Como se não bastasse ser atacada por um bando de mortos,eu ainda me encontrava vulnerável após atravessar um vidro e cair em cima de um caminhão de lixo.

–Michaella?-a voz doce de Liam invadiu a sala.

–Liam?-minha voz fraca aquietou a sua.

–Você está bem?Sente alguma dor?

–Não,não...estou bem.-menti.

–Que bom.

Meus olhos rolaram pela sala branca.Tudo estava empoeirado,mas os aparelhos ainda eram de alguma utilidade.Alí,em um canto,ao lado de uma maca azul,estava Blair.Tanto em ótimo estado quanto bem vestida.O cabelo longo cor de chocolate tapava os ferimentos evidentes nos ombros,e a blusa bege destacava a calça jeans.Fiquei com inveja;era injusto eu estar naquelas condições.Ela se aproximou com um sorriso,chegando mais perto de mim do que Liam.

–Fico feliz que esteja bem.Sua queda foi realmente perigosa.

–Eu sei bem disso.-tentei ser rude,mas minha dor de cabeça impediu qualquer mudança,mesmo na voz.

–Michaella,acha que pode levantar?-Liam continuou a antiga conversa.

–Acho que sim.Mas estou com uma leve pontada na perna-uma forte dor no joelho.

–É por causa da lesão.

–Não nega ter feito faculdade de medicina.-ela deu um riso baixo e tímido.

–O que?-eu levantei a cabeça,provocando uma dor de imediato.

Ele olhou pra Blair com arrogância,mas não perdeu a educação.

–Eu sou formado em medicina.Sabe,não é o tipo de coisa que eu goste que as pessoas saibam.-ele bufou antes de falar e depois encarou Blair.

–Como não?-dessa vez eu me sentei na maca em que estava-Você é formado em medicina!-sorri,orgulhosa.

–Sim,sou.Mas não fui bom o bastante para ser aceito...nesse hospital.-notei que ele não iria continuar,só o fez porque Blair o lançou um olhar encorajador.

–É por isso que conhece tanto sobre essa cidade?Você... morou aqui.

–Sim.Mas não queria que soubessem.

–Sim,dessa parte eu não sabia.-ela informou.

–Por que não contou isso antes?-questionei.

–Porque eu não quero lembrar de que um dia eu vi essa cidade inteira viva.Não quero lembrar de que meus pais já tiveram uma casa que agora está destruida.-ele fez uma pausa.-Bem,não estamos aqui para falar disso.Estamos aqui para sobreviver.-ele riu,irônico.

–Está meio difícil.-apontei minha cabeça enfaixada.

–Vamos cuidar de você.-ele segurou a minha mão.

–Mas...como os mortos conseguiram entrar no prédio?-me deitei novamente.

–Destruindo as portas.-Blair se sentou na ponta de uma das macas do quarto.-Eles são mais fortes do que pensamos.

–Não sei como um cadáver pode ser tão forte.

–Eu também não,mas tenho uma tese.O veneno desses zumbis pode ser muito poderoso.Altamente radioativo.Temos que tomar cuidado redobrado se isso for verdade.

–Não pode ser...

Me sentei novamente,erguendo o braço esquerdo na direção dos dois.Puxei a manga da minha blusa e deixei-os verem os arranhões evidentes.Um corte fundo ia do início do meu antebraço quase até meu pulso.A ferida não sangrava,mas era escura e deixou manchas arroxeadas por todo percurso.Liam passou a mão de leve em volta do machucado,sem tocá-lo.Blair acompanhava do mesmo canto em que estava-ela deve ter se assustado com a novidade.Ela fazia uma careta de nojo e medo,tentando virar o rosto para mim mas sem conseguir parar de olhar a ferida.O silêncio foi tão longo que eu preferia morrer sem ter dito nada.

–Michaella...não há com o que se preocupar.-Liam sorriu e se levantou.-Isso foi causado pelos estilhaços do vidro.

–Que susto.-eu sorri levemente.

–Bom,continuando,tente se levantar.

Eu assenti e coloquei as pernas para fora da maca.Me apoiei no ombro de Liam e consegui botar os dois pés no chão.Blair só observava,sem dizer nada.Ele segurou minha cintura e esperou que eu andasse.Dei um passo,sem sentir nada.Foi fácil.

–Estou bem.

–Acho que vai querer suas roupas,não é?-Blair questionou-Desculpe por...tirar sua blusa,ela estava com sangue.

–Sim,mas...que roupas?Eu só tinha as que eu estava usando no prédio.-disse.

–Bom,são essas mesmo...mas é só até chegarmos no centro da cidade.Lá tem um shopping e pretendemos pegar umas coisas.Não vai querer sair de roupão de ambulatório,vai?-Liam falou rapidamente.

–Não.-andei até a porta do quarto.-Onde estão minhas roupas?

–Eu te levo.-Blair se ofereceu e me puxou porta a fora,quase saltitando na direção de um almoxarifado.

–Suas roupas estão na prateleira de cima,e Liam deixou uma jaqueta,caso sinta frio.-ela apontou a estante no quartinho.

–Obrigada-disse e entrei,trancando a porta.

Agarrei uma muda de roupas sujas de sangue,com rasgos perturbadores.Eles me lembravam o momento em que senti uma dor profunda no braço.A blusa continha o cheiro de sangue que a ferida soltou,e eu enjoei.Prendi a respiração e me vesti.A jaqueta de Liam ficou um tanto larga,mas esquentava bastante.Notei que ela tinha o seu cheiro.Enquanto me vestia,comecei a pensar.Pensar sobre o que afinal teria acontecido com a minha família.Lembrei de minha mãe,com os mesmos cabelos ruivos que os meus,fazendo meu café da manhã.Meu pai,alto e rígido,mas no fundo,um homem amoroso.Eu sentia a falta deles.Queria um abraço da minha mãe,me dizendo que tudo ia dar certo.Que estávamos juntas.Mas não estávamos juntas.Eu não podia nem ter a certeza de que ela estava viva.E meus tios.Eles já me suportaram e me ajudaram.Me acolheram várias vezes.Não tive tempo de me despedir.Lembrei de Toby,meu bassê.Tão amável,sempre me recebendo bem quando eu chegava da escola.Agora eu o havia perdido.E Emily...obviamente ela fugiu de casa.Fiquei pensando se uma garota de treze anos poderia sobreviver no meio disso tudo.Ela era absolutamente inocente.Blair me lembra ela.Ela ainda pode estar viva.Mas em algum lugar muito longe,por onde obviamente eu não vou passar.Ao pensar em tudo isso,uma lágrima saiu do meu olho esquerdo.Mas não era hora de ser fraca.Eu precisava ser forte.Eu precisava sobreviver para que talvez,um dia,pudesse encontrá-los.Limpei a lágrima e coloquei a mão na maçaneta.