A criança olhou para os dois lados. Procurou ao redor por algo que pudesse usar como proteção. Provavelmente, naquela carruagem destruída, não haveria muito espaço para se esconder, mas tentou assim mesmo. Seja lá o que tenha atacado sua família, matou-a por completo. Tinha que ser forte e se esconder. Correu mais do que acreditara conseguir. Não sabia o que pensar nem o que sentir. Passara a noite naquele local abandonado.

Estava faminto, com frio e tremendo de medo mas, depois de algumas horas, o cansaço tomou conta de seu corpo e ele adormeceu. A noite conturbada por pesadelos e momentos de tensão se acabou com uma voz desconhecida dizendo, num tom calmo.

– Acorde! Garoto, o que faz aqui?

E com isso, se assustou e recuou. Não conseguiu ver bem o ser que se colocava diante dele, mas não o fizera mal enquanto dormia. No mínimo, era uma criatura respeitosa. Contou sua história inteira. A figura que o acordara apenas respondeu com um singelo.

– Meus pêsames, garoto. Não tem para onde ir, não é mesmo? Venha comigo. Eu posso te ensinar como se vingar desse tipo de monstro.

Ele tentou evitar cair nessa tentação, mas a figura de cada um dos membros de sua família mortos era muito maior e mais forte que qualquer receio. Levantou-se e seguiu o homem. O cabelo alvo assim como a sua vestimenta branca ficaram para sempre marcados na memória daquela criança. O nome do homem se infiltrou em sua mente pouco tempo depois.

– Pode me chamar de Blake, garoto. Qual seu nome?

– Eu me chamo...

E foi interrompido pelo homem.

– Não importa. Nomes são apenas bobagens agora. Venha comigo. Preciso de ajuda, será que você é capaz de me ajudar?

O garoto fez que sim com a cabeça enquanto lágrimas corriam pelos seus olhos. O tempo passou. Crescera e se tornara um jovem bastante saudável e animado. Fora treinado por Blake dentro da organização que ele havia fundado e lá encontrou sua defesa e sua nova vida. Provavelmente teria morrido se não fosse aquele homem ter surgido naquele exato momento em sua vida. Devia tudo a ele. Devia tudo a DANTE pela sua existência. Dedicou-se o máximo lá dentro e cumpria suas missões sem hesitar. Nunca sequer questionou a autoridade da organização. Queria proteger aqueles que o protegeram durante a época mais difícil de sua vida. Não deixaria que nada atrapalhasse os planos da organização.

Durante a infância, permitiu que os cientistas experimentassem com seu corpo o quanto quisessem. Fora colocado em mesas de operação, sedado e aberto várias vezes por dezenas de cientistas diferentes. O tempo passou e ele percebeu algo único com seu corpo. Estava envelhecendo e mudando. Seu corpo crescera, era quase um adulto em poucos anos de treinamento e experimentos. Perdera seu nome. Perdera tudo. Com ele, outras crianças que foram sendo trazidas aos poucos. Nenhuma delas tinha nome, todas tinham apenas números. Não eram nada abertas umas com as outras, mas dormiam juntas, comiam juntas e compartilhavam a maior parte da vida. Os testes logo começaram. Inicialmente sem problemas, o tempo passou. Lentamente, as crianças começaram a sumir. Todos aos poucos foram se esquecendo daqueles que sumiram. As pesquisas continuavam.

Finalmente apenas uma criança sobrara. Nem se lembrava direito de seu passado e seu resgate por parte de Blake, mas sabia que tinha um número. Era o último sobrevivente aos testes. Finalmente, foi liberado. O único sobrevivente do projeto da DANTE, a cobaia para a criação de Knights que teve sucesso. Ele estava lá, vivo. Não se arrependia da decisão, pelo contrário. A vontade de servir era ainda maior. Era especial. Era único. E assim, se tornou o número oito. Nomes não importavam mais. Carregava consigo apenas a honra de servir àquela organização que lhe salvara e nada mais. Havia se tornado um Knight.

Edge estava assombrado. A história lhe tocou como se falasse de si mesmo. Lembrou-se das falsas memórias. Não sabia se o oponente falava a verdade ou apenas o que o ensinaram a acreditar. Talvez, aquela história fosse verdadeira, talvez, apenas parte dela. O que ele sabia era que o oponente havia se tornado um Knight e entregaria sua vida sem hesitar pela DANTE. Da mesma forma que Edge faria.

Eram parecidos afinal. Tinham uma honra, crenças e histórias que carregavam consigo de maneiras parecidas. Parte da raiva de Edge passou. A dor em seu corpo diminuíra ao mesmo tempo em que emocionalmente estava muito mais afetado. Não sabia o que sentia com relação ao oponente. Ambos estavam cansados, cada um lutando por seu ideal e suas crenças. O nome Blake ficou gravado na mente de Edge enquanto a história era contada. Era um nome importante para aquele homem que lutava com todas as forças e sem hesitar um momento sequer.

– Vamos, cãozinho. O que tem a dizer? Luto pelo que acredito exatamente como você! Quem está errado? Acusam-nos de mortes e assassinatos, mas nós perdemos muitos companheiros nesse confronto! Eu protegerei a DANTE até o fim, cãozinho. Protegerei e nada mudará isso!

E com isso, pegou novamente seu rifle. Estava cansado, era possível sentir em sua respiração. Edge respirava com a mesma dificuldade. O combate continuou. Tiros disparados por ambos os lados sem sucesso. Os dois se aproximaram lentamente, desviando dos tiros com a energia e o espírito que possuíam. Não era mais uma luta de habilidade e sim de resistência e força de vontade. Edge disparou contra o oponente várias vezes e errou em todas. A postura dele com o rifle era fantástica. Uma defesa forte e uma ofensa a qualquer distância. O oponente continuava tentando combinar tiros com as estocadas. Edge estava atento. Não poderia tirar os olhos do oponente e nem conseguia. Estava hipnotizado naquele combate e por aquele oponente.

Assim que ele tentou sacar uma granada Edge disparou, saltando para o lado. Não deixaria que ele usasse os explosivos que carregava. Lentamente, a vantagem começou a crescer para Edge. Os movimentos do número oito foram se tornando cada vez mais lentos. Edge começou a perceber o motivo. O corpo dele estava se corroendo. Edge via em cada ferimento. Ele parara de sangrar por completo. Ao invés disso, os ferimentos se aprofundavam lentamente. Seu corpo estava entrando em colapso.

Edge só tinha uma teoria para isso. Era realmente um humano que fora transformado em Knight. Seu corpo havia sido assimilado e se tornado forçadamente um Knight. Quando tal energia foi retirada por Nina, ele entrou em colapso. Edge, por outro lado, era uma entidade formada e completa, sendo capaz de apenas impedir o fluxo de energia e selar suas habilidades quando necessário. O número oito estava morrendo diante dos seus olhos.

Ele logo percebeu o que estava acontecendo. Seus olhos procuraram ao redor alguma forma de vitória sem sucesso. Pegou então todas as granadas que possuía e disparou todas. Edge rapidamente colocou os acessórios, modificando sua arma novamente para a submetralhadora em um tempo curtíssimo. Com tal velocidade de disparo, acertou cada uma das granadas em pleno ar, antes que a situação se tornasse insustentável. Ao ver seu último ataque fracassar, o oponente teve a reação mais lógica. Pegou o detonador que usaria caso fosse interrompido.

Iria matar todos ali como última ação. Edge conseguiu remover o detonador de sua mão com um tiro preciso. Seu olhar não era de raiva e sim de tristeza. Tentava segurar as lágrimas até o fim. Então o oponente fez a última ação. Revelou o que carregava consigo. Uma pequena bomba que detonaria com o puxar de um pequeno fio que carregava consigo preso à mesma. Era uma medida de emergência e custaria sua vida. Iria morrer em breve, mas levaria todos consigo naquele ato.

Levou seus dedos até o fio e começou a puxá-lo. Edge não teve tempo de reação naquele momento, abismado com tal atitude. Não conseguia reagir diante de um sacrifício como esse, apenas deixou as lágrimas caírem. Precisava fazer algo. Posicionou sua arma e preparou-se para atirar caso ele se movesse um pouco mais. Iria mata-lo em um tiro apenas, tudo o que precisava era que se movesse.

Ele não se moveu. Seus dedos pararam de se mover na metade do caminho. Não tinha forças para isso. Não continuaria vivo. Antes de morrer, olhou diretamente para Edge. Debaixo daquele cabelo rubro que escondia a visão, Edge pôde ver um brilho que conhecia bem. Lágrimas. Ele havia falhado em sua missão. Não tinha mais como reagir. Morreu de pé, com os dedos a um passo de matar todos ali. Edge não conseguiu segurar o sentimento que cresceu com aquela atitude. Aquele homem ali à sua frente era exatamente como ele. Ambos lutavam pelo que acreditavam e estavam dispostos a dar a vida por isso. O que mais assustava Edge era saber que enfrentaria pessoas assim. Enfrentaria alguém que não conseguia julgar culpado. Lágrimas caíram de seus olhos enquanto caía ao solo, exausto.

Finalmente Nina foi capaz de parar de apenas assistir e correr até ele. Estava em prantos. Sentiu todo o combate, todos os sentimentos. A dor do oponente a corroía por dentro como ácido, derrubando parte de suas crenças. Aquele homem era um soldado exemplar, mas acima de tudo, era alguém com honra e que merecia o respeito de Edge. Era um oponente superior, um oponente que Edge não foi capaz de derrotar em momento algum. Escapara da morte pois ela escolhera outro alvo, de outra maneira, estariam todos mortos. O destino os salvou naquele dia, não Edge nem Bran. Olhando para o céu, Edge viu o fim daquele oponente tão poderoso, mas não conseguia sorrir. Ninguém conseguia.

Foi resgatado e logo colocado em uma cama para se recuperar. Na escuridão, as lágrimas dos dois combatentes brilharam e ecoaram ao cair em sua mente. O peso da honra daquele homem agora era seu.