A Primeira Família de Esther escrita por Giullia Lepiane


Capítulo 3
Adoção


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Deu certo.

Soube disso por intermédio da Sra. Titov, alguns dias depois da primeira visita dos Sullivan, apesar de que eu, pessoalmente, já sabia que daria certo.

O casal tinha vindo visitar o orfanato mais vezes depois daquele dia. Para ser mais específica, me visitar, porque eu era a única com quem eles falavam.

Na segunda vez, eu já tinha terminado o maldito desenho da cobra, e o dei de presente para Eliza Sullivan, como tinha dito que faria no primeiro dia se ele estivesse pronto. Ela adorou.

Na terceira, eles me perguntaram se eu já tinha ido para os Estados Unidos. Respondi que não, uma das poucas coisas sinceras que disse a eles. Eles me contaram sobre o país, e eu aproveitei a excelente oportunidade para dizer:

- Que legal! Como vocês são sortudos de morar lá!

Eles se entreolharam com um olhar cúmplice que eu já sabia o que significava.

Na quarta vez, eles se despediram de mim, dizendo que iriam voltar para os EUA, mas foram embora com um “Até logo”. Uma despedida simples, mas que deixavam claras as intenções deles.

E mais uns poucos dias depois, durante um almoço, a Sra. Titov me chamou na sala dela.

- Esther, querida, o que achou dos Sullivan? – Perguntou ela, sorrindo, logo quando eu entrei no aposento.

- Eles são bem legais. – Respondi, olhando-a de uma maneira inocente, como se não soubesse onde ela queria chegar.

- E você gostaria de ir morar com eles?

Assenti. Sra. Titov fez sinal para eu fechar a porta, que eu deixara aberta ao entrar, e me sentar na cadeira em frente à mesa dela.

Ao fazê-lo, reparei que, sobre a mesa, estavam espalhados todos os meus documentos.

Não, não os meus documentos. Os documentos da Esther, que eu pagara caro para serem feitos tão perfeitos. Eles eram falsificados, é lógico, mas ninguém nunca percebeu. Os meus documentos de verdade não estavam lá, num orfanato russo, mas sim num hospital psiquiátrico da Estônia, minha real terra natal. O Instituto Saarne, de onde eu conseguira fugir tempos antes. Eu estava lá por ser considerada uma psicopata potencialmente louca, com uma doença rara chamada hipopituitarismo, a deficiência do hormônio de crescimento, que deixara eu – Leena Klammer – eternamente com aparência de criança. E me possibilitara criar Esther, e fazer o que fazia.

Estava na hora de eu parar de fingir que não entendia o motivo pelo qual eu fora chamada – já estava óbvio demais mesmo para uma criança.

- Sra. Titov, o Sr. e a Sra. Sullivan vão me adotar? – Perguntei, a animação evidente na voz.

- Sim, Esther. – Ela respondeu. Abriu a boca para falar outra coisa, mas eu falei por cima:

- Eles vêm me buscar para morar com eles?

Sra. Titov negou, e depois explicou:

- Você vai ir para lá sozinha, querida. De avião.  – Ela avaliou minha expressão para decifrar o que tinha achado disso. Eu não estava me importando nem um pouco, mas ela ainda continuou: - Sabe, você não tem de ter medo. O avião é seguro. Vamos te deixar no aeroporto daqui e eles vão estar lá para te buscar no aeroporto de Kentucky.

- Eu não estou com medo. – Isto eu falei séria. Não tinha paciência para comentários baseados em hipóteses. A mulher arregalou os olhos, surpresa, mas logo voltou ao normal.

- Pois muito bem.

Ela me explicou sobre todos os detalhes, direitinho. Fiquei quieta, apenas ouvindo e concordando. Não estava interessada em ouvir aquela velha falando, e eu já conhecia perfeitamente bem o processo de adoção. Naquele momento, eu só estava me deliciando pensando na inocência dos Sullivan e em como eu não poderia esperar ser adotada por uma família melhor.

Americanos, vejam só. Iam me levar para os Estados Unidos. Me tirar da Rússia, que eu odiava por ficar tão irritantemente perto da Estônia, onde aqueles imprestáveis do Instituto Saarne me queriam confinada à uma cela com uma camisa-de-força.

Eu iria para tão longe agora. Eles não me alcançariam mais.

Ninguém mais me pararia.

*********

           

Esther era uma garota extraordinária.

Era isso, com essas palavras, que Eliza e Rick não paravam de falar para seus filhos Leon e Mandy depois que o casal voltou para Kentucky e as crianças, que estavam com os avós que moravam em Washington durante a viagem dos pais, também.

- O que significa “extraordinário”? – Perguntou Mandy, na hora do jantar.

- Algo fora do comum. – Rick explicou.

- E isso é bom? – Com o garfo, a menina fazia suas ervilhas dançarem no prato, encarando-as desanimada. Era certo que ela acabaria comendo-as, pois sabia que era errado jogar comida fora, mas isso não mudava o gosto horrível do legume verde.

- Depende no que você é extraordinário.

- A Esther é extraordinária da maneira boa?

- A Esther é extraordinária da maneira ótima. Você vai adorá-la. – Garantiu o pai.

- Ela vai brincar comigo? – Mandy estava nas alturas. Parecia um sonho que seus pais adotassem uma menina de oito anos como ela. Se ela fosse tão “extraordinária” assim como seus pais diziam, seria como ter uma amiga vinte e quatro horas por dia!

Eles automaticamente se lembraram de quando Esther falou para eles que as outras crianças não gostavam de brincar com ela. Mas o problema não devia, não podia, ser com ela. As outras crianças, provavelmente, que eram implicantes. Esther era um doce. Embora nenhuma daquelas crianças parecesse ser má.

- Com certeza ela vai. – Foi Eliza quem respondeu.

Leon, por sua vez, comia olhando fixamente para o desenho de cobra que Esther tinha feito – a única coisa dela que ele e a irmã tinham visto até então, já que seus pais não trouxeram fotos da garota – e que estava pregado com imãs de carinhas sorridentes na geladeira.

Ele gostava muito de pintar também, e não lhe era agradável que uma garota cinco anos mais nova fosse melhor que ele. Talvez Leon fosse melhor no traço a lápis, mas ele não conseguia não estragar o desenho na hora de passar à tinta. A técnica dela para isso era perfeita.

- Bom que ela goste de pintar, não é, Leon? – Falou Rick, mudando de assunto. – Vocês vão poder trocar ideia.

- Sim. – O garoto parou de olhar o desenho e voltou sua atenção para a comida. – Vai ser legal com ela aqui. – Apesar do que disse, por algum motivo ele não se sentia muito seguro sobre isso. Mas isso provavelmente era só porque ele ainda não conhecia a nova irmã, e não é possível gostar de alguém que você não conhece. Pelo menos para ele não era. Se visse, por exemplo, Mandy, o caso seria outro. Mesmo nunca a tendo visto, ela já amava Esther.

- Não vejo a hora de ela chegar! – Exclamou uma alegre Mandy.

Mas mesmo ainda não tendo chegado, Esther já estava bem-vinda até demais na família Sullivan.

Para todos os efeitos, perigosamente bem-vinda. 


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Notas finais do capítulo

Esther acha todo mundo imprestável... AUHSAIUSHAIUA.
Ah, no filme "A Órfã" a Esther tem, supostamente, nove anos, mas como a minha história se passa antes ela tem oito :3.
E é isso. Até o próximo!