está trabalhando pra Scotland Yard? “.

“Lestrade teve alguns problemas com a Sargento Sally, a cheia de frescura, e o Anderson, o perito burro. Não conseguiu me dar muitos casos. Me recuso a trabalhar pra descobrir se os cônjuges estão tendo casos, então a clientela tem desaparecido um pouco.”

“Mas logo tudo vai se ajeitar”, John afirmou. “Você vai ver.”

“Isso é fé ou você está tentando fazer eu me sentir melhor?”

“Você é um ogro”, disse Amy.

“Isso me lisonjeia, Amelia.”

Os dois começaram a discutir. A Sra. Hudson ficou aturdida e começou a conversar com Watson, que estava muito satisfeito em ver as briguinhas de sempre.

Depois, John levou a Sra. Hudson pra cima (um pouco subitamente, mas era uma ação necessária) e Amy ficou olhando para o céu pela janela. Sherlock a fitou.

“Você ainda está esperando ele, não é?”, perguntou.

“Perdão?”

“O Doutor. Você não consegue parar de esperar ele.”

“Ele me chamava de A Garota que Esperou”, sorriu olhando pra baixo.

“Amelia, eu... Eu estive pensando...”.

“Pare. Isso não vai fazer bem nem pra mim e nem pra você”, dito isso, saiu e caminhou em passos largos até a sua casa, do outro lado da rua.

Holmes cerrou os punhos. Ficou com raiva por um momento, mas ele não conseguia evitar decifrar Amy. Ela se contradizia. Foi até a casa dela, decidido.

“Amelia”, bateu. “Precisamos conversar e você sabe disso.”

“Vai embora, Sherlock”, então ela mesma saiu, de cachecol e tudo. “Eu vou caminhar agora.”

“Eu vou junto.”

“Não vai não.”

“Vou sim”, então ele a pegou pelo pulso. “Amelia, você realmente não percebe o que significa pra mim? Será que eu fui tão bom em me esconder? Você não percebe que a minha voz treme cada vez que eu te chamo pelo nome? Que demoro pra dizer Srta. Pond?”

“Sherlock, eu não quero você por perto. Eu estou esperando o Doutor voltar. Nada mais me importa. Você não é ninguém importante pra mim.”

“Ah, Amelia, eu não sou Rory. Eu consigo ver os sinais. Eu percebo quando você me manda embora mas quer que eu fique. Eu sei cada uma das suas nuances. Sei que se descontrola quando fica irritada. Sei que pede chá de camomila quando está triste e chá de morango quando está feliz. Sei que ver bebês faz você chorar. Sei que se anima folheando livros de histórias. Eu sei tantas coisas, Amelia. E a sua vida não é só uma história pra mim, eu juro. Também, mas você é a magia que eu preciso. A minha vida inteira eu tive certeza do que era real e do que não era. Era a maior chatice. Depois você apareceu e disse que tinha mais. Na hora eu fiquei extasiado com isso, mas no minuto que eu pisei na minha casa, percebi que você era a coisa sobrenatural que me rondava. Eu soube disso desde a primeira vez que te vi. Desculpe por ter sido insensível, eu estava tentando me defender... Não podia me entregar assim tão fácil.”

“Você está dizendo que me ama?”

“Sim.”

“Mas Sherlock, você não pode me amar! Eu sou toda complicada...”.

“Eu também sou.”

“Eu passei a minha vida inteira esperando um homem que não é você.”

“Se você o perdoou, também consegue fazer isso comigo.”

“Eu tenho um ex-marido.”

“E eu tenho um irmão esquisito.”

“Mas...”.

Antes que ela pudesse apresentar outro argumento, Sherlock revirou os olhos, a trouxe para mais perto de si e selou seus lábios. Ela até resistiu no começo, mas os dois fecharam os olhos e aproveitaram o momento, depois Sherlock sentiu que ela, enfim, estava sorrindo. O vento começava a soprar e a neve a cair, a noite era azul e o cabelo de Amy era ruivo, muito ruivo.

Agora ele sabia que podia deixar Stonehenge ir. O importante era que as rochas tinham sido erguidas. Se tinha sido por conta de algum evento sobrenatural? Ele não sabia. Havia muitas coisas que ele não sabia, e agora ele podia ver que não era tão relevante assim saber de tudo. Hamlet estava certo. Realmente, há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa filosofia.

Ele só sabia que cuidaria bem dela. Ela era o seu mistério favorito.


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Notas finais do capítulo

Então? O que acharam? *-*
Admito que me inspirei muito no filme Magia Ao Luar aeuaheahe. Tem tudo a ver, véi.
Perdão se essa one não ficou muito boa, mas o Sherlock é difícil :o