A Primeira Família de Esther escrita por Giullia Lepiane


Capítulo 7
Tesoura


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



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Era de se esperar que, depois da ameaça feita a ele na segunda-feira, Brian estivesse mais comportado no dia seguinte.

Entretanto, parecia que aquilo apenas servira para deixá-lo mais encrenqueiro. Ele levou diversas broncas da Srta. Johnson durante a aula, não fez as lições direito e bateu num menino no horário do almoço, o que foi a gota d’água e resultou em ele ser chamado na sala do diretor.

E um tempo depois de ele ter saído, eu quem fui chamada lá, pelo alto-falante.

Nem pisquei. Eu já tinha em mente que a possibilidade de Brian contar para o diretor sobre o que eu disse a ele ontem era grande. Aquele dedo-duro.

Mas eu estava em vantagem, logicamente. Ele tinha fama de problemático na escola, e eu era apenas a garota nova. Se o diretor queria falar comigo sobre aquilo, eu nem precisaria negar muito para ele me liberar e brigar ainda mais com Brian por, acima de tudo, ser mentiroso.

– Esther, o que aconteceu? – Aproveitando de que se sentava na minha frente, Pamela se virou e perguntou, curiosa, enquanto eu me levantava para sair.

– Nada aconteceu. – Respondi, da maneira meiga da Esther, mas ao mesmo tempo, imperativa, como a desafiando a negar a minha afirmação. Um tom no qual até as pessoas de inteligência medíocre entendiam que havia algo errado, apesar de não saberem bem o quê, e que era apenas o subconsciente delas que as avisavam para não fazerem mais perguntas.

Um tom de voz muito útil, certamente.

Me virei e saí da sala sob os olhares fixos de todos os outros alunos.

Fui até a sala do diretor, que eu sabia onde ficava por ter de passar por lá no caminho de ida e volta da sala de aula. Na porta havia uma plaquinha onde se lia Diretor Todd, e eu bati uma vez antes de entrar por conta própria.

O ambiente era inteiramente azul e branco, como meu quarto na casa dos Sullivan. Havia persianas na janela e vários armários de metal encostados na parede atrás da mesa feita do mesmo material. Além disso, também tinha a cadeira do diretor, e mais duas no lado oposto da mesa.

O diretor Todd era um homem de cabelos escuros e encaracolados, que usava um par de óculos quadrados, e me olhava com a seriedade com que um adulto olha para uma criança, coisa que eu sempre era obrigada a aguentar.

Já Brian estava sentado em uma das duas cadeiras de visitas com os braços cruzados, encarando o chão, e balançando a perna no ar. Mas eu tinha certeza de que ele percebeu quando eu o olhei de relance, com meu melhor olhar de “Você não deveria ter feito isso”.

– O senhor me chamou? – Perguntei ao diretor, que assentiu.

– Sim, Esther. Entre.

O fiz, fechei a porta e fui me sentar na cadeira vaga, ao lado de Brian.

– O Brian contou que você o ameaçou ontem, quando vocês estavam subindo no ônibus.

Arregalei os olhos, fingindo surpresa.

– Claro que não!

– Ela ameaçou sim! – Condenou Brian – Ela disse que se eu tentasse empurrá-la do ônibus mais uma vez, ela ia fazer a roda do ônibus passar por cima da minha cabeça!

– Eu nunca diria isso! – Defendi-me, mesmo sabendo que não seria mais necessário. Não seria isso que iria me ajudar, e sim uma parte do que ele mesmo disse.

– Você tentou empurrar a Esther do ônibus, Brian? – O diretor Todd olhou feio para o menino, que finalmente entendeu que entregou a si mesmo, e não a mim, e empalideceu.

– Empurrei, mas foi sem querer!

– Não foi. Ele me empurrou e depois disso “bem-feito”. – Menti, com tanta rapidez e naturalidade que mal dava para perceber.

– Não disse! – Brian gritou.

– Disse sim. – Falei, com a voz impassível.

O diretor continuava encarando-o, acusador.

– Esther, pode voltar para a aula. Brian, vou ligar para os seus pais.

– Mas... – Ele ia dizendo, mas foi cortado pelo diretor Todd:

– Não comece. Quando você veio aqui mês passado, eu ainda deixei passar, mas dessa vez vou ter de tomar uma providência.

– Mas se a minha mãe souber ela vai querer me matar! – Choramingou Brian, e essa foi a última coisa que eu ouvi, porque depois disso eu saí da sala e fechei a porta.

Pensei em como aquele menino, além de dedo-duro, era exagerado. A mãe dele com certeza não iria querer matá-lo.

Eu já estava fazendo isso por ela.

*********


Mandy estava verdadeiramente intrigada em relação ao motivo pelo qual Esther fora chamada à sala do diretor Todd.

Nem o Brian fora chamado lá em seu segundo dia de aula, e ele aprontava o tempo inteiro. O que Esther poderia ter feito? E Mandy não saberia se ela houvesse feito algo? Não estivera ela quase o tempo inteiro perto da irmã?

Quando Esther voltou à sala de aula, Mandy desejou se sentar no lugar de Pamela, para poder se virar e perguntar tudo aquilo para ela no mesmo segundo.

E a Pamela também não perdeu tempo e virou para Esther imediatamente, porém antes que pudesse falar algo, a Srta. Johnson bateu de leve na mesa da garota, para chamar a atenção.

– Estamos em aula, Pamela. Vocês conversam na hora da saída.

E a aula prosseguiu até o bendito horário, quando Esther, Mandy, Pamela e Claire saíram da classe juntas, com as outras crianças, e Mandy perguntou:

– O que aconteceu na sala do diretor, Esther?

– O Brian tinha inventado algumas coisas sobre mim. Aí o diretor Todd queria saber se era verdade.

– O Brian é sempre chato. Não liga para ele. – Fungou Claire.

– Eu não ligo. – Esther garantiu, de uma maneira tão determinada que não dava brechas para continuar a conversa, como todos já estavam reparando que ela fazia com frequência.

E, então, as outras três meninas decidiram falar do único assunto que interessava a elas nos últimos tempos: High School Musical. Filme que Mandy determinou que Esther tinha de assistir assim que elas chegassem em casa, de tão embasbacada que ficou quando tentou inclui-la no assunto e ela respondeu que nunca tinha visto o filme.

Como assim, nunca? Mandy tinha até a mochila do High School Musical. Esther não podia simplesmente não conhecer.

Todavia, a menina não pareceu nem um pouco encantada ao que elas chegaram em casa, Mandy ligou a televisão, colocou o seu DVD no aparelho e elas começaram a assistir. Esther respondeu positivamente e sorrindo em todas as vezes que Mandy lhe perguntou o que estava achando, mas seus olhos davam a impressão que ela estava pensando em coisas muito mais profundas que aquilo.

Quando Rick chegou em casa naquele dia, elas já estavam na metade do segundo filme. Ele tapou os ouvidos, para não ouvir a música que tocava.

– Ah, não. Esse filme de novo não.

– Oi, pai. – As duas cumprimentaram, Mandy sem tirar os olhos da tela da televisão.

– Olá, meninas. – Ele respondeu, e fez uma careta como se não estivesse gostando de algo – Vocês duas já fizeram a lição de casa? Já são seis horas. E cadê a mãe de vocês e o Leon?

Mandy bufou.

– A mamãe está tomando banho e o Leon está no quarto dele. Papai, não podemos ir dormir mais tarde hoje?

– Numa terça-feira? Sem chances. Vão fazer a lição agora, para vocês poderem ir jantar e dormir às oito.

– Mas o Leon vai dormir só às nove!

– Leon tem treze anos. Vocês vão poder dormir às nove quando tiverem a idade dele.

– Você pode me ajudar a fazer a lição, papai? – Pediu Esther.

– É claro. – Ele aceitou, embora estivesse bem cansado por causa do trabalho.

Como para muitos pais, era difícil para Rick negar alguma coisa para a filha.

*********


Para a segunda série da Lincoln Elementary School, quarta-feira era o dia da aula de artes.

Eu não me conformava em como aquelas crianças podiam ser ruins em tantas coisas. Eu tinha o triplo do talento delas em tudo quando tinha oito anos. Ou melhor dizendo, eu tinha muito mais talento que elas, porque o triplo de zero é zero.

No dia anterior, quando Amanda me fizera assistir àqueles filmes que ela e as amigas dela gostavam, eu tive de me controlar para não parecer estar odiando, principalmente quando eles cantavam. Apesar disso, ainda me concentrei parcialmente no filme, porque era incontestável que as meninas iam querer falar comigo sobre isso depois.

Mas a outra parte de mim não havia conseguido parar de pensar em uma vingança por Brian ter me dedurado ao diretor Todd durante o filme.

E o que planejei foi aproveitar a primeira oportunidade que tivesse no dia seguinte para isso. Às vezes, o plano certo era improvisar: Eu não poderia bolar nada bom com antecedência, já que só conheço Brian e a escola há pouco tempo.

E daria tudo certo, no fim. Eu sabia o que estava fazendo.

A oportunidade que vi foi na aula de artes, quando o professor da matéria, o Sr. Smith, passou um trabalho em que tínhamos, todos, de cortar figuras de animais de revistas que nos foram distribuídas, e então nós as entregávamos a ele, que as colava numa cartolina.

Brian tinha voltado a se sentar atrás de mim depois do meu primeiro dia de aula, e estava cortando as imagens de uma maneira desleixada, para ir mais rápido que os outros. Dava para ver que o Sr. Smith estava ficando cansado de ter de retocar o corte das figuras que ele lhe entregava. E, de minuto em minuto, o garoto passava correndo por mim para chegar à mesa do professor, com a imagem e a tesoura em mãos.

E foi isso que me deu uma ideia.

Brian já recortava outra foto de sua revista, eu sabia pelo som atrás de mim.

Cutuquei o ombro de Pamela, que se virou.

– Ei, você gostou mais do High School Musical 1 ou do Dois? – Fiz a pergunta mais apropriada que pensei.

– Ah, mas é claro que o Do...

Brian se levantou, e foi passar correndo para entregar a imagem para o professor.

E nisso eu empurrei com o pé a minha mochila, que estava ao lado de minha carteira, e ela tombou para frente, fazendo Brian tropeçar, e cair no chão com a tesoura em mãos.


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Notas finais do capítulo

High School Musical, let's celebrate where we come from...
Kkkk, nossa, fazia séculos que eu não ouvia desse filme. '-'
Gostaram? Comentários me soam bem... Rs.
Até o próximo capítulo!