O dia cinzento já havia sido substituído pelo céu azul, que trazia consigo uma constelação de estrelas. Lá estava eu, encostada no carro olhando para cima. Olhando para aquelas estrelas, eu me sentia em meu mundo de novo. Afinal, aquele não era mais o meu mundo. As estrelas, tão inalcançaveis e tão longe do planeta Terra, agora dominado pelos mortos. Saí de meus devaneios quando minha barriga roncou. A última coisa que comera foi um sanduíche; E fora no helicóptero. 

-Tá mal, hein, Mich?!-zombou Kris, me olhando da janela do carro.

-Como se você não estivesse.-ri, e ela revirou os olhos.

-Espero que Liam traga suprimentos pra um ano.-suspirou.

Liam pareceu ter ouvido, porque em poucos segundos estava na porta do estabelecimento com dois sacos na mão. Pude ver pelo saco transparente que ele pegara gasolina; Sem dúvida era para a lancha.

-Acho que peguei tudo...-comentou, colocando os sacos dentro do carro. Victoria enfiou-os no porta-malas.

-Pegou mais armas? As munições estão acabando e logo vamos precisar de mais armas manuais.-disse para Liam, que bufou.

-Um minuto.

Esperei o tempo dito e ele voltou. Em suas mãos, trazia desajeitadamente um taco de baseball, um kit de facões, dois cutelos e uma peixeira. 

-Pronto, senhorita.-disse, sorrindo.

Peguei os objetos e coloquei no porta-malas. Pela quinta vez, olhei para meu coldre e contei as balas. No total, contando com as armas de Kris e de Liam, haviam sete balas.

-Vamos.-disse Liam.

Hesitante, olhei uma última vez para cima e entrei no carro. Não esperei dois minutos para atacar um saco de salgadinhos que Liam trouxera. 

-Liam, acho que devemos contar para elas agora...-Liam se virou lentamente para mim, e depois olhou para trás.

-Boa sorte.-respondeu, sorridente.

Bufei. Para Victoria, não faria tanta diferença; Afinal, iria fazer aquilo pelo bem de sua irmã. Agora...Kris...

-Kris, chega aqui.-disse, baixo.

-O que?-perguntou, alto.

E lá se foi a minha chance de ser discreta. Victoria nos olhou. Fuzilei Kris com os olhos, e voltei a encarar a rua à minha frente.

-Estamos voltando para Davenport. 

-A cidade de onde vieram?-perguntou Kris, talvez se lembrando do dia em que me viu pela primeira vez.-Por que?

-Por motivos pessoais, vai saber quando chegarmos.-respondi, confiante.

-Decidiram isso sem me consultar?-perguntou, emburrada.

-Estou te consultando agora.

Ela pareceu pensar.

-Eu não tenho escolha, mesmo. 

Kris suspirou e se encostou no banco. Victoria não deu uma palavra sequer até chegarmos no cais. Só até chegarmos no cais. Assim que Liam estacionou o carro, a mesma se inclinou para mais perto de mim.

-Michaella, não é?-indagou, indiferente.

-Sim, o que foi?

-Eu ouvi vocês-ela olhou para Kris.- falando sobre ir à Davenport... não entendi. A base não é na Austrália?

-É, sim. Mas eu tenho quase certeza absoluta de que Blair está lá. Assim como tenho certeza de que minha mãe e minha prima também estão.-esclareci, e Victoria não se convenceu.

-Como tem tanta certeza?

-Não me pergunte como, me pergunte por quê.

-Tudo bem. Por que tem tanta certeza?-sorriu, desafiadora.

-Porque eu amo as três, e saberia onde elas estão até morta.

A garota se afastou, saindo do carro. Fui a última a sair, levando o salgadinho. Kris me fitou, provavelmente se perguntando se eu comia assim normalmente. Bufei e joguei o pacote dentro do carro.

-Ah, que beleza.-disse Liam, olhando para um pequeno deque, com algumas lanchas em volta.

-Victoria, pegue os suprimentos e as armas.-murmurou Kris.

Victoria a obedeceu, voltando para o carro e pegando as sacolas. Ao distribuir as armas, Kris me deu uma peixeira, ficou com um cutelo, Victoria com outro e Liam com o taco. Distribuimos duas facas para cada um.

-Estaremos seguros no mar, mas não sabemos quando teremos que parar.-Liam comentou, terminando de checar se a lancha tinha combustível cheio.

Talvez fosse melhor ir de lancha, mesmo. Afinal, estaríamos em segurança... e confortáveis. Era assim que eu me sentia na casa. Senti um aperto no coração. 

-Ei, Mich, vai ficar tudo bem.-Liam colocou seu braço em volta de mim, percebendo que minha expressão mudara.

-Espero.-murmurei, entrando na lancha.

Não era muito grande, porém, tinha um quarto. Talvez dezesseis metros de diâmetro. Haviam cobertores, o que facilitou o preparo das camas. Liam dormiria em cima, dentro do convés. Abri o freezer, que por milagre, ainda funcionava. Coloquei todo o estoque de comida dentro do mesmo e me sentei. Observei o pequeno cômodo, pintado de marrom-claro. Senti o chão tremer embaixo de mim, seguido de um barulho de motor. 

Obrigada por cumprir a promessa, Michaella.

Me assustei com a voz. 

Ainda não cumprí nada, comentei mentalmente.