Além Da Guerra escrita por Shin Damian


Capítulo 2
Capítulo 2




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.:Nagato:.

Seu rosto expressava descrença no que falei. Continuei andando e com cuidado, minha perna ainda está ferida, apesar daquilo não me incomodar, ele parece se importar com isso. Puxei a madeira que tapava a porta e fiz um gesto para que passasse. Entrei logo atrás dele.

Segurei seu pulso e fui guiando pelo caminho rotineiro até as escadas. Os apartamentos eram todos ocupados praticamente por famílias inteiras, mas também havia nossa central de informações no subsolo. Temos aparelhos roubados de acampamentos militares, tanto norte coreanos, norte americanos como japoneses também.

Peguei a chave em meu bolso, abrindo a porta de casa. Convidei-lhe silenciosamente a entrar e tranquei-nos ali dentro. minha colega de quarto, Konan, assim que nos viu, agarrou-me, mesmo sabendo que não seria retribuída.

— Eu me preocupei com você, Nagato, pensei que estava morto.- olhou pro outro ruivo e deu dois passos pra trás, sacando uma faca.- Quem é esse? Por que está fardado?

— Ele não é nada. – rosnei.- Volte a seus afazeres, Yahiko está do nosso lado.- fitei-lhe.- Se não estiver, sabe que vai morrer.

Isso a fez baixar a guarda e sorrir. Ato estranho, que esqueci como se faz há meses. Esse apartamento é o menor, então, significa que ou eu divido o quarto com ele, ou ele dorme na sala, porque a azulada, Konan, não o deixará dormir lá... pelo menos é o que eu espero.

Acompanhou-me até a minha acomodação e coloquei a mochila com as coisas dele na cama. Entrei em sua tenda antes de alertá-lo da granada, mas parece que está tão em choque que não percebeu a ausência de coisas.

— Seu quarto é grande.- comentou. Como pode esquecer o que acabou de passar assim tão rápido?

— Sim.- respirei fundo. Esqueço que ele ainda não viu os outros e saberia que esse é o menor, justamente pelo tamanho da cama.- Temos água encanada e gás. Faça o que tem vontade, mas não saia daqui sem mim.

— Tá.

— Vai dividir o quarto comigo, mas aviso, sem gracinha na hora de dormir, não gosto de invasão na minha parte da cama.

— Ok...- fitou-me.- Quantos anos você tem?

— Dezessete.

— Nossa... eu tenho vinte e um e não sou tão sério.- apertou minhas bochechas, mas dei-lhe um tapa nas mãos, que o fez ficar sério.- Calma.

— Não faça mais isso.- repreendi e me joguei na cama, pegando minha venda preta para cobrir os olhos.

Fiquei deitado como sempre. É difícil encontrar momentos de paz e se assim for por mais alguns dias, poderei descansar bastante pra logo voltar a procurar mais esconderijos. Ouvi o barulho do chuveiro e logo depois de alguém mexendo na mochila aqui do lado.

Não me movi. É uma habilidade útil pra quem quer se fazer de morto em horas perigosas. Senti a cama afundar e em seguida algo também tocar minha testa, tirando meus cabelos do rosto. O que esse infeliz está fazendo?

_Sei que está dormindo...- sussurrou.- Mas... mesmo que não se importe com isso, ou que não saiba quando acordar, fiquei feliz por ter voltado. – algo quente recostou sobre meu rosto minhas bochechas. – Obrigado por me proteger... e eu também farei isso por você, eu juro.

Não entendo. O que é isso? Eu não voltei pra... nem sei por que voltei lá. Eu sabia que aquele lugar seria atacado. Corri um risco de morte muito grande, corri o risco de estar entre os números de heróis mortos, no entanto eu o impedi de ficar entre esses números também.

A verdade... a verdade de se apegar a uma pessoa, é que causam dor quando se vão... por isso não queria me apegar a mais ninguém, talvez esse tenha sido meu erro, porque de certo modo, sinto que estou ligado a esse cara.

Yahiko, seu nome ficou por dias na minha mente, mas não o pronuncio. Senti seus braços envolverem meu corpo e quis sair dali. O que acha que está fazendo? Não sou esse tipo de pessoa que se abraça.

De que estou reclamando?! Ele fazia isso no acampamento também. Não foi tão agradável, mas não foi de todo ruim, exceto quando começa a ressonar e te apertar mais contra si. Esperei até que afrouxasse o braço e pude sentar-me.

Arrumei minha franja, colocando a mesma sobre os olhos e tirei a venda. Todos aqui já viram meus olhos, mas estou certo de que ele nunca viu coisa parecida. Olhei pro ruivo, percebendo que ainda está acordado, porém com os olhos fixos em um único ponto. As lágrimas caíam incondicionalmente.

Toquei a ponta de seu nariz, acordando-o do transe e fazendo-o sentar, perdido e confuso. Fitava lentamente cada canto do quarto e vi que estava assustado demais pra perceber o que estava sentindo. Já acordei assim na noite em que atacaram minha casa... estava tão em choque, que não reconhecia o lugar nem o que meu peito queria deixar explodir e extravasar.

Quando começou a chorar, tapando o rosto, percebi que realmente aquele foi o primeiro atentado em que perdeu pessoas que realmente se importava e que aquela fachada feliz era apenas uma máscara da triste realidade.

Não é comum que eu o faça, mas senti que deveria abraça-lo. Fui retribuído de uma forma que não esperei. Parecia sem forças e seu choro silencioso o fazia ofegar em meu ombro. Nada havia lhe sobrado... nada além de mim. Meu coração acelerado ainda parece desacostumado aos sentimentos, mas minha pele não. O calor de seu corpo é bom, mesmo triste, sei que posso sentir.

Aos poucos, aquelas lágrimas começaram a se tornar soluços e seus braços me soltaram. Estranho tanto contato, mas deixo que acaricie meu rosto e talvez essa tenha sido a besteira. Em um segundo de distração, deixei que mexesse em meus cabelos, revelando meus olhos.

— Então... é por isso que os esconde de todos?- perguntou secando as lágrimas que deixei cair.

— Pare com isso.- voltei a cobri-los.- Não escondo de todos... você foi o único que eu queria que não visse.- que besteira fui falar... mas essa besteira o fez sorrir.

— Por quê? Seus olhos são lindos.- segurou meu rosto de modo que acariciasse minhas bochechas com o dedão. – São únicos e raros.

— São estranhos.- sussurrei.- Pare de me tratar assim.

—Desculpa, mas não consigo.- abraçou-me novamente. – Não esconda mais seus olhos. Quero saber o que sente.

— Eles não dizem nada... apenas que descendo de mais uma guerra... e que minhas sequelas são essas.

Seus braços são confortantes... por que me sinto seguro? Por que me sinto bem? Por que não consigo afastá-lo como faço? Nem mesmo vendo meus olhos, consequência de Hiroshima, não teve medo.

— Você é o único que me restou... deixa... eu ser importante pra você, por favor.

Pra eu ter voltado só pra avisá-lo, talvez ele já fosse e nem me dei conta. Talvez não seja errado ter alguém pra proteger e ser protegido... talvez não seja errado demonstrar a gratidão desse modo... ou afeto.

Deixar que me afague, mesmo ouvindo os sons de tiros frequentes lá em baixo... deixar que tenha a mim como um ponto confiável, como algo que possa se sentir melhor ou até mesmo ser sua família.

Agarrei sua camisa, confirmando que aceitaria estar do seu lado. O que não entendia é o motivo pra não querer soltá-lo. Isso é de modo, irritante... irritante demais.

...

Com o passar dos dias, Yahiko foi entendendo como as coisas funcionavam por aqui. As tropas militares geralmente traziam suprimentos, mas não ficavam por muito tempo, apenas o suficiente para assegurar que a área estava protegida.

Com três semanas ao meu lado, entendeu o grande motivo para nunca sairmos durante o dia, ou por não confiarmos em pessoas. Oito de nossos aliados morreram e isso ainda era uma grande perda para nós.

Como é de rotina, trocamos de prédio e nos dividimos em busca de novos grupos. Mudamos para o norte do país, onde as bombas ainda não chegaram. Queria me afastar o máximo possível da linha de fogo e me preparar para o que chegaria.

Naquele vilarejo frio, compramos armas, suprimentos, muitos suprimentos e também casas com abrigo subterrâneos, onde estocaríamos boa parte das coisas. Konan, como sempre, é a pessoa que fazia os mapas e distribuía as quantidades, mantinha contato com o resto do grupo espalhado por todo o Japão.

Nesses últimos dias tenho me afastado um pouco de Yahiko, mas ele estava bem assistido. A azulada cuidava muito bem dele e até chego a pensar que se atraiu por aquele sorriso sincero e a personalidade brincalhona.

Se isso me incomoda? Claro que sim. Pensei que seria o único que ele se importaria, no entanto, trata a garota como se também fosse muito importante. Não entendo essas coisas, não entendo como faz isso, também não entendo porque estou tão irritado.

Acordei hoje assim, talvez tenha sido porque encontrei logo cedo, meu suposto amigo, saindo só de toalha do quarto dela... e com algumas marcas no pescoço. Essa é uma dor que me atinge.

— Aonde você vai?- perguntou ao me ver segurar a chave da moto que ainda carrego comigo. – Está diferente, Nagato.

— Hunm...- saí e bati a porta em sua cara... pensando bem, essa não foi a primeira vez que o vi sair do quarto dela de manhã... não mesmo, no entanto, isso está acumulando em meu peito.

É por isso que não queria me apegar a pessoas. Subi no veículo, mas ele também o fez. Tudo bem, se quiser me acompanhar, mas talvez devesse ficar em casa, seria mais interessante, pois poderia fazer o que quisesse com aquela...

Segui em direção a praia deserta e decidi caminhar um pouco pelas pedrinhas, ouvindo o barulho tão estranho do mar. Não é meu costume ficar em um lugar tão calmo, estou acostumado aos tiros, carros e ao movimento de Tokyo e Yokohama... pelo menos o movimento que tinham.

A cada segundo, tentei não deixar a dor que sinto passar para seus olhos. Ver o reflexo do sol na água machuca minha visão sensível, mas essa dor apaga a outra. Sentei-me no chão, sendo seguido por ele.

— Você nunca fala o que te incomoda, percebeu?- comentou.

— Porque talvez, nada tenha me incomodado tanto.- meu tom voltara a ser sério.

— O que te incomoda tanto?

— Tudo me incomoda. Principalmente você. Não percebeu que eu quero ficar sozinho?

— Não. Porque acho a solidão muito triste.- segurou minha mão. – Você não precisa ficar sozinho, você tem a mim.

— Será mesmo que tenho?- fitei-lhe, talvez fazendo-o entender. Eu não quero um meio amigo que está comigo e com outra pessoa, egoísta da minha parte, mas essa guerra me fez ficar assim. Tirei as minhas mãos das dele e voltei a fitar o mar.

Talvez ele apenas não tenha visto... talvez apenas não tenha percebido, ou apenas não queria ver, que era importante pra mim, de um nível que eu queria que fosse só meu... mas não era tão legal me ver assim, não é?! É claro que ele vai preferir a garota.

— Não pensei que ficar com a Konan te incomodaria dessa forma.- o tom triste em sua voz também cortava meu coração, mas não tanto quanto saber que estava mesmo com ela.

— É explicável que prefira a Konan... só não me diga, nunca mais, que sou importante pra você, porque sei que será mentira.

— Não foi mentira. Você é importante pra mim.

— Se eu fosse importante, não teria escolhido ficar com ela. Yahiko a vida é mais simples do que você imagina. É o princípio básico de escolha, pra você ter uma coisa, tem que automaticamente abrir mão de outra. Escolhendo ela, você abriu mão de mim. Simples.

— Você fala como se fosse tão... óbvio.- tentou aproximar-se mais de mim, mas não vou deixar que esse erro aconteça novamente.- Não quero voltar a ter você me tratando como no início.

— Não terá... antes eu ainda podia contar com você.- levantei e saí dali devagar. Se quer tanto a Konan, ela que venha busca-lo.

Fazer isso machuca, mas tenho que me desligar desse cara antes que eu me machuque mais. Sentirei falta daquele sorriso bobo, daquele tom de voz e também de seu abraço, mas é melhor que essas sensações morram como antes. Relembrar como é isso dói mais do que o ferimento a bala que levei no dia em que nos encontramos.


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