Ad Limina Portis escrita por Karla Vieira


Capítulo 21
Hostilidade




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Andrew Cooper POV – Manhã de 18 de Novembro.

Caminhei para dentro do labirinto. Assim que a badalada soou, um tremor sacudiu o chão e as paredes, e um estrondo atrás de mim me fez erguer os braços acima da cabeça e me abaixar por instinto. Olhei para trás e vi que uma parede de pedra surgia do chão e tapava a entrada do labirinto, impedindo-me de sair dali. A única direção no momento, então, era em frente.

Levantei-me e endireitei a postura, e peguei minha espada, deixando-a na mão, pronta para o caso que eu precisasse. Andei por mais uns setecentos metros até uma encruzilhada – o caminho se dividia em cinco. Optei por continuar indo reto, e terminei em um beco sem saída. Retornei e peguei o caminho da direita. Tentava manter a calma – eu não gostava nem um pouco de estar ali. Muito menos sem saber onde estava e como estava Kensi.

Andei por mais ou menos um quilômetro, vendo o caminho se dividir em três. Encostei-me a uma parede e tentei respirar fundo, tentando me acalmar. Ouvi um estalido, e me abaixei por instinto – no exato momento em que algumas lâminas finas e pontiagudas se cravavam na parede, onde eu estava de pé segundos antes.

- Foi por pouco... – Murmurei.

Levantei-me e continuei andando. Direita, esquerda, reto. Mais uns dois quilômetros em frente – se é que eu estava indo em frente, estava me sentindo muito perdido. Uma forte neblina surgiu do nada, e fui mais andando mais devagar ainda, pisando leve, tentando ouvir qualquer barulho. Comecei a me sentir meio zonzo, e puxei a gola da camiseta para cima, tapando a boca e o nariz. Corri cambaleante, sentindo o efeito da fumaça tóxica – e não neblina – entrando no meu organismo. A fumaça começou a se dissipar. Bati na parede, continuei correndo trôpego, até tropeçar no meu próprio pé e cair no chão, a espada deslizando para alguns centímetros longe de mim. Ou metros? Eu não estava enxergando direito.

Ouvi um “click-click” de pinças se aproximando, e fui me arrastando até a espada, mas ela parecia estar cada vez mais longe. Ergui a cabeça e encontrei uma aranha gigantesca vindo em minha direção pelo corredor ao noroeste de mim. Ou seriam duas aranhas? Eu não tinha certeza. Levantei-me e cambaleei até a espada, pegando-a. O mundo girava ao meu redor, e a aranha gigante se aproximava. As suas pinças eram enormes, e escorria um muco esverdeado delas. Nada amigável. Nada.

Respirei fundo uma, duas vezes, enquanto o monstro se aproximava. O labirinto pareceu girar com menos intensidade. A aranha ficou sobre quatro patas e sacudiu as outras quatro em minha direção, clicando aquelas pinças nojentas sem parar. Ela investiu em um ataque, e sem ter muito equilíbrio, decepei uma de suas patas. Ela guinchou, e tentou me morder com aquelas pinças, mas desviei. O mundo ainda girava, mas agora eu sabia com certeza que era apenas uma aranha, de uns dois metros de altura por dois de largura.

Decidi tentar um movimento arriscado. Corri para a lateral do bicho, e me joguei no chão cheio de muco esverdeado, deslizando nele. Brandi a espada e cortei as três patas laterais que restavam, fazendo o bicho guinchar e soltar um sangue amarelado dos ferimentos. O sangue inclusive respingou em mim – o que não me importava muito, pois agora eu estava cheio de muco esverdeado. O monstro caiu, ficando com a parte de baixo do abdômen para cima e batendo as pinças contra o ar, sacudindo as outras quatro patas freneticamente.

Levantei-me e cortei as outras quatro patas, evitando que ela me empalasse com elas, e num golpe final, enfiei a espada em seu tórax, e impulsionei para baixo, cortando o tórax e abdômen dela no meio. O sangue gosmento e amarelado espirrou por todos os lados, inclusive em mim e no meu rosto. O bicho parou de guinchar e bater as pinças.

Tirei a espada da carcaça e a baixei na lateral do meu corpo, respirando rapidamente, tentando recuperar o fôlego e sentindo a garganta arder de sede.

- Uma água potável não faria mal por aqui... – Resmunguei, abrindo a mochila e encontrando apenas meia garrafa. Tomei dois goles, procurando poupar a água. Sabe-se lá quando eu poderia ter chance de conseguir mais água. Continuei andando, escolhendo o caminho contrário de onde a aranha havia vindo, afinal, ela poderia ter parentes vingativos por lá. Andei por mais ou menos um quilômetro, virando a esquerda e a direita, parando em um beco sem saída e retrocedendo, indo para a esquerda novamente até chegar a uma encruzilhada. E, de repente, ouvi um grito feminino que gelou minha alma.

- KENSI! – Gritei, começando a correr para onde eu achava que havia vindo o grito. Virei à direita e segui corredor adentro, virando em seguida a esquerda e vendo a silhueta dela a uns setecentos metros de distância, correndo em minha direção no corredor a minha frente. Atrás dela, um paredão de fogo se erguia, tomando o corredor todo. – CORRA, TIGRESA!

Ela se metamorfoseou em leopardo e correu em minha direção, tornando-se humana novamente, agarrando a minha mão e continuando a correr em disparada. O fogo vinha atrás de nós, selvagem, quente e furioso. Assim que chegamos à encruzilhada onde eu havia ouvido o grito dela, o fogo simplesmente parou, formando uma parede. Olhei para ela. Estava descabelada, suja, e com alguns arranhões que pareciam ter sido feitos por patas de algum pássaro. Kensi se jogou em cima de mim, abraçando-me forte. Retribuí o abraço na mesma intensidade, feliz por ela estar bem. Apesar de tudo, bem, sã e salva em meus braços. E era assim que eu queria ela para sempre: nos meus braços. Um pensamento veio a minha mente, de uma ideia que estava remoendo havia dias e que colocaria em prática assim que retornássemos para casa, mas não aguentaria mais esperar.

Respirei fundo, distanciando-me dela, e olhei em seus olhos.

- Casa comigo. – Eu disse, olhando-a.

- Quê? Andrew...?

- Casa comigo. Quando sairmos daqui. Afirma para Deus e o mundo que você é minha e vai ser minha para sempre... Eu não quero mais nada nesse mundo além de te ter para sempre, de ter você nos meus braços, te proteger. Eu vou ficar louco se eu não puder. Você é tudo para mim, Kensi. Tudo. Eu não quero pensar nem por um segundo em te perder, só o pensamento me faz querer morrer, e você sabe, eu morreria por você. Casa comigo!

Ela sorriu.

- Você é louco, sabia?

Assenti fervorosamente.

- Mas eu amo você mesmo assim. – Kensi riu, passando os braços pelo meu pescoço. – É claro que eu me caso com você, tigrão.

Comecei a rir nervosamente, e ela me calou com um beijo. Quando o ar se fez necessário, nos distanciamos.

- Mas primeiro, vamos encontrar nossos amigos e sair vivos daqui. – Ela disse. De mãos dadas, seguimos.

Marie Jean POV – Manhã de 18 de Novembro.

Assim que a entrada do labirinto se fechou, eu tentei não entrar em pânico. Se eu ficasse em pânico seria muito, muito pior. Respirei fundo três vezes, e comecei a andar. Uns quinhentos metros depois da entrada havia uma encruzilhada, abrindo-se para cinco lados. Escolhi o da direita, a nordeste, andando não muito devagar. Virei à direita novamente, e caminhei mais uns cem metros, quando um buraco se abriu no chão e eu caí dentro dele, afundando em águas. Abri os olhos, e tentei subir para a superfície, quando algo agarrou meu pé. Era um bicho esquisito, parecia um gnomo de jardim (inclusive com o chapéu pontudinho, que no bicho era feito da própria pele) cheio de escamas, e em vez de pernas havia vários tentáculos longos. Ele tentava me puxar para baixo com o tentáculo que envolvia minha canela, e logo outro gnomo aquático se juntou a ele. Tentei socá-los, mas os deixei mais raivosos ainda. Eles abriram a boca em um sorriso macabro com suas presas enormes. Um terceiro gnomo surgiu e mordeu meu braço, e gritei por impulso, sentindo a água entrar em minha boca e descer pela garganta. Fechei a boca, mas estava começando a me afogar.

Apontei as mãos para os dois gnomos que me puxavam para baixo, e um feixe de luz azul saiu delas, fazendo os dois monstrinhos desmaiarem. O terceiro me atacou, e antes que conseguisse me morder novamente, acertei-o com outro raio. Vendo-me livre, tentei nadar para cima, mas estava muito fundo – eu iria acabar me afogando antes de chegar à superfície. E consegui enxergar um sapo gigantesco e dentuço nadando calmamente em minha direção, e apavorada, procurei uma saída. Com um feitiço, me impulsionei para a superfície, e tossi, liberando a água dos pulmões e inspirando com força. Vi que o buraco de água era mais profundo do que eu imaginava, e também mais longo. Comecei a nadar rapidamente para a margem à frente, tentando o mais rápido que eu conseguia para que os gnomos aquáticos malvados nem aquele sapo monstruoso não me pegassem novamente. Quando alcancei a parede de pedra, conjurei uma escada de corda e comecei a subir. Icei-me para cima e deitei no chão, com a barriga voltada para o céu, respirando rapidamente.

Quando me senti melhor, levantei-me e continuei andando. Cheguei a uma encruzilhada, e desta vez resolvi continuar no caminho em frente, andando uns setecentos metros até encontrar um beco sem saída. Ouvi um grito que reconheci ser de Kensi – o berro de Andrew em seguida confirmou minha suspeita – e meu coração apertou. Retornei a encruzilhada e peguei o caminho da esquerda, abandonando a ideia inicial de seguir pela direita até meu caminho cruzar com o de Ethan. Andei pelo o que me pareceu um quilômetro, aproximadamente, e virei a noroeste, indo parar em outro beco sem saída. Bufei e retornei pelo caminho, pegando o caminho a leste, quando ouvi um barulho como se fossem de cascos batendo no chão a sudeste. Aflita, comecei a correr para o norte, e entrei à direita, parando para ouvir. Não havia mais nada além do silêncio do labirinto e o som do meu respirar.

Senti um cheiro de flores vindo do caminho em frente, e fui em sua direção, não querendo retroceder e dar de cara com o que fosse que tivesse cascos, ainda mais agora que havia perdido minha adaga longa naquele buraco dos gnomos aquáticos. Andei por uns quatrocentos metros, e o caminho de pedra começou a ter grama, primeiro rala, e depois mais densa. As paredes eram cheias de trepadeiras, repletas de flores de todas as cores e formas. Logo surgiram o que pareciam ser borboletas coloridas sobrevoando o corredor de jardim. Comecei a caminhar lentamente sobre a grama, observando tudo maravilhada, quando senti o ar mudar. Antes a atmosfera era gentil, agora eu sentia uma hostilidade no ar.

Olhei para baixo e vi uma planta tentar enroscar minha canela com sua raiz. Gritei de susto e comecei a correr – o que foi um erro, pois as borboletas começaram a me atacar. Na verdade, não eram borboletas; apenas suas asas pareciam com as do inseto bonito. Estes bichinhos tinham ferrões e zuniam, tentando perfurar minha pele. Comecei a bater os braços ao meu redor, tentando afastar os bichos, e corria sem parar, até que tropecei e caí. As plantas começaram a enroscar suas raízes em todas as partes do meu corpo, e logo minhas pernas estavam imóveis, e aqueles insetos nojentos não paravam de me atacar. Fiquei completamente parada, mas os ataques não cessaram.

- Dissiliunt! – Gritei, e os insetos começaram a explodir acima de mim, em pequenas explosões bem barulhentas. As raízes que me envolviam também explodiram, e as plantas guincharam, recolhendo-se. Levantei-me rapidamente e corri o mais rápido que pude, provavelmente por uns oitocentos metros até que o jardim macabro terminasse. Corri mais alguns metros, talvez um quilômetro e meio, entrando a esquerda e depois optando pelo caminho do meio, quando parei em uma área circular grande.

Apoiei as mãos nos joelhos e tentei respirar, enquanto observava a área de queixo caído. Havia seis entradas para aquela área, e uma sétima com umas pontas de pedra saindo do chão bloqueando-a; deveria ser a saída da qual eu e os outros precisávamos sair juntos com a chave. No meio daquela área circular se erguia uma espécie de altar redondo, com seis escadas de seis degraus cada. Havia uma mesa de mármore negro no altar, com entalhes de runas antigas das quais eu não sabia ler, e acima dele, um tripé prateado que sustentava uma pedra grande, oval, de cor vermelha como o sangue.

Eu sabia que havia encontrado a chave dos portões da Morte. E, francamente, eu esperava realmente encontrar uma chave, e não uma pedra vermelha.

Lembrei-me das palavras de Sigrid sobre todos terem de estar aqui para poder sair do labirinto com a chave, e resolvi me sentar e esperar. Aproximei-me da escada mais próxima e me sentei nos degraus, abrindo a mochila encharcada e tirando de dentro uma garrafa cheia de água – e incrivelmente, ainda potável. Tomei alguns goles e esperei, rezando para que todos estivessem bem.

Duas badaladas soaram, indicando que duas horas haviam se passado. Realmente, os sinos do inferno estavam tocando.


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