A Primeira Família de Esther escrita por Giullia Lepiane


Capítulo 5
Lar


Notas iniciais do capítulo

Hey! Espero que gostem!



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Não havia quem não achasse a casa dos Sullivan um lugar adorável.

Lá não era, de fato, gigantesco, como a maioria das casas do bairro, mas nenhum outro morador da região conseguira decorar sua casa com tanto bom gosto quanto eles. E, de jeito algum, o espaço era pequeno. Quatro quartos, três banheiros, sala de estar e de jantar, cozinha e ainda porão e sótão.

Muitos cômodos, pouco espaço para cada um. Contudo, tudo junto formando um ambiente confortável em que qualquer um gostaria de morar.

Os Sullivan tinham certeza de que Esther adoraria.

- Nossa! – Realmente fez a menina quando Rick abriu a porta de entrada e eles puderam ter um primeiro vislumbre da parte de dentro da casa.

Ele teve de aguentar a vontade de perguntar-lhe como era seu antigo lar, onde ela morara com os pais biológicos.

O passado de Esther era algo intrigante. Nada se sabia dela além do básico.

Era como se a vida de Esther só houvesse começado quando ela apareceu à porta daquele orfanato russo, meses antes.

Eliza e Rick já haviam conversado sobre isso antes da chegada da garota aos Estados Unidos. Concluíram que o passado dela poderia ser muito ruim, até traumatizante, e que não deveriam trazer este assunto à tona. Não tão inicialmente. Talvez quando ela já estivesse bem acomodada, eles pudessem pensar nisso.

Porém, tudo o que lhes importava no momento era o presente.

- Oh! Vocês fizeram isso para mim! – Esther exclamou ao que eles entraram e puderam ver, pregada na parede principal da sala, a faixa de boas-vindas.

 - O Leon fez a faixa. – Rick contou, dando uma piscadinha para o filho, que encarou o chão, tímido.

- Obrigada!

Mandy não tinha ficado muito alegre de que Esther estivesse reconhecendo o trabalho de Leon e o agradecendo. Ela também tinha ajudado nos preparativos! Queria a admiração da irmã. Foi por isso que falou:

- Ei, Esther, não quer ir ver seu quarto? Eu ajudei a decorá-lo.

- Ajudou mesmo. E fez um ótimo trabalho. – Eliza concordou.

Mandy já se alegrava novamente.

- Vem ver! – E saiu correndo escada acima, para o quarto que ficava no segundo andar, com Esther logo atrás e os pais e o irmão seguindo-as em passo normal.

O único defeito do quarto era o forte cheiro de tinta.

Haviam se passado pouquíssimos dias desde que Rick terminara de pintar as paredes e os móveis, e aquele horrível odor tinha permanecido apesar de eles terem deixado janelas e portas abertas dia e noite.

Rick ia se desculpar por não ter finalizado o trabalho a tempo, quando Esther anunciou:

- É perfeito. – Ela caminhou pelo quarto, analisando todos seus novos pertences. Se deteve ao ver a caixinha de música no criado-mudo ao lado de sua cama. Abriu a tampa, e pareceu gostar da melodia de piano que começou a tocar, mas logo a fechou.

- Esther, meu anjo, estou feliz que você tenha gostado do quarto, mas acho melhor você não dormir aqui hoje à noite. Este cheiro está insuportável. Por que não dorme no quarto de Mandy? – Eliza sugeriu, docemente.

Ela negou no mesmo segundo.

- Por que não? – Mandy ficara magoada com a resposta.

- Na verdade, eu queria dormir com o papai e com a mamãe. Por que não posso? – Esther falou, como sempre rápida e clara.

Eliza e Rick se entreolharam.

- É claro que você pode. – Foi ele quem tomou partido – Claro. Por que não?

- Obrigada, papai. – Esther o abraçou, e ele afagou os cabelos escuros da filha rapidamente.

- Quem está com fome? Vou encomendar alguma coisa. – Eliza disse.

- Encomendar alguma coisa? Mãe, você nunca encomenda comida. – Leon implicou.

- Mas hoje é um dia especial. – Replicou ela – E eu quero experimentar a comida daquele novo restaurante chinês.

Todos aprovaram a ideia com animação. Dizia-se que o restaurante de comida chinesa que havia aberto recentemente era incrível.

E como o dia estava sendo incrível, não havia porque não comemorar.

*********

Eliza pediu comida chinesa, e chegou em pouco tempo.

Nós fomos comer, eu já ficando meio impaciente. Todo esse processo de primeiro dia na casa de uma família me deixava louca.

Chegar, ganhar um quarto, conhecer a casa, comer alguma coisa diferente da rotina. Tudo tão terrivelmente esperado.

E, depois da refeição, Eliza olhou para mim com um sorriso tão enorme que chegava a me dar nojo. Eliza Sullivan era a pessoa que eu mais odiava desta família.

E isto considerando que o meu amor por Leon e Amanda também estava no negativo.

- Esther, eu esqueci de te mostrar as roupas que comprei para você – Ela falou.

Assenti, como se tivesse sido uma pergunta. Eu sabia que ela ia querer me mostrar agora, e que ela provavelmente comprara jeans e camisetas para mim, e nenhuma das roupas que eu costumava usar para compor o visual da Esther. Pais adotivos costumavam fazer isso sempre.

Eu já tinha tido várias famílias adotivas antes dos Sullivan. Antes de me arrastarem para aquele inferno do Instituto Saarne, onde eu tinha passado os meus últimos anos. Mas eram todas famílias russas, ou no caso das duas primeiras, estonianas. Mesmo assim, todas tinham aquele ponto em comum de não comprarem as roupas certas para mim, e eu acabar tendo de usar as roupas que já me pertenciam. Embora eu parecesse uma criança, nada do que eu fazia daria certo se eu não me vestisse como uma também. Mas talvez eu desse sorte agora. Aquela era minha primeira família americana, a primeira família depois do Instituto Saarne, a primeira família da “nova” Esther. Nova, porque renovei os documentos e limpei a minha ficha, que dizia todas as minhas famílias adotivas que já tinham morrido. Como uma outra pessoa.

Quem sabe também fosse a primeira família a comprar roupas adequadas para mim. Ou até... a primeira família em que meu objetivo final, pelo qual eu já assassinara tanta gente, fosse concluído.

Porque eu não era obrigada a matar todos os Sullivan. Se Rick colaborasse na hora H, ele poderia viver.

Mas só Rick. E só com colaboração. Era a chance que eu dava para o pai de todas as famílias que eu passava.

Infelizmente, eles nunca cediam. Tolos.

Voltei com Eliza para o meu quarto. E, admito, fiquei surpresa quando ela abriu a porta do guarda-roupa – que havia sido pintado por fora, mas não por dentro, de forma que desse para guardar minhas roupas sem manchá-las de tinta branca – e eu vi uma verdadeira coleção de vestido, meias-calças, sapatilhas e fitas. É, até que Eliza fez alguma coisa certa.

Mas esta era uma satisfação pessoal que não mudava e nem anulava o que eu sentia por ela.

Examinei as minhas roupas novas.

- São muito bonitas.

- São mesmo, não são? – Pelo som da voz dela, eu sabia que ela tinha saído de meu lado, mas não do quarto. Não dei importância.

Pelo menos, não até ela prosseguir:

- Quer ajuda para guardar as suas roupas antigas, Esther?

Me virei no mesmo segundo, para vê-la começando a abrir a minha mala, que eu deixara sobre a cama ao chegar.

Minha bíblia estava dentro de minha mala. E as fotos dos pais de todas as famílias por quem eu passara estavam dentro da minha bíblia. Eliza não podia encontrar as fotos, a bíblia, e, portanto, não podia abrir a mala.

Instintivamente, corri até ela, agarrei e puxei a mala de suas mãos. Eliza não estava preparada para essa reação de minha parte, e por isso soltou imediatamente, de maneira que eu cambaleei para trás ao puxar com tanta força, esperando que ela continuasse segurando.

- Esther! – Ela exclamou, espantada.

A fenda que ela já tinha aberto na mala foi o suficiente para meu bloco de desenhos cair no chão. Por sorte, a bíblia ficou onde estava.

Me abaixei, deixei a mala no chão e, apressada, peguei o que tinha caído. Não sei se foi pelo barulho do bloco de desenhos batendo no chão de madeira ou Eliza gritando “Esther”, mas rapidamente Rick entrou no quarto.

- Aconteceu alguma coisa?

 Eliza olhou para mim por mais um longo segundo, e eu olhei para Rick. Pensei que ela ia contar para ele o que houve, mas ela só falou:

- A Esther caiu.

- Oh. Você está bem? – Ele perguntou para mim.

Assenti.

- Tudo bem, então. – E Rick saiu do quarto.

Por que Eliza não disse a ele que eu arranquei a mala das mãos dela? Estava tentando ser minha amiga? Queria estabelecer laços de confiança comigo?

Ah, faça-me o favor.

Eliza parecia esperar que eu agradecesse. Como não fiz, ela meneou a cabeça e disse:

- Eu vou lavar a louça. Você pode arrumar suas coisas sozinhas, se é o que quer.

Concordei, e ela foi embora.

Eu não poderia fechar a porta naquele momento, pois seria suspeito. Mas esperei até ter certeza de que ela tinha se afastado para abrir minha mala, e, sem demoras, pegar minha bíblia. Ela precisava ficar escondida.

Levantei a borda do cobertor de minha cama e enfiei a bíblia entre o estrado de madeira e o colchão, antes de cobrir novamente. Depois eu poderia pensar em um lugar melhor. Momentaneamente, aquele estava ótimo.

Meu bloco de desenhos, eu deixei sobre a escrivaninha. Comecei a guardar todas as roupas no armário.

Eu já estava terminando quando Amanda surgiu à porta.

- Oi, Mandy. – Falei, parando para sorrir para ela.

- Você quer ir brincar comigo? – Ela convidou.

- Claro. Só deixe-me terminar de guardar minhas roupas.

- Quando acabar venha para o meu quarto. Vou esperar lá.

- Estarei lá em cinco minutinhos.

Amanda seguiu, saltitante, para o seu quarto. E eu continuei a guardar as roupas, agora com muito mais lentidão.

Humpf. Bem que eu, ao menos uma vez, podia ser adotada por uma família sem crianças. Elas são sempre tão irritantes.

O ponto positivo são que elas são bem mais manipuláveis que a maioria dos adultos. E eu tenho tanta certeza de que vou vencer essa que, qual o problema de aguentar um pouquinho de aborrecimento?

Vai tornar tudo mais doce no fim.


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Notas finais do capítulo

E as encrencas começam... AUSHIASHISAHSIA, até o próximo!