Eu não estava nu, pelo menos era isso o que tudo indicava. Como da ultima vez eu não conseguiaver umpalmo diante dos olhos, estava com muito frio, aquele lugar fedia muito e algo parecia se mover a minha volta.

Jack, disse a voz de antes parecendo mais animada, bem-vindo ao seu inferno particular. Espero que deteste. Eu mesmo planejei.

Uma luz branca brilhou a cima de mim. Como da ultima vez tudo fora do circulo de efeito da luz era trevas. Estiquei minha mão, queria ter certeza se eu podia sair da luz se a coisa “esquentasse” de novo, mas uma mão pálida me impediu. Tinha as unhas pintadas de preto e quatro anéis de prata. Acompanhei o braço pálido, vi algumas cicatrizes pequenas normais de criança, reconheci a camiseta surrada, o batom negro, as sardas entorno do nariz e olhei naqueles olhos negros e calorosos.

– Amanda – sussurrei pasmo.

– O que pensa que ia fazer, seu grande bobalhão tosco estúpido? Aí, Submundano! Será que você não vê? – ela indicou as coisas à nossa volta, melhor a falta de coisas à nossa volta, e eu percebia que tinha alguma coisa se mexendo na escuridão – Eles não vêem bem no claro fazem parte do exercito dele, e dele em si. Estão a nossa procura, mas estamos protegidos aqui. Se você colocar pelo menos um dedo para fora, eles vão vê-lo e pegá-lo. Então quer ficar parado ai?

Eu ainda a olhava boquiaberto, mas pensei no que disse.

Fazem parte dele...   

– Você sabe quem é ele, Amanda? – perguntei com uma voz estranha – O que ele quer conosco? Por que fica dizendo e fazendo essas coisas? O que ele quer com Nix? Eu não sou dono de arma poderosa alguma. Ele devia me escutar, é obviamente um engano.

– Você sabe quem ele é – respondeu olhando sonhadoramente para a escuridão – Ele quer te fazer sofrer, por isso estou aqui. Ele só esta falando a verdade, faz isso porque está com raiva e se sente traído. Foi Nix quem o traiu. Você é sim dono da arma, mas ainda não sabe. E... – a luz piscou a cima de nós – Não – senti uma coisa passar bem perto de onde estávamos – Agora eles sabem onde estamos.

Tocamos um olhar apavorado, segurei sua mão e a luz se apagou de vez.

Senti dentes prenderem meu pé e começarem a me puxar. Cai no chão e ouvi Amanda cair também, tudo ficou em câmera lenta. Não larguei a mão de Amanda, mas ela estava sendo levada para o outro lado. Seja lá o que fosse rosnava e apertava cada vez mais minha perna.

– Jack! Não me solte. Por favor, não deixe ele me levar – Mas estava quase impossível de segurar – Jack!

– Amanda!

Ela soltou um grito ensurdecedor e eu me sentei ereto na cama com os gritos de Amanda ecoando em meus ouvidos. Lagrimas escorriam por meu rosto se misturando com o suor. Apoiei meus braços nos joelhos e passei as mãos no rosto.

– Amanda. – sussurrei.

Levantei-me ainda tremulo e fiz a mesma coisa que da ultima vez: tomei banho, toquei de roupa e sentei na cadeira respirando fundo. Passei o olhar pelo quarto que já tinha aquele brilho arroxeado do nascer do sol e deixei com que meu olhar caísse sobre um envelope branco que não estava na noite anterior.

 Já imaginando o que era, rasquei o envelope e li a carta.

Teresina, PI, Brasil, nossa casa, mais precisamente a Sala de Estar, sofá, cinco de Janeiro de 1983   

Caro Jack,

Para começar: não faz idéia o quanto estávamos com saudades. Seu pai esta me pedindo para não escrever isso, mas ele esta passando o dia no seu quarto para ficar mais perto de você, eu não posso dizer nada, sinto tanta falta de você tagarelando pela casa e andando por ai fazendo bobagens que a cada cinco minutos tenho que conter o choro. Nós te amamos muito.

Mais do que você pode imaginar meu filho.

Que bom que você esta bem. Tudo aqui continua na mesma, mas tudo está um pouco diferente sem você. E, usando suas palavras, a vida continua. Tem que continuar não é? Tenho que admitir que quando você chegou depois do Solstício de Inverno com aquelas noticias não imaginei que seria tão difícil ficar sem você.

Estamos contando os dias para você voltar para casa. Que bom que você escreveu faz com que sua falta seja amenizada, pelo menos pelo tempo em que lemos e relemos sua carta. Já até decorei umas partes.

Nós nunca dissemos, nem nunca diremos que você é um mau filho, bebê.

Esse sonho me deixou preocupada. Posso sentir que você não esta contando alguma coisa. Achamos que Voz está certo pode ser um deus descontente com o fato de não poder ter uma parte de você ou que esteja te usando para atingir os olimpianos ou pior, afinal os únicos que dormem por tanto tempo são os que foram derrotados pelos olimpianos. Fale com alguém sobre esse deus, ou seja lá o que ele for. Com Quíron talvez, ele é bem velho pode te ajudar em alguma coisa. E na próxima carta diga o que não nos contou. O que quer dizer com “quase me fritou”?

Também estamos com saudade de você dormindo em nosso quarto, não importa seu tamanho você nunca vai ser grande demais para dormir conosco. Também queríamos que estivesse aqui, tenho saudade dos seus infinitos papos, suas saídas pouco planejadas que me deixavam preocupada.   

Não vimos nenhum de seus amigos ou os pais deles em nenhum lugar, antes fosse porque encontrei Martins no supermercado. Por sorte ela me ignorou senão eu teria dito poucas e boas para ela. Pelo que eu soube o pai de Amanda inda não saiu de casa, mas sua mãe veio aqui ver você. Ficou muito decepcionada quando soube que tinha ido embora. Pobre mulher. Não sei nem o que faria se te perdesse, filho.

Nós estamos indo. Estou preparando uma nova viagem a um templo budista que tem na China, estou me preparando para escrever um livro sobre a vida dos monges, não é divertido? Seu pai vai para a Amazônia naquela tribo que ele foi da ultima vez. Aparentemente está tendo um surto de malária por lá, ele está muito preocupado, tem muitas crianças por lá.   

Catarina esta quase morrendo de inveja do fato de você estar fazendo Inter Câmbio, bem todos os quatro. Sua tia Vera esta cheia de saudades de você. Não só ela Lucas esta quase morrendo de saudade do tio. Até o Marcelo, seu irmão, esta sentindo sua falta.    

Ficamos muito felizes que já tenha feito amigos. É bom que cuide do filho de Ares, Marcus, ele parece precisar de apoio, de um ombro amigo. Não se esforce muito para descobrir sobre o passado do outro, Zackary, você pode magoá-lo. Quanto ao seu cabelo temos que concordar que já esta na hora de aparar um pouco, não é? Argos Panoptes não tinha sido morto por Hermes? Seu pai está perguntando como você foi quase morto por uma arvore e se essa tal de Frísia é uma ninfa do freixo.

É claro que Quíron é legal e ninguém aqui queria saber se ele é bem escovado. Que bom que você se entendeu com ele. Essa história de transformar o colégio em acampamento de verão é bem legal, mas como você pode fazer com que dê certo?

Pelo menos você vai ter uma biblioteca não iria suportar que você se transformasse em um brutamonte sem celebro.

Fico muito feliz, e tenho certeza que Ártemis também, por você ter escolhido seu dormitório. Ele parece bem bonito 

Também te amamos muito, filho

Estamos te esperando.

Mamãe e papai.

Sorri para o papel, respirando fundo e relendo mais umas cinco vezes e, quando fiquei satisfeito comecei a responder:

New York City, NY, EUA, Colégio Caminho ao Elísio, mais precisamente nono andar, dormitório de Ártemis, mesa, sete de Janeiro de 1983.    

Oi, gente!

 Primeiro: pai, sai do meu quarto. Segundo, como assim Amazônia? Você quer ficar doente ou coisa parecida? Malária? Nem sabia que isso tinha por ai. Por favor, pai, eu imploro; não me dá mais dor de cabeça.

Mãe não o deixa ir leva ele junto para a China, aliás, parabéns pela oportunidade. Espero que o livro dê certo. E eu não tagarelo pela casa, e quando foi que eu andei por ai fazendo bobagens? E me faz um favor? Não me chama de bebê.

Não quero te deixar mais preocupada, mas eu estou escrevendo ás seis da manhã porque eu tive outro sonho. Só que dessa vez eu estava com Amanda e alguma coisa arrastava a gente para a escuridão e nos separava. Resolvi chamar o cara de “O Maquiavélico” já que não sei o nome dele. Ele só falou: “bem-vindo ao seu inferno particular. Espero que deteste. Eu mesmo planejei” não sei a desse cara, mas Amanda disse que eu sei quem ele é, que ele só me quer fazer sofrer por isso ela estava ali, que eu sou dono de uma arma poderosíssima só que ainda não sei, que faz tudo isso porque esta com raiva e se sente traído e que foi Nix quem o traiu.

O que raios isso quer dizer? Eu não sei. Só estou nervoso, essa coisa de Amanda começar a aparecer em meus pesadelos não é bom. Também acho que Vox está certo, mas não posso falar com ninguém sobre isso não tenho certeza de nada. E sobre o “quase me fitou” vocês não vão querer saber, acreditem.

Podemos mudar de assunto, por favor?

Que bom que Martins te ignorou, depois daquele discurso surrealista eu não quero nem olhar mais na cara dela. Estou preocupado com o pai de Amanda. Sobre a mãe dela... eu queria ter falado com ela. Se a encontrar novamente diga que eu queria falar com ela, que eu sinto falta de Amanda, que eu queria voltar no tempo para consertar tudo.  Que eu sinto muito.

   E Catarina que se morda de inveja, eu queria ver ela aqui mexendo com espada e pegando fogo, ela e os outros. Diga à tia Vera que eu também estou com saudades dela e de Lucas. E duvido que Marcelo esteja sentindo minha falta de verdade. Ele e Irã.  

Relaxem que eu vou com calma com Zack, também acho que pode ser recente o problema, então se ele quiser falar que fale. Se não melhor assim.  E não, não concordo com o fato de precisar aparar meu cabelo gosto dele assim.

Mãe, Apolo já não tinha matado o Píton? Não sei como isso acontece e nem quero saber. Sim, pai. Eu quase fui morto por uma árvore, e é um freixo sim.

Eu vou dar meu jeito para que o sonho do treinador imortal de trastes se torne realidade.

Meu dormitório é sim muito lindo.

Bem falando de assuntos mais atuais, eu estou aprendendo esgrima. Zackary é quem esta me ensinando estamos lutando em câmera lenta para que eu pegue o jeito da coisa. É bem divertido. Eu sou péssimo em artesanato. Estou cada vez melhor no trabalho das forjas (sem pegar fogo). Melhorei muito na escalada. Corrida nem se fala. Sou um exímio arqueiro, Quíron já esta falando em me colocar como professor! Voar nos pégasos também é legal, mas sou mais Loki. Nem estou tendo tempo para ir à biblioteca.

A comida daqui é boa, mas não chega aos seus pés mamãe.

Estou com saudades.

Amo você demais

Morrendo de saudades, o eterno

Jack Tenório Leal

– O que você esta fazendo? – perguntou Marcus bem atrás de mim.

Dei um salto na cadeira e me virei para encará-lo.

– Marcus! Por que você sempre chega de fininho assim? Que coisa!

– Ei, desculpa – ele começou a rir – Você parecia tão concentrado, distraído, não pude resistir – quando viu minha cara mal-humorada resolveu mudar de assunto – O que é isso?

– Cartas. Uma é minha para os meus pais e a outra é deles para mim. Você não troca cartas com sua mãe?

– Eu telefono para minha mãe – fiz uma careta – Qual a diferença?

– A carta tem o lado positivo de que pode ser guardada, lida, relida – dobrei minha carta e coloquei no bolso interno do casaco, pero do coração – E meus pais estão muito longe para que eu possa ligar. Caro demais.

Peguei a carta deles e coloquei na parte mais alta da estante. Parecia um lugar seguro, no final daqueles anos eu poderia mostrar para eles que eu guardei as cartas.

– Vamos tomar café da manhã? – perguntei depois de me aprontar – Não está cedo?

– Ah, é! Não vamos tomar café da manha agora. Vamos falar com Quíron.

Depois de andar sem nenhuma animação até a sala de Quíron me joguei na cadeira de frente para ele. Bem, quando eu digo de frente eu quero dizer de frente. Ele estava em uma cadeira de rodas, não me pergunte como, mas ele colocou sua parte cavalo dentro dela sem muito esforço. Não é uma coisa que eu vá descrever, digo logo.

– Jack – sussurrou ele com uma expressão grave. Droga, pensei, coisa boa não é – eu recebi algumas reclamações de Eduarda, Ártemis e Atena sobre você não estar indo para uma escola, como elas chamaram, de verdade. E como eu não gosto de discutir resolvi concordar. Matriculei você em uma escola mortal de Nova York. Você começa segunda-feira.

  Aquelas palavras pairaram no ar. Senti meu sangue sair do rosto.

– Como é que é?