Ad Limina Portis escrita por Karla Vieira


Capítulo 15
Feiticeiro




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Fred Storm POV – Manhã de 12 de Novembro.

Respirei fundo, segurando a adaga com firmeza na mão. Atento aos movimentos do velho.

- Para ficar mais justo... – Ele disse, e apontou o cajado para mim, e a adaga triplicou de tamanho, tornando-se uma espada. Testei rapidamente seu equilíbrio, percebendo-o perfeito. Em seguida, o velho transformou o cajado dele em uma espada equivalente a minha. – Mas você sabe que você não tem como me vencer, não é? Afinal, sou um feiticeiro ancião.

- Acredite em mim, já vi bastante da sua raça. Sei que posso cuidar de você. – Eu disse, sorrindo.

- Cuidado, jovem humano. Você não sabe o que diz.

Apenas sorri debochadamente em resposta, desafiando-o. O velho sorriu maquiavelicamente, e eu entendi que ele não deixaria a luta nada justa. Uma luz prateada o envolveu, e em um piscar de olhos, umas doze cópias exatas do velho estavam me cercando em um círculo perfeito. Xinguei-o mentalmente, mas procurei me concentrar. Já havia visto aquilo antes, e sabia que precisava dissipar todas as cópias até encontrar o verdadeiro, mas aquilo não seria fácil.

- E então, Storm? Será que suas habilidades podem cuidar disso? – Um dos velhos perguntou. Ouvi um pequeno farfalhar atrás de mim, e virei-me no exato momento em que uma das cópias erguia a espada contra mim, bloqueando-a com a minha. Ele recuou por um segundo antes de me atacar, esquivei e ataquei-o, conseguindo acertar um golpe que deceparia seu braço se ele fosse real. Em uma fumaça branca brilhante (para quê tanta purpurina?) a cópia do velho feiticeiro se dissolveu. Pelo canto do olho, detectei um movimento extremamente rápido, e me virei a tempo de bloquear uma série de ataques de outro velho feiticeiro. Direita lateral, esquerda lateral, cabeça, pernas. Bloqueei-o formando um X com as espadas, e girando-as, desestabilizei-o e chutei seu abdômen, brandindo a espada com força contra sua cabeça. O velho feiticeiro se dissolveu em fumaça, mostrando ser uma cópia.

- Realmente, Storm, você é um bom combatente... Mas derrotou apenas duas. Somos dez, ainda. – O feiticeiro a minha frente disse, enquanto eu endireitava a postura, atento a qualquer coisa. E então todos os feiticeiros disseram em uníssono – Mas quanto tempo você aguentará?

- Me mostre o que você sabe fazer, feiticeiro.  – Respondi, partindo para cima do mais próximo. Estava estranhando o fato de que apenas uma ou duas me atacavam por vez, não mais do que isso. O feiticeiro se defendeu, e vi um brilho meio robótico em seu olhar. Era uma cópia. Em dois golpes ela já havia se dissolvido e outro feiticeiro partiu para cima de mim. Comecei a reparar em seus movimentos, meio duros, como se fosse feito de ferro, um robô. O brilho no olho confirmou que era uma cópia. Mais alguns golpes, e ela se dissolveu.

Abaixei no momento em que senti uma pequena movimentação no ar e virei-me abaixado, erguendo a espada, cortando uma cópia do feiticeiro ao meio. Levantei-me e girei a espada na mão, respirando rapidamente e sentindo o coração bater rápido demais. Tentei acalmar meu organismo. Olhei ao redor, identificando o brilho robótico em mais quatro feiticeiros sorridentes de deboche e desafio. O último feiticeiro, o verdadeiro, estava a minha frente, rindo do mesmo jeito que suas cópias.

- Por que você não me enfrenta como homem, hein? Medo de perder para um cara de 20 anos de idade? – Perguntei, desafiando-o. Uma cópia respondeu.

- Você é muito corajoso, Frederick, mas essa sua arrogância e prepotência podem ser terríveis para você...

Mais duas cópias partiram para cima de mim, e uma conseguiu fazer um talho fundo no meu braço esquerdo. Usei toda a minha força do braço bom, o direito, nos meus golpes, conseguindo desestabilizá-lo o tempo suficiente para fazê-lo dissolver-se também. Por reflexo, esquivei-me para baixo e girei rapidamente, sabendo que estava mais rápido do que um ser humano normal – mas as cópias também não eram. Direita lateral, esquerda lateral, fingimento direita lateral para a cabeça, esquerda lateral. E a cópia se dissolveu.

O suor escorria na minha face, nas minhas costas. No braço, o suor confundia-se com o sangue que pulsava pelo ferimento para fora do meu corpo, escorrendo e pingando na grama apodrecida. E os três feiticeiros restantes vieram para cima de mim. Grunhi, irritado, e desviei-me o melhor que pude, sentindo a espada de alguém arranhar minhas costas, minhas pernas. Berrei de raiva, usando totalmente minha força, conseguindo dissolver uma cópia que se aproximou demais com a guarda um tanto quanto abaixada, e finquei a espada em seu estômago. O maldito brilho branco atrapalhou um pouco minha visão, mas pela audição e pela vibração do chão aos meus pés, havia um feiticeiro ao meu lado direito e um feiticeiro atrás. Demorei um pouco mais, tentando fazê-los acreditar que eu estava desestabilizado. Os dois se aproximaram e girei para o lado direito rapidamente, cortando a cópia ao meio e cortando o feiticeiro real no braço, quase o cortando fora.

Não perdendo tempo, avancei mais para cima dele, brandindo a espada e golpeando na esquerda, direita, numa sequência rápida e forte. Todavia, o velho era bom. Desviava ou bloqueava a maioria dos meus ataques e os revidava em igual força. Suas cópias mal se comparavam ao seu real talento como guerreiro. Visualizei um colar com uma pedra amarelada em seu pescoço e tive uma ideia repentina e arriscada.

Investi contra ele, e golpeando tão rapidamente que ele ficou um tanto quanto desorientado, baixando a guarda o suficiente para que eu o chutasse e batesse com o cabo da espada na sua cabeça. Arranquei com as mãos o colar de seu pescoço, e quebrei a pedra amarelada que estava incrustada nele, ainda com as mãos. Senti os cacos entrarem na pele, mas não me importei. Tinha mais com o que me preocupar.

O velho berrou de raiva, e parecia de dor.

- Seu estúpido, filho de uma puta! – Berrou.

- Nossa, estou profundamente magoado e abalado com suas palavras. – Retruquei, irônico.

- Você vai me pagar! E caro!

- Pode vir, tô esperando...

O velho avançou, brandindo a espada, mas percebi que sua força e agilidade haviam diminuído. Meu palpite estava correto: o medalhão o alimentava magicamente, aumentando suas habilidades físicas. Trocamos golpes, eu apenas esperando o melhor momento para matá-lo de uma vez. Sempre prevendo seus movimentos o máximo que eu poderia prever. Ele brandiu a espada para cima da minha cabeça, em um movimento desesperado. Abaixei-me, desviando, e em seguida levantei-me, esticando o braço e sentindo a espada atravessar pele e músculos, devido a tensão que meu braço encontrou. Eu havia fincado a espada no feiticeiro, do estômago para cima, com sorte atravessando o coração também. Ele arquejou.

- E agora? – Perguntei. – Quem é o fraco, medíocre, arrogante e presunçoso? Como é o gosto do seu próprio veneno? Hein?

Finquei a espada mais fundo em seu corpo, sentindo-o estremecer e arquejar de dor. Seus olhos estavam grudados nos meus, arregalados, cheios de raiva, medo e dor.

- Quem é podre por dentro, hein?

Empurrei a espada mais para dentro, e o cabo dela encontrou a pele do feiticeiro. Ele estremeceu.

- Isso não acabou ainda. – Balbuciou cuspindo sangue. Estremeceu fortemente e arquejou pela última vez. Larguei o corpo no chão.

- Ah, acabou. Pode ter certeza que acabou.

Um brilho dourado circundou minha espada, que diminuiu até voltar a ser uma adaga. Senti o ar mudar, mexer, como se houvesse uma vibração poderosa nele. Uma vibração de magia.

Olhei ao redor e havia um pequeno brilho dourado circundando tudo o que era visível. A grama murcha cresceu e ficou verde escuro, o tom do inverno. As árvores apodrecidas voltaram a se erguer suntuosas, mesmo sem folhas. O céu escuro se abriu, revelando-se azul e o sol esplendoroso. Um vento frio, fresco, cheio de vida me atingiu. Olhei para meus amigos, e vi as raízes os soltando lentamente e voltando para debaixo da terra, largando-os no chão. Seus rostos pálidos pouco a pouco voltavam a cor, e da cintura para baixo, deixavam de serem cinza, deixavam de serem pedras. Ouvi passarinhos pousando em árvores e cantando alegremente.

Corri para os meus amigos, ajoelhando-me ao lado de Ethan. Ele respirava, e abriu os olhos, como se despertasse de um sono profundo.

- O que houve? Por que eu estou deitado na grama? – Perguntou um pouco confuso. Os outros estavam se sentando, bocejando e olhando ao redor confusos.

- Uma longa história... – Respondi sorrindo. – Como você se sente?

- Sonolento. – Respondeu ele, sentando-se. Arregalou os olhos, surpreso. – Caralho!

Virei-me rapidamente, e vi o corpo do feiticeiro se dissolver em cinzas negras, lentamente, sendo carregadas pelo vento. Logo, não restava nada do velho feiticeiro.

- Agora eu me lembro... – Disse Marie. – A cidade estava toda em pedra, murcha, sem vida, por causa desse feiticeiro... Como você o matou?

Fiz um pequeno resumo do que acontecera enquanto eles estavam adormecidos. Senti vergonha de contar-lhes que falhei para com eles, naquelas provas, e ao dizer isso, Ethan me socou de leve no braço.

- Falhar conosco?! Você está de brincadeira?! – Exclamou ele. – Você nos salvou, cara. Você definitivamente não falhou conosco.

- Exatamente, Fred. – Disse Andrew. – Você foi corajoso e forte, cara. É verdade que você era um babaca antes, mas isso nós éramos, também. E estamos mudando, não estamos? Não se preocupe, cara. Você é uma pessoa boa. E provou isso.

Sorri para eles, e nos levantamos. Caminhamos lentamente para a cidade, onde as coisas voltavam à vida devagar. Vimos cachorros deixarem de serem pedras e correndo uns atrás dos outros, pessoas andando nas ruas. Kilkenny lentamente voltava ao normal. Encontramos o carro, e lá, Marie Jean notou que meu braço estava ferido e o curou com magia. Conjurou comida e comemos em silêncio, dentro do carro, e fomos procurar algum lugar para passar a noite.

- Só falta a gente... – Ouvi Marie murmurar ao meu lado, enquanto rodávamos a cidade no carro.

- Falta o quê? – Perguntei.

- Falta Ethan e eu passarmos pela provação. – Disse, e eu senti o medo em sua voz. Ela se encolheu um pouco, tensa, e Ethan olhou-a pelo retrovisor, preocupado.

- Vocês vão se dar bem, Marie. – Eu disse. – Vocês são fortes, já mostraram isso a um tempo atrás, lembra? Não precisa ter medo.

- É? E se desta vez falharmos? E se desta vez eu não estar perto de Ethan ou vice versa para salvá-lo com o feitiço da Flamma Amoris? E se...

- Shh, meu anjo. – Disse Ethan, preocupado com ela. – Confia em mim. Eu não vou deixar nada de ruim acontecer com você, e nós vamos conseguir. Você sabe que vamos. Já chegamos tão longe! Eu te prometo, meu anjo, nós vamos conseguir.

Marie Jean sorriu levemente, e eu a abracei, vendo o sorriso leve de Ethan, contente que eu estava ajudando-a, também.

Ethan Williams POV – Entardecer de 12 de Novembro.

Encontramos uma hospedaria modesta e fomos cada um para seus quartos. Marie concordou que eu fosse primeiro para o banho, e assim fiz. Estava me enxugando quando a ouvi me chamar.

- Ethan? – Sua voz estava trêmula. Estranhei.

- Sim? – Perguntei, enxugando os cabelos e enrolando a toalha na cintura.

- Venha aqui, por favor...

Saí do banheiro e congelei de susto. Marie estava sentada na cama, ereta, olhando para algo na frente dela. Era minha mãe. O fantasma de minha mãe.


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