Mulheres de Vênus escrita por Lara Campos


Capítulo 6
Capítulo 6 - Intimada




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                Para o meu desprazer, já eram seis e meia da manhã. Lara havia me dito durante o caminho até a minha casa que trabalhava às oito horas todos os dias. Ela ainda dormia como um anjo, recostada no meu travesseiro e não mais no canto esquerdo da cama, como havíamos dormido, a princípio. A verdade era que era prazeroso vê-la dormir. Toda aquela feição de mulher, que era mais visível quando olhada de perfil, havia sumido por entre os lençóis e trouxas de minha cama.

            Seu nariz era delicado e sua boca, curiosamente, não possuía um contorno definido. Era pequena, como deveria ser e como eu gostava numa mulher, e bem avermelhada, o que dava uma aparência ainda mais inocente àquele rosto repousado. Suas mãos eram grandes, mas suas unhas nem tanto. Bonitas, bastante bonitas. Faziam com que eu me lembrasse do exato momento em que ela havia deixado de lado nossas roupas e apalpado meus seios por completo, numa delicadeza que dava gosto de ver. E logo após, passara a mexer essas mesmas mãos de forma ritmada, compassada, musical, até.

            Seus olhos se abriram, de repente. Irritados com a luz se encolheram, mas antes encontraram os meus a lhe observar naquele sono profundo.

            _Eu já ia te acordar – quebrei o monopólio do silêncio sorrindo -.

            _Que horas são? – perguntou com a voz rouca e chorosa -.

            _São seis e trinta e dois, manhosinha.

            Ela se levantou como quem levava um enorme susto e se sentou na cama, ajeitando os cabelos sem muita destreza.

            _Meu Deus, preciso ir embora, estou atrasada, não tenho roupa nenhuma, meus documentos, minha...

            _Ei! – interrompi-a – Calma, Lara, ainda tá cedo e você pode fazer tudo isso. Eu levo você em casa.

            Ela se acalmou. Desfaleceu os ombros e deitou-se na cama preguiçosa novamente. Botou o travesseiro em frente ao seu rosto, tapando sua boca e seus olhos.

            _Vem, você tem que tomar um banho.

            _Nãao.

            _Anda, Lara, eu vou com você.

            Minha proposta chamou sua atenção, tanto que o travesseiro já não estava mais em seu rosto, ao fim da frase, e aquela carinha miúda de sono também não.

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            Levei-a em casa e voltei para o meu cantinho. Grande parte do meu trabalho era feito em caso e meus serviços só eram realmente necessários na delegacia quando um caso surgia. Pois eu trabalhava em casa, porém tinha de manter meus dois celulares sempre em alerta para não perder nenhum chamado da chefa.

            Alline era a delegada responsável pelos casos que concerniam o munícipio e os arredores. Todos a chamavam de “chefa”, pois seus mandos e desmandos não soavam nunca como pedidos, mas como ordens divinas. Ela nunca achou que fosse Deus, sempre teve absoluta certeza que o era. Abusava do poder que lhe era imposto, mas mesmo assim conseguiu minha simpatia logo na primeira semana de trabalho. Todos os homens caíam seus queixos quando ela passava nos seus saltos altos, brincos enormes e saias retas bem acompanhadas às curvas de seu corpo. Uma linda mulher.

            Porém algo me dizia que, mais uma vez, eu estava rodeada por uma do tipo que aos homens nunca daria o gostinho.

            _Bom dia, Ju – disse a chefa no meu primeiro dia de trabalho em seu departamento -.

            _Bom dia, Alinne – sorri meio sem graça -.

            Apelidos dados à parte, ela apenas mostrou qual seriam minhas incumbências e me apresentou aos nossos colegas de departamento – todos homens -. Carlos, Marquinhos, João Henrique e Pedro Paulo. Um atendente, um advogado de plantão, um escrevente e um guarda. O tal do escrevente deu um oi bem cretino para nós duas, que passávamos por ele, e Alline revirou os olhos enfiando o dedo na boca num ato de nojo ao sujeito. Sorri para ela.

            Aquele foi um dia de surpresas, ainda. Meu primeiro dia no serviço, meu reencontro acidental com Jessica e nossa reaproximação depois de seis anos sem nos vermos. Mal sabia eu que, um mês depois, nada mais seria como era antes. Engracei meus olhos para cima da mulher que ela amava e pelo que pareceu pelo showzinho que ela protagonizara na casa de Raquel, ainda havia uma faísca entre elas.

            Não fiz questão, porém, de me justificar ou dar pormenores do porquê de eu beijar Lara quando a vi. Não sou mulher de perdões por pecados que não cometi, uma vez que Lara pareceu livre quando nos conhecemos. Nossa amizade – minha e de Jessica - já era um ranço, uma lembrança distante e, além disso, em briga de ex-mulheres não se mete a colher, nem nada parecido. Lara seria minha se quisesse ser e quando se sentisse à vontade, contaria o que acontecera entre elas.

            Dentre um pensamento e outro, um de meus telefones tocou. Era a chefa.

            _Serviço.

            Disse ela e desligou sem mais detalhes.

            Sai de casa apressada e fui até à delegacia checar o que havia lá para mim. Adentrei pelos fundos, que dava acesso à garagem dos funcionários e logo Pedro me abordou com cara feia.

            _Ela tá possessa, Ju, corre lá.

            A coisa parecia feia. Quando algo tirava Alinne dos eixos era quase impossível fazer com que ela voltasse. Fui andando até sua sala, pois, e bati na porta. Ela pediu que eu entrasse em voz alta e o fiz.

            _Senta ai.

            Sentei-me, deixei minha bolsa em cima da cadeira ao meu lado.

            _Um caso, Ju. Uma mulher chegou aqui com arranhões no rosto, disse que tinha sido agredida e que queria fazer um boletim de ocorrência.

            _Hmm, que mais?

            _Ela tá esperando na sala ao lado, parece bem abatida. Só tem um porém – ela ficou em silêncio por um instante e respirou fundo – A agressora é uma mulher.

            Puta merda.

            O problema desses casos é que a lei não os envolve diretamente. Durante meus dois anos de estágio na área forense, aprendi um pouco sobre os direitos, principalmente das mulheres. A lei Maria da Penha, por exemplo, foi feita e é destinada para aquelas mulheres que apanharam de seus maridos, ou seja, homens. Quando o uso da lei de forma analógica era necessário, de forma a aplicar o mesmo princípio para o caso da mulher da sala ao lado, alguns juristas ficavam receosos, outros até não aceitavam queixas. O que era extremamente errado, porém.

            _Caramba... E você quer que eu faça o que? – perguntei ainda sem saber o que fazer -.

            _Vai lá, converse com ela. Tente saber o que realmente aconteceu e explique como é que as coisas não funcionam.

            Entendi o recado.

            Sai da sala da chefa e abri a porta vermelha que ficava logo ao lado. Avistei a mulher sentada de costas e ela me parecia estranhamente familiar. Aqueles sapatos, aquele cabelo, aquela bolsa de couro marrom. Inconfundível.

            Ela se virou quando entrei, olhou-me e sorriu.

            _Oi, Julia.

            LARA PDV

            Como eu estava radiante!

            A secretária pareceu mais bonita naquela manhã, seus seios até voltaram a me chamar a atenção. E que decote...

            Subi o elevador até o terceiro andar, onde minha sala ficava, dei bom dia a todos. Comportei-me como o típico tipo que realmente havia transado na noite passada e acordara a ver passarinhos verdes. Senti olhares atravessados, sorrisinhos estranhos e percepções. Vários fofoqueiros, vários olhos curiosos e afins de tomar um pouquinho da minha felicidade explícita.

            Relevei.

            Entrei em minha sala, fitei a papelada típica e nem sequer fiquei triste por ter de trabalhar. Lembrava-me de Julia à minha frente, nua, entregue e simplesmente esplêndida.

            _Ah, vida! – exclamei e sorri sozinha -.

            Passei a manhã toda escrevendo, lendo, assinando, assinando e assinando mais processos. Durante meu cofee break resolvi ligar para Julia, porém seu número só caía na caixa de mensagens. Estranhei um pouco, mas tentei não ficar bitolada com aquilo. Seria saudável para mim e para ela que eu deixasse de pensar em nós um pouco. Não que aquilo me atrapalhasse, é só que eu tinha medo de sufoca-la.

            Voltei para minha sala, resolvi alguns perrengues e fui chamada pelo chefe para ajudar alguns novos estagiários a conhecer o recinto. Janaína – a moça dos belos seios – não estava em seu posto, logo tive que me encarregar da obrigação de guia turístico por ela. Não foi de um todo desagradável.

            Podia enxergar de longe aqueles olhos curiosos dos três rapazes que esperavam na recepção. Apresentei-me gentilmente.

            _Oi, rapazes. Meu nome é Lara e hoje sou eu quem vai mostrar um pouco de como trabalhamos aqui. Ok?

            Os três sorriram num movimento único e em uníssono disseram um Ok. Mostrei cada seção que o Ministério possuía, apresentei-lhes algumas pessoas apenas por cortesia, ofereci café, biscoitinhos e terminei por leva-los à minha sala.

            _E aqui é onde eu trabalho.

            _E você é secretária daqui? – perguntou-me o rapazinho mais baixo. Seus olhos brilhavam de tão azuis -.

            _Sou advogada, meu anjo – e sorri pelo seu alívio -.

            _É que uma mulher como você não parece...

            _Secretária? Mulher como eu? – sorri mais uma vez e fui deixando o garoto sem graça. Ele não aparentava mais do que vinte anos -.

            _Deixa pra lá – respondeu-me -.

            Garotos. Sempre deslumbrados com um par de pernas, um sorriso branco e cabelos longos. Mal sabem que não basta isso para que possam desfrutar do material em questão.

            Quando os três se retiraram, sentei-me novamente em minha cadeira, rodeada pela paz que ela me trazia naquele momento, e fiquei rodando lentamente. Cabeça cheia ainda, cheia de ideias, medos, cheias de tensão pela nova fase da minha vida. Em minha discagem rápida o número de Jessica ainda aparecia, coisa que não deveria mais ocorrer. Mas era difícil deixar ela ir, também

            Sonhei um dia casar com aquela mulher, sonhei ter filhos, adotar, quem sabe. Sonhei nossa casa e tivemos uma. Mas tudo foi jogado no lixo por uma traição. Enquanto viajei a trabalho no feriado de Corpus Christi, Jessica mentiu sobre visitar seus pais e foi vista por Duda num parque do centro da cidade com uma outra mulher. Duda ligou para mim imediatamente contando o que estava a observar. Lembro-me da sensação de estar sem chão como se fosse hoje.

            Apesar de ainda muito machucada, eu queria passar aquela página da minha vida. Nunca entenderia as motivações de Jessica para ter outra, uma vagabunda qualquer. Nada parecia faltar para nós, mas para ela, sim.

            Enfim, apertei o botão Excluir que pairava sobre o seu número ali na tela e confirmei sem pestanejar. Um ato simbólico que representava o fim que eu pretendia dar à nossa história, de vez. Ao fazê-lo, logo após, uma chamada desconhecida. Hesitei em atender, mas o fiz.

            ­_Alô?

            _Senhora Lara Campos?

            _Sim – respondi à voz masculina no telefone -.

            _A senhora está sendo chamada para depor o quanto antes aqui na Delegacia da Mulher, em Pinheiros.

            _Como? – indaguei estarrecida. Só podia ser um engano -.

            _É isso, minha senhora. Um documento está sendo mandado para o seu fax nesse instante.

            Desliguei o telefone boquiaberta, sem entender mais nada do que estava acontecendo e assim que o documento me foi enviado peguei-o em mãos com pressa. Julia ligou para o meu celular naquele instante e parecia tão assustada quanto eu.

            _Jessica – limitou-se a dizer –.

            E disse simplesmente tudo.


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