A Primeira Família de Esther escrita por Giullia Lepiane


Capítulo 9
Desconfiança


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



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Idiota. Imbecil. A Amanda acabara de cair numa armadilha que sequer era para ela. Francamente. Como alguém podia ser assim tão estúpido?

Segurei o fôlego. A tensão do momento bloqueara minha audição, e eu só conseguia saber que Ashley – que se ajoelhara ao lado de Amanda e a estava balançando levemente pelos ombros – estava implorando para ela acordar, por leitura labial.

E eu não saí do lugar onde eu estava, atrás da porta, até ter a certeza de que ela estava respirando.

Soltei o ar. Amanda estava inconsciente, mas não morta. Era melhor assim. A morte dela não estava nos meus planos imediatos.

E nisso, me dei conta de que tinha de sair de lá. Rápido. Eu sabia que elas não tinham me visto, mas se Ashley se virasse de repente, seria possível enxergar minha sombra, e isso definitivamente não deveria acontecer.

Comecei a andar para trás, muito lentamente para fazer o mínimo de barulho possível. Atravessei a cozinha neste passo, e ao chegar à sala, me virei e saí correndo, escada acima e corredor adentro, até irromper em meu quarto, fechando a porta logo em seguida.

Encostei-me de costas na porta, e escorreguei lentamente até acabar sentada no chão.

Um plano meu não havia dado certo. Quase nunca acontecia de um plano meu não dar certo. Porque, para início de conversa, se acontecesse com frequência, não me considerariam uma assassina em série tão perigosa e calculista assim.

– Foi só um deslize, Leena... – Disse bem baixo para mim mesma, tentando me convencer.

O meu ódio, misturado com minha decepção comigo mesma e minhas dúvidas sobre o que ia acontecer agora formavam um sentimento estranho, que me impediam de ter um surto do tipo daqueles em que eu quebrava tudo a minha volta, machucava quem estava perto de mim e, se não houvesse alguém, a mim mesma. No Instituto Saarne, costumava ser esta a hora em que me botavam numa camisa-de-força. Senão, eu acabava me cortando, ferindo os meus pulsos e o meu pescoço, causando-me cicatrizes que jamais sairiam.

E que eu ocultava com as minhas fitas.

Demorou pouquíssimo tempo para eu ouvir as sirenes de uma ambulância.

Pronto. Agora iam levar Amanda para um hospital e me deixar sozinha com Ashley, me possibilitando fazer um plano de morte decente para ela. Estando só nós duas aqui, não haveria como algo dar errado, nem que eu tivesse de matá-la à moda clássica, e eu...

Perdi a oportunidade. Porque mal foi embora a ambulância, já ouvi o carro da família chegando e estacionando. Droga. Eliza, Rick e Leon só iriam voltar daquela exposição dentro de mais ou menos duas horas, mas Ashley também deve tê-los contatado, e eles vieram correndo.

Nunca ouvi os Sullivan tão alterados. E a discórdia entre eles deixou o meu espírito mais leve, fazendo-me voltar ao normal, mesmo após tudo aquilo.

– Leon, quantas vezes eu vou ter de te dizer para não deixar o seu skate largado por aí? – Berrou Rick, furioso e desesperado. Mesmo sendo vinda do andar de baixo, a voz era alta.

– Pai, você sabe que eu não ando de skate há quase um mês! Ele estava no meu quarto, não sei como foi parar no quintal! – Leon respondeu, no mesmo tom, porém na defensiva.

Não grite comigo! E o que você está querendo dizer? Que o seu skate aparatou para o quintal, é isso?

– Alguém deve ter pego e o colocado lá!

– Quem, Leon? A Ashley? A Esther?

Não gostei de ouvir o nome “Esther” na conversa. Isso queria dizer que ele desconfiava de mim?

A risada de deboche que Rick deu depois disso comprovou que não.

– Pelo amor de Deus, Rick, dá para gritar com o nosso filho por supostamente ter machucado a Mandy depois? – Perguntou Eliza, impaciente. – Precisamos ir ao hospital!

– Ashley, você pode ficar com o Leon e com a Esther durante a noite de hoje? Até amanhã?

– Bom, eu não poderia, Sr. Sullivan, porque não avisei para a minha mãe. Mas como é uma emergência, sei que ela vai entender.

– Pode deixar, querida, que nós falamos com a sua mãe mais tarde, se você quiser. – Eliza garantiu a ela.

– E vamos pagar dez dólares a mais por hora. – Disse Rick.

Uma batida de porta que foi ouvida logo depois disso indicou que o casal saiu de casa novamente, sem se despedir nem qualquer coisa do tipo.

Após ouvir essa discussão, não tinha como eu continuar achando que tudo havia dado errado. Amanda ter se machucado me ajudara, afinal de contas.

Eu não era muito dada a sorrisinhos. Pelo menos, não sinceros.

Mas daquela fez eu tive de sorrir.

*********

Leon estava se sentindo totalmente injustiçado. Como se não bastasse alguém ter posto o skate dele no quintal, de modo que Mandy tropeçasse nele e se machucasse, ele ainda teve de sair mais cedo da exposição de artes e levou uma bronca de seu pai.

O garoto andava de um lado para o outro pela sala de estar, nervoso.

– Você sabe, não é? – Ele perguntou à babá, que estava sentada num sofá perto dele. – Você sabe que não fui eu.

– Não precisa ficar assim, Leon. Ele só estava daquele jeito porque estava estressado. Não é culpa sua ter deixado o skate lá, porque você não tinha como adivinhar que isso ac...

– Mas a questão é que eu não deixei o skate lá! Eu o deixei no meu quarto!

– E quem pode ter pegado? – Ashley conhecia bem Leon, e ele parecia estar falando a verdade. Mas quem mais poderia ter feito aquilo?

A resposta era óbvia, na verdade, porém ela não a teria percebido se Leon não houvesse corrido os olhos até a porta do quarto de Esther, no andar de cima, naquele instante.

– A Esther? Você tem certeza? – Ela abaixou muito o tom ao dizer isso.

– Quem mais poderia ser?

– Bem. É certo que hoje eu a vi no seu quarto, mas...

– O quê? Ashley! – Ele se sentou no sofá ao lado dela – Por que você não me contou isso antes?

– É que não me pareceu importante! Ela disse que só queria ver a cobra. – Ashley mordeu o lábio inferior. – O que me espantou de verdade foi que, depois, eu a segurei pelo pulso, e ela teve um chilique.

– Por quê?

– E eu sei lá!

A conversa deles foi interrompida neste ponto por um som vindo do primeiro andar. Eles se viraram imediatamente, e viram Esther saindo do quarto dela.

Absolutamente descontraída, ela desceu as escadas e foi em direção à cozinha, dizendo um “oi, Leon” ao passar por eles, como se não reparasse no clima pesado no aposento.

– Oi... – Ele respondeu, desconcertado.

Leon e Ashley acompanharam a menina com o olhar enquanto ela abria um dos armários da cozinha e pegava um pacote de biscoitos de chocolate. Foi então que a babá teve de se pronunciar:

– Esther, o jantar é daqui a pouco.

– Não posso comer só um?

– Você está com fome? – Ashley perguntou, e como Esther concordou, ela se levantou, com um suspiro. – Vou pegar a comida para vocês. Podem ir pondo a mesa?

Ela trocou um olhar com Leon que dizia para que deixassem o assunto de que estavam conversando antes de Esther chegar para mais tarde.

Mas este “mais tarde” não chegou, pois Esther não os deixou a sós nem por um segundo depois disso. Mesmo quando acabaram de jantar, e Ashley achou que ela iria voltar para o quarto, já que passara o dia inteiro lá, a garota surpreendeu os dois quando foi com eles para a sala. Inocentemente, ligou a televisão e começou a assistir a um desenho qualquer que estava passando no Cartoon Network.

Ela certamente perguntaria se tinha alguma coisa errada se a babá e o irmão saíssem para outro cômodo, agora.

Ashley se pôs a assistir à TV junto de Esther. Ela adorava assistir com Mandy, mas com ela era diferente... Não estranho, mas mais desagradável. E Ashley não conseguia imaginar por que achava isso. Talvez pura birra. Ela não gostava de Esther, e ponto final.

Leon foi buscar o PSP dele no quarto, e ficou com elas na sala, jogando, enquanto esperava esperando a irmã sair.

Mas ele se cansou rápido demais disso. Antes mesmo do horário em que Esther ia para cama, ele desligou o aparelho, deu boa noite e foi para o quarto dele dormir. Fora um dia cheio, e ele não aguentava mais ficar por lá.

Foi bem longe de agradável para Ashley ficar sozinha com a Esther depois disso, mesmo que a menina estivesse quieta. E ela ficou aliviada quando deram oito horas, e ela pode desligar a televisão e falar:

– Está na hora de dormir, Esther.

Ela nem discutiu. Também deu boa noite e foi para o quarto.

Todavia, Ashley permaneceu intrigada. Esther não tinha visto Mandy se machucando, e não fez um único comentário sobre o quê aconteceu, onde estão a irmã e, acima de tudo, os pais dela. Como se nada houvesse acontecido.

E tal pensamento fez a babá, após algumas horas andando pela sala-de-estar e pensando sobre isso, decidir entrar no quarto de Esther agora que eram quase meia-noite e ela deveria com certeza estar dormindo, e conferir o que, exatamente, havia de errado com ela. Principalmente, ver o que ela escondia por baixo das fitas em seu pescoço e pulsos.

Ashley tentou não pensar duas vezes, pois sabia que se fizesse isso mudaria de ideia. Respirou fundo, e foi até o quarto da menina.

Ficou mais tranquila ao entrar e ver um volume sob o cobertor dela, indicando que ela estava dormindo, coberta até a cabeça. Mas isso dificultava para Ashley ver o que queria.

Bom. Esther estava dormindo. Se Ashley puxasse seu cobertor rápido, ela nem perceberia.

Foi o que fez – foi até a cama e puxou a coberta de Esther com delicadeza, de modo em que apenas um braço dela ficasse de fora, e ela pudesse ver um de seus pulsos...

Mas o braço dela não estava lá. Ashley quase ficou paralisada ao ver o que estava acontecendo: Terminou de tirar o cobertor de Esther, e viu não ela, mas três travesseiros, que estavam sob a coberta.

E congelou de medo de verdade quando ouviu uma voz infantil atrás de si:

– Olá, Ashley. Acho que você está procurando por mim, não é?


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Notas finais do capítulo

Gente, se vocês puderem ajudar recomendando a história, vou escrever o capítulo 10 bem mais rápido.
Até o próximo!