Corri com uma velocidade que nem eu sabia que tinha. Não sei explicar o que senti nesse meio tempo em que corri, eu podia sentir uma tempestade se formando do lado de fora, sensação de casa. Eu olhava o homem e cada vez ele se tornava mais nítido e ao mesmo tempo sumindo.

                Agora era visível como ele era, usava roupas da idade média, mas estavam sujas, uma mancha de sangue se estendia pela sua barriga, pingando no chão enquanto corria, mas sumindo quando ele se afastava. Seu cabelo era grisalho e se movia com o vento, só que no corredor da escola não estava ventando, estava quente e úmido.

                Ele caiu no final do corredor, exausto, olhando para trás, para além de mim e Brian, com os olhos escuros arregalados e com um pouco de satisfação, ele ainda segurava o livro, Diatiz Encantrios, tão forte que a ponta dos dedos estava branca.

                Enquanto eu chegava perto dele meu coração acelerava inconscientemente, “casa, casa, casa...” esse pensamento era repetido no meu subconsciente. Quando faltava um metro para alcançá-lo, parei, e comecei a andar com uma graça que eu sempre estranhei ter, tão leve quanto ar. A tempestade de ventos do lado de fora de intensificara.

                - Cuidado. – Brian chegou do meu lado, não tinham expressão nenhuma, nem mesmo susto.

                - Com licença senhor. – estava mais perto dele agora.

                - Oh você veio! – ele arregalou os olhos e esticou a mão, instantaneamente eu me afastei. – Calma, não vou machucá-la, venha. – ele fez um sinal para que eu chegasse mais perto, e eu cheguei.

                O estranho é que, quando eu via filme de terror com Lily ela sempre se perguntou o porquê das pessoas descerem no porão escuro no meio da noite sabendo que algo estava errado, eu não deixei de concordar com ela.  E agora eu estava perto de um estranho que com certeza tinha problemas psicológicos. Joguei minha mochila para o outro lado e agachei perto dele.

                - Kassie... – Brian estava do meu lado, seu tom era de alerta, sua respiração logo a cima de mim era reconfortante.

                - Quem é você? – tentei tocá-lo, mas a minha mão o ultrapassou, como se ele não estivesse ali.

                - Eu não estou aqui de verdade, minha querida. – ele tentou tocar meu rosto, mas era uma tentativa em vão. – Dá ultima vez que a vi, você era apenas um bebezinho a beira da morte – aquilo não era legal de se falar, eu sabia que tinha nascido com um problema no coração e precisei fazer uma cirurgia as pressas, mas não tinha problemas desde então. Mesmo assim não gostei de lembrar. – Tome, tome. – ele disse pegando algo no bolso da calça ou o que sobrou dela. – tenho pouco tempo.

                - Não tem como...  – ele não estava ali de verdade, como que ele ia me entregar alguma coisa, mas mesmo assim ele continuou procurando algo no seu bolso, até retirar um colar, igual ao da Lily, do Brian e da Mindy.

                Ele me entregou, e por mais incrível que pareça eu consegui pegar o colar. Era do tamanho da palma da minha mão, imitando pedra, mas dessa vez eu conseguir ver o desenho que formava um sopro, somente isso, com um escrito dizendo: “Fúria”.

                - Volte para casa, e venha a minha procura, preciso lhe entregar algo que não tenho força suficiente para transitá-lo por outra dimensão.  – ele olhou para trás e ofegou, se levantou com dificuldade e saiu correndo, só que havia parede à frente, antes de ultrapassá-la ele falou – Te espero.

                Desabei no chão, encostando-me à parede. Coloquei a cabeça entre as pernas e tentei dissipar a sensação de enjôo que se formava. Brian sentou do meu lado, podia sentir o calor dele perto de mim.

                - Isso foi estranho... – ele parou por instante depois de perceber que eu não respondi. – você está bem?

                - Não. – o enjôo não passou e agora mais forte, levantei a cabeça e coloquei o colar no pescoço.

                - Você está muito pálida. – ele colou a mão no meu rosto. – e fria, vem... – ele se levantou e esticou a mão para mim. – vou levá-la a enfermaria, você não está nada bem.

                Quando eu tentei levantar e desabei na mesma hora, o que me impediu de cair foi Brian, logo depois eu apaguei.

                Dessa vez o sonho foi diferente: Um homem, também estranhamente familiar, mas não o mesmo que eu via sempre. Ele olhava por uma varanda, triste e com medo. Usava roupas graciosas e lindas, tinha uma capa azul e uma coroa pendia em sua cabeça, tinha cabelo loiro escuro e seus olhos eram cor de café.  Ela olhava uma guerra se formando abaixo dele, com dor e ódio nos olhos.

                - Não há mais nada que eu possa fazer. – ele se lamentou para alguém que eu não consegui ver.

                - Não é sua culpa meu rei. – algo naquela voz era assustadora.

                - Eu errei, não fui bom para meu povo... – ele parou por um momento e pensou. – seu eu não tivesse...

                - Pegado os poderes deles? Você fez isso para a segurança do seu povo. – tinha convicção na sua voz.

                - Agora meu exército está fraco, todos vão morrer...

                Meu sonho mudou agora eu estava em um navio, era quase real...

                - Kassie! – a voz de Lily era distante. – Você é maluca?

                Levantei com um esforço, ponto pretos me impediam de ver as coisas com clareza, mas fora isso eu não sentia nada de diferente.

                - O que aconteceu? – perguntei ainda meio grogue. – Onde está o Brian?

                - Não sei o que aconteceu, só o que sei foi o que o Brian me disse quando cheguei aqui. – ela disse eufórica, mas eu sabia que era o seu jeito de se preocupar. Levantei da maca e coloquei meu tênis.

                A enfermaria não era nada de especial, era um quadrado de três metros cúbicos no máximo, tinha um armário no canto e uma cama, na maior parte do tempo a enfermeira passava fora daqui, como agora, ninguém gostava de ficar lá, tinha cheiro de rato morto.

                - Está pensando que vai aonde Kassie Way? – ela se policiou quando me viu levantar.

                - Não vou ficar aqui. – fiz uma careta, o cheiro era realmente horrível, será que ninguém limpava aquele lugar? – E eu já estou melhor e morrendo de fome. – olhei na tela do meu celular, era 13h. – vamos almoçar?

                - Vamos... – ela parou quando viu o colar no meu pescoço – Onde você arrumou isso?

                - Um cara me deu – não era mentira, só que não toda a verdade, se eu contasse a ela o que tinha visto, ela com certeza me chamaria de louca e não iria acreditar.

                - Sei... Não que me contar. – ela parou, alguém parou na porta, para minha sorte. – Liam! – ela abriu um sorriso e correu para dar-lhe um abraço.

                Liam não era muito alto, usava um par de óculos gigantes, mas não era feio. Ele tinha um cabelo encaracolado marrom, seus olhas eram cor de café, ele estava usando jeans e uma blusa lisa preta de baixo de uma jaqueta xadrez.

                - Vejo que já está melhor Way. – ele sorriu, seus dentes eram perfeitamente brancos, eu passei por eles na porta e procurei Brian pelo corredor.

                - Estou bem melhor Roque. – retribuí o sorriso.

                Seguimos para o refeitório, eles atrás de mão dadas e eu procurando o Brian. “Para de procurá-lo Kassie” me policiei, dá última vez que tinha gostado de alguém bonito e do mesmo jeito que ele eu acabei me apaixonando e perdendo logo depois. Eu tinha que ficar longe dele, sofrer de novo não era o que queria.

                Tentei repelir o máximo as lembranças que vinham: o colar, o homem, o rei e uma guerra. Tudo estranhamente conhecido e ao mesmo tempo tão longe na minha mente.

                Chegamos ao fim do corredor que dava para o refeitório e meus olhos estavam atentos a procura dele, por mais que eu não estivesse muito a fim da sua amizade, queria saber como ele estava dando com tudo o que aconteceu, só ele ia me entender naquela hora.

                Nosso refeitório era bem grande e bem comum: adolescente zoavam e brigavam em um canto, outros fazendo o dever sem amigos. Não que aqui tivesse essa divisão de classes, mas tinha uns que realmente preferiam ficar longe daquela zona. Tinha mesas espalhadas por todo o espaço, e um balcão com comida, se é que aquilo pode ser chamado de comida.

                Depois de pegar meu almoço eu me separei do Liam e da Lily e passei o olho pela multidão. Mindy ainda estava se achando com o colar, Frank bem do lado dela, os boatos é que eles terminavam e voltavam toda a semana. A visão dele ainda mexia comigo, toda vez que sorria sua cicatriz se contorcia de um jeito que sempre me fazia sorrir, eu nunca entendi o motivo para ele estar ali, com ela. Hoje ele estava com uma bermuda jeans e seus olhos estavam mais brilhantes, usava uma blusa vermelha escrita “Igualdade sempre”.

                Mas algo me tirou do meu devaneio.

                - Disfarce pelo menos. – era Brian, logo atrás de mim, segurando a bandeja de comida com um hambúrguer, uma Coca, um saco com batatas, um cachorro quente estranho e nachos que não pareciam nachos, ele comia bem.

                - Eu não estava olhando nada. – tentei disfarçar enquanto ruborizava.

                - Seu ex? – ele encarou Frank – deixa-me chutar, ele era seu namorado até a menina que usa um pano como saia roubá-lo de você.

                - Acertou senhor sabe tudo. – andei até uma mesa vazia no canto esquerdo.

                - Ele está melhor lá – ele não era muito bom em consolar as pessoas.

                - Obrigada por dizer, eu não sabia disso. – sentei-me à mesa e tentei não encarar o Frank que estava...

                Vindo até mim, ele estava sorrindo para mim, como sempre fez, por que ele estava vindo?

                - Pode ter um ataque. – Brian estava rindo incontrolavelmente, ele se divertia com isso, só que não me ajudava em nada.

                Quando Frank chegou, ele tinha a menção de falar algo, mas cortado imediatamente por Lily.

                - Estou perdendo algo? – ela chegou à mesa apoiando sua bandeja com comida vegetariana. Ela estava segurando a mão de Lian e sorria travessa.

                - Ainda não... – Mindy também chegou perto da mesa, sua mochila pendia em seu braço esquerdo e ela olhava ameaçadoramente para mim.

                - E nem vai acontecer... – parei quando percebi que todos estavam usando os mesmos colares, todos os seis. – Como?

                - Como o que? – Brian colocou a mão no meu ombro.

                Os colares começaram a brilhar em diferentes cores, não deu para distinguir nada, a partir daquele momento tudo começou a rodar. No começo eu pensei que eu iria desmaiar, mas vi que era outra coisa: Não estávamos mais no refeitório.