Psico escrita por hwon keith


Capítulo 7
Você não irá lembrar de mim




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Os raios dourados do poente estavam sendo apagados por inúmeras nuvens grossas e escuras de chuva. O tempo na cidade grande esfriara consideravelmente, a despeito do clima característico da estação. Casacos grossos, de lã ou qualquer outro tecido macio e confortável cobriam os corpos alheios do transeuntes, ocupados demasiadamente para importar-sem com o vento cortante e congelante que lhes afagava a face como uma faca afiada.

Dentre esses caminhantes da rotina, uma mulher de cabelos curtos e de um estilo há muito conhecido (século retrasado!) lentamente esgueirava-se da multidão e sucumbia ao frio a qual não estava preparada. Seu casaquinho fino, trocado de relance por um mais forte estava colado em seu corpo que tremia. O ar quente que lhe escapava de seus lábios congelava e ela simplesmente iria adoecer.

Foi com muito gosto que conseguiu entrar num café abarrotado, pegar uma mesa de canto, lá bem para dentro do local e relaxar no calor instantâneo e humano que as pessoas a volta estavam lhe dando. Porém, seu nariz começou a arder e ela sabia que em poucas horas estaria espirrando loucamente e deitada numa cama cheia de cobertores e com uma coriza horrível. Resmungou. Como pudera trocar dois agasalhos tão distintos?

Mesmo com a tecnologia e medicina tão avançadas para o século 22, as pessoas ainda ficavam doentes. Uma característica humana, que, infeliz ou felizmente não seria abandonada tão cedo, embora retardada.

A mulher pediu um café com leite e um docinho. Enquanto esperava sua guloseima e o líquido que lhe acalentaria mais, começou a observar as pessoas em sua volta. Velhos, novos, de todos os estilos e sexos. Cada qual parecia ser bem distinto do outro e ela ficou feliz por uma sociedade quase sempre estabilizada existir, protegendo essas pessoas e lhe dando uma vida agradável.

Quando começou a beber seu café, seus olhos voltaram para um homem de cabelos escuros que adentrava. Passados segundos o fitando apenas por curiosidade, ela tomou um susto quando o dito cujo sentou-se diante dela e fez-se perceber-se quem era.

– Ginoza?

Ginoza ajeitou seus óculos e encarou do mesmo jeito sério habitual. Ele sabia desde o começo onde ela estaria, porquê, acredite, estava a seguindo desde horas atrás.

– Estava entrando aqui normalmente e te vi - mentiu. Não havia motivos de dizer a verdade. Seria idiota. - Algum problema em me sentar aqui? - arqueou a sobrancelha.

Akane balançou a cabeça. Ainda estava meio surpresa.

Ginoza e encarou desconfiado. Havia algo de errado com ela. Talvez o rosto? Parecia mais magra? Ou talvez mais pálida...

Exclamou.

– Você está só com esse casaco? Não está com frio?

Akane corou e virou o rosto. Riu de mansinho, envergonhada. No mesmo instante Ginoza levantou-se, e para seu choque total retirou seu paletó e entregou à mulher.

– Vista.

– Mas... Mas... Você que vai ficar com frio então!

– Vista - reiterou o homem. Sem alternativas, Akane vestiu e sentiu o cheiro meio adocicado de Ginoza, o que a deixou ainda mais envergonhada.

Um garçom próximo do dois deixou cair a sua bandeja e os copos de vidro que estavam outrora pousados nela espatifaram-se no chão. Quase todos os que ouviram o estrondo viraram-se para olhar, mas logo desviaram-se e retomaram suas conversas e amizades. Sentindo-se penalizada pelo o homem que agora estava abaixado e acabara de cortar seu dedo num caco de vidro, Akane saiu da mesa e começou o ajudar, pegando os cacos com cuidado e colocando-os na bandeja. Quando ela e o homem terminaram, ele ergueu seus olhos de expressão doce e a agradeceu com um sorriso. Feliz, ela retribuiu o gesto e voltou para perto de Ginoza, e o garçom saiu para a cozinha.

– Você é bem gentil - observou o inspetor.

Akane sorriu.

– Acho que todos nós devemos ser!

Quando ela terminou seu café e Ginoza já terminara o suco que pedira, eles saíram do lugar e puderam-se na congelante rua aberta novamente. Ginoza não estava com frio, e mesmo que o estivesse, ignoraria. Akane precisava mais de quentura do que ele, e o homem pouco importava-se com sua saúde.

Num certo momento, enquanto caminhavam lado a lado, já depois de terem discutido que iriam até a casa de Akane para ela devolver seu paletó, uma chuva fina começou a cair. Lentamente, as gotas tornaram-se mais grossas e despencou uma tempestade carregada de raios e trovões. Os dois inspetores puseram-se a correr, uma vez que já estava próximos da moradia dela.

Só que, escorregando no asfalto molhado, Akane tropeçou e caiu de braços para frente, amortecendo a queda. Ginoza logo ajudou-a a levantar-se, mas ela machucara o joelho e começara a lacrimejar. Sentindo-se desnorteado e confuso por ter uma mulher em sua frente com a expressão de total dependência, ele por instinto passou seus braços pelo corpo molhado e magro dela.

Seu coração acelerou de tal maneira que ele soltou-a. Akane não pareceu perceber a investida do homem, porque agora segurava a perna machucada e só dava atenção para ela.

Ginoza passou um braço pela cintura da mulher e ajudou-a a andar. Seu coração ainda lhe batia a marteladas e seu rosto queimava como no fogo de mil sóis.

Foi torturante a amável ao mesmo tempo o trajeto até finalmente chegarem a casa de Akane. Lá ela rapidamente entrou, deixou Ginoza (por vontade própria) parado na soleira e prestou-se a tratar de seu machucado com rapidez e devolver o paletó molhado e junto o casaco maior que possuía.

– Vai ficar doente se pegar essa chuva com esse paletó molhado. Pode pegar esse casaco, outro dia me devolve - disse, sorrindo.

Sem nenhuma resposta verbal, Ginoza aceitou a vestimenta e logo colocou-a. Akane lhe deu um guarda chuva e minutos depois ela despedia-se dele e entrava para dentro de casa, fechando a porta.

Na imensidão de gotículas de H2O lhe caindo na face, Ginoza trancou quaisquer pensamentos pelos acontecimentos daquela noite e tratou logo de esquecê-los. Em vão. Sentia-se estranhamente mudado e não podia achar que veria a colega de trabalho com os mesmos olhos que sempre a via desde o momento que se conheceram.

Ocupado demais investigando seus sentimentos, não percebeu, ironicamente, que agora ele é que estava sendo seguido.


Kougami Shinya sentia tanta raiva que seus olhos azulados acabaram em apenas uma fenda pequena e estreita.

Nenhuma, nenhuma pista. Como poderia ser apenas aquele resto metálico a única coisa que havia de concreto no assassinato de Yayoi? Era ridículo. Desde quando a tecnologia não era evoluída o suficiente para apresentar mais suposições, provas ou qualquer outra coisa útil? Patético! A mulher fora espancada brutalmente, mas ninguém viu, ninguém gravou... Ou gravaram, mas as gravações foram anuladas ou trocadas!

Ele deixou cair a prancheta do caso e agarrou os cabelos rebeldes, largando a cabeça para frente e pisando com força no chão.

Sem pistas. Sem chances.

Trincou os dentes de exasperação e assustou-se quando o painel de pulso acendeu-se num chamada em espera.

"Venha para a central imediatamente, por favor."

Irritando-se com Ginoza, que aquela hora da noite (nove horas) ligava-o num dia de folga, Kougami deixou a prancheta de lado e começou a se vestir.

Na porta de sua casa, sentiu que algo estava errado. Não algo climático. O ar não estava mais denso e nem o silêncio era perturbador. Algo estava lutando para vir a sua mente, algo que lhe parecia mínimo mas extremamente importante.

Com força de vontade, tentou pensar. A resposta veio como um carro de corrida extremamente veloz numa pista molhada, súbito e surpreendente.

Com um quê de medo.

Não que Ginoza não lhe pediria para ir na central aquela hora, mesmo que fosse seu dia de folga ou feriado. Não que ele se importasse com o que ele estivesse fazendo aquela hora. Não que levasse em conta que estivesse ocupado.

Ele jamais lhe pediria por favor nesse caso.


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