Quero Ser Um Cavaleiro escrita por Maia Sorovar


Capítulo 35
Aceito desculpas


Notas iniciais do capítulo

Demroa mas sai. ^^ Espero que gostem.



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Escuro. Era assim que o mundo era: escuro como breu. Sara começou a palpar as pedras à procura de uma fresta, sem encontrar uma brecha sequer. O ar começava-lhe a faltar tornando cada respiração um suplício.

“Não... Não vou deixar aquele doido vencer assim...”, pensava tentando tirar os pedregulhos do caminho. Eram muitos porém e ainda por cima pesados. O estreito espaço aonde se encontrava também não colaborava em nada. Seus pulmões ardiam, a visão nublava, sentiu que sua consciência a estava deixando.

- Athena, Athena! Por favor, não quero morrer aqui! - Implorava.

Já estava a ponto de perder as esperanças quando ouviu um murmúrio através da barreira;

- Perle...

- Shion... Mestre Shion... - Lágrimas começaram a cair de seus olhos. Por que chorava por aquele homem tão cruel, que tanto mal havia lhe feito? E a imagem que lhe vinha à mente era a do Grande Mestre no dia em que a recebeu no Santuário, um cavaleiro gentil, justo e doce, tal qual seu pai havia lhe descrito. - Vamos embora... VAMOS EMBORA!

Ela novamente sentiu algo percorrendo-lhe o corpo, crescendo forte e brilhante até explodir liberando todo o cosmo que se acumulara.

Sara abriu os olhos e percebeu que não havia mais a parede de pedra e que a caverna estava complemente iluminada. Procurou ao redor a fonte luminosa e com espanto percebeu que era ela própria. Brilhava como uma estrela, todo o seu ser envolvido em energia.

- O cosmo... É o cosmo! - Gritou rindo e chorando ao mesmo tempo. Ainda recordava das palavras paternas sobre esse momento: “Quando um cavaleiro luta, seu cosmo explode e ele sente o universo em suas mãos”.

Mas tão rápido quanto veio a luz se foi. A morena não se importou, sabia que ela voltaria, era questão de tempo - e um pouco de treinamento, talvez. Mal imaginava que ele já havia aparecido uma vez antes e tornara a se manifestar. O importante agora era achar seu mestre e resgatá-lo. De quatro no chão começou a esquadrinhar a área à procura de algum indício do ariano. Tateou um pouco e encontrou uma mão. Tocou-a e a mesma se mexeu. Começou então imediatamente a cavar e por pouco não gritou ao tocar a face de Shion.

Estava tão gelada! Retirou as pedras que cobriam seu corpo, tentando por fim analisar a situação. Examinando-o apenas com os dedos sentiu algo quente e viscoso molhá-los e com horror percebeu ser sangue. A situação era realmente crítica. A menina pegou-o pelas axilas, arrastando-o a esmo, rezando para estar na direção certa. Sorriu ao ver uma nesga de luz que logo se transformou na saída do penhasco. Deitando o Grande Mestre no chão, olhou para cima e descobriu pequenas reentrâncias no paredão. Tratou de escalá-las, chegando rápido ao topo.

- Shion! - Chamou pelo burrico que atendeu de pronto. - Vamos, ele precisa de ajuda! - Correram ambos para a torre, onde o burro posicionou-se logo abaixo da primeira sacada e garota com um único salto, apoiando-se em seu lombo, alcançou a borda.

Sara vasculhou a casa à procura de uma corda ou algo semelhante porém nada encontrou. Sem alternativas pegou todos os lençóis que achou, amarrou suas pontas e tornou a descer com a “corda” improvisada.

- Fique aqui viu? - Falou ao animal enquanto tornava a escalar o rochedo. Amarrou o pano à cintura do cavaleiro e tornou a subir pelo paredão de pedra; fazia tudo o mais rápido possível, visto o delicado estado de saúde do Grande Mestre.

- Vamos, puxe! - E ela e o burrico usaram de todas as forças para puxar o corpo inerte. Tendo-o novamente em seus braços, a brasileira arrastou-o até próximo à casa. - Shion, formação! - O animal posicionou-se e ela mais uma vez repetiu o salto que usara no dia anterior. Ficou surpresa ao perceber que dessa vez foi parar no lado de dentro da varanda e não pendurada à borda. Com a corda enrolada nos pulsos fez um último esforço para erguer aquele homem que parecia cada vez mais pesado e só parou quando ele desabou à sua frente.

Já na cama, a morena tratou de livrá-lo das roupas que usava, deixando-o só de cuecas. Sentiu o rosto arder ao cometer tão imprudente ato mas esse constrangimento só durou o tempo de constatar a gravidade da situação. Shion tinha um profundo corte na barriga, cujo sangue fluía como de um vaso rachado; seu braço esquerdo estava levemente virado para dentro, indicando uma torção no ombro; a perna direita estava com ondulações em três locais diferentes, provavelmente fraturas.

- Ai, Athena, ele vai morrer, ele vai morrer! - Desesperou-se a garota andando de um lado para o outro com as mãos na cabeça. - Calma Sara, calma que agora não é hora pra chiliques! Vamos ver, como foi que o Shaka disse daquela vez? O que eu tenho vontade de fazer? De salvá-lo, de salvá-lo, de... - E ela se tocou que as únicas coisas que passavam em sua mente nesse momento eram os gritos chamando-a de inútil. - Droga mestre! Tá vendo, nem salvar você eu quero!

A morena se sentou ao lado da cama, tomou uma das mãos do homem entre as suas e tornou a se concentrar. Novamente as imagens das brigas e insultos do cavaleiro a sua pessoa tomaram-lhe os pensamentos, impedindo qualquer outra idéia de aflorar.

- O que faço? Se pelo menos ele fosse mais gentil... Mais delicado... - E novamente se lembrou do beijo e das maneiras doces que ele usou para tratá-la quando se encontraram. Porém nem assim a vontade de mantê-lo vivo veio. - A culpa é sua! Tá vendo, você me maltratou tanto que eu poderia te deixar morrer sem nem me importar, como você tencionava fazer! E o pior que isso está acontecendo neste exato momento! Droga, droga, droga...

Sem perceber Sara já estava gritando com o corpo inerte a sua frente. Tentava se forçar a salvá-lo só que não sentia vontade alguma. “Por quê? Pra quê? Ele é o Grande Mestre mas nem parece querer sê-lo... Não luta mais... E nem tem quem o espere...”, pensou. “Pobre Perle... Acho que ela ficaria feliz em reencontrá-lo.”.

Estava a ponto de desistir, sentia a pele do cavaleiro cada vez mais gelada, a vida esvaindo-se a cada gota de sangue quando uma brisa suave agitou-lhe os cabelos, fazendo-a levantar a vista. Arregalou os olhos, a mulher do retrato estava sentada na cama, acariciando de leve seu mestre. Ela sorriu-lhe e depositou um leve beijo na testa da menina, sussurrando-lhe:

- Ainda não quero que ele esteja comigo... Salve-o, por favor...

As lágrimas que relutavam em sair começaram a cair torrencialmente e a sensação de fraqueza tomou conta de todo seu corpo, mais forte que das outras vezes. Era como se toda sua energia estivesse sendo sugada. Um momento antes de tudo sumir pôde vislumbrar a mulher alisar os lábios de Shion.

Horas depois

Acordou com o corpo todo entorpecido, parecia quando havia sido espancada por Rickertt. Tentou se levantar e percebeu que os dedos do cavaleiro continuavam entrelaçados aos seus. Estavam quentes. Olhou então seu rosto suspirando tranqüila ao ver que a cor tinha retornado a ele. Com esforço se pôs de pé e procurou nas gavetas alguma roupa para cobri-lo. Tendo achado uma camisa e uma calça, olhou-o novamente e viu que seu abdome estava manchado de sangue mas sem o corte. A perna também estava íntegra. O braço porém continuava virado.

- Não foi suficiente... - Murmurou pesadora. - Mas pelo menos não morreu! - Tranqüilizou-se. Correu pela casa e voltou com uma bacia cheia d’água e duas toalhas. Delicadamente limpou seu mestre, banhando-o tal a um doente acamado. Ao finalizar, vestiu-lhe as roupas. Para evitar que sentisse mais dor com o braço torcido colocou duas tábuas no úmero e amarrou-as com uma faixa, imobilizando o membro. Nem assim ele acordou.

Parecia uma criança dormindo. Foi irresistível a tentação e ela beijou-o suavemente a testa.

Ocorreu um leve tremular de pálpebras e íris violetas miraram diretamente as suas.

- Mestre! - Exclamou sorrindo. - Que bom que está b... - A brasileira perdeu a fala ao sentir uma forte pressão na garganta.

- Pivete... O que pensa que está fazendo? Quem te deu permissão para me tocar? - Disse enquanto apertava o pescoço da aluna.

- ... - Sara se debateu tentando em vão responder.

- Inútil... - Resmungou soltando-a.

“É, ele já melhorou...”, pensou aliviada.

- Mestre, quer algo? Não come há várias horas, posso preparar algo. - Sugeriu ela.

- Suma daqui... Não quero ver esse seu rosto infame. Eu não vou mais dirigir a palavra a você e espero que faça o mesmo. E volto a proibir que durma na minha casa. - Finalizou deitando de lado e dando as costas à aprendiz.

A garota ficou chocada com a atitude. Como alguém podia ser tão orgulhoso com a pessoa que salvara sua vida? Ou será que ele estava pensando que Zeus havia descido a Terra e o retirado de baixo daqueles escombros? Ah, homenzinho irritante! Se esta era sua vontade, então ela a cumpriria.

Pegou o colchão da sua cama, um travesseiro, cobertas, os cabos das vassouras, um pouco de comida e água e desceu com um salto da torre. Foi até a única árvore que existia por perto, fincou as estacas no chão e armou uma espécie de tenda, para protegê-la um pouco do frio.

- Pronto, que tal Shion? - Perguntou ao burrico. O mesmo zurrou em aprovação e foi logo entrando. - Ei, quem disse que cabem dois aí? - Rindo e arrumando-se da melhor maneira que podia com o amigo. Logo ambos dormiam.

O dia amanheceu claro e bonito. A morena acordou tarde, sentindo ainda fraqueza pelo uso do Toque da Vida no dia anterior.

“E ele nem mesmo agradeceu...”, pensou triste. Sacudiu a cabeça afastando aquelas lembranças tão próximas quanto ruins. Comeu um pouco e tentou ocupar a mente com uma atividade.

- Estou agora sozinha, meu mestre não quer me ver... Melhor treinar, né, Shion? - Afagando a crina do burrico. Ele simplesmente olhou-a e voltou a dormir. - Preguiçoso...

E durante as horas que se seguiram ela treinou como pôde. Com o cair da noite estava exausta e faminta. “Bom, ele não disse que eu não poderia voltar lá para comer.” Uma vez dentro da casa, tratou de preparar uma sopa com as verduras que havia, antes que estragassem. “Deve estar com fome...”. Sem conseguir reprimir o pensamento, levou até o quarto um prato. Deixou-a no chão, bateu na porta e foi embora correndo. Não seria uma boa idéia encontrá-lo agora. Na manhã seguinte ela encontrou o prato limpo fora do cômodo, sinal que aceitara a refeição. E assim se passaram vários dias, sem que um tivesse qualquer contato direto com o outro.

Para o cavaleiro aquilo poderia ser aceitável mas para Sara estava se mostrando um suplício. Uma coisa era conversar com um animal que, mesmo sendo amigo, nunca lhe respondia. Outra era ouvir uma voz humana, nem que fosse gritando. Nem mesmo no Santuário ficara sozinha, tinha Kiki, os irmãos Benir, as crianças da escola, isto é, claro, além dos aprendizes e outros cavaleiros. E havia ainda o problema da comida. Com a destruição da ponte estavam praticamente isolados e, é claro, os alimentos escasseando. Aquela situação chegara a um ponto crítico, querendo ou não teria uma conversa séria com o Grande Mestre. Se ele não queria treiná-la mais pelo menos a levasse de volta! Decidida a menina voltou a casa e bateu à porta do quarto.

- Mestre Shion? - Sem resposta. Tentou novamente. - O senhor está dormindo? - Nada. Suspirando, girou a maçaneta e adentrou silenciosa no cômodo. Encontrou-o deitado olhando fixamente o teto. - Hã, mestre...? - Ele não se moveu e a aprendiz percebeu que seu rosto estava encovado e a tez ainda mais pálida que o normal. Aproximou-se receosa e chocou-se com o que viu. Parecia uma sombra do homem que tanto a amedrontara. Estava emagrecido, os músculos definhados, a pele ressecada, os longos cabelos verdes malcuidados. Tinha a impressão que até as pintinhas que tinha no lugar das sobrancelhas haviam perdido um pouco a cor. O que mais lhe chamou a atenção contudo foram os olhos: embaçados, desfocados, eram como se estivessem... Mortos!

Só se deu conta de onde estava quando Shion mordeu-lhe o dedo. Quando saíra da casa? Mirou as mãos e percebeu que estava tremendo. Não conseguia acreditar que o ariano estava morto. Respirou profundamente para se acalmar e concentrou-se.

“Não... Não havia cheiro de morte ali. O que ele fazia com a comida então?”, pensou. Uma idéia lhe ocorreu e arrodeou a torre, terminando por descobrir uma pilha de restos de alimentos, cobertos já de moscas. “Droga...”.

Aquilo foi demais. Agora entendia porque ele não falava-lhe. Não era apenas raiva, era desesperança. O cavaleiro perdera completamente a vontade de viver. Sentiu-se impotente, algo dizia-lhe que o Toque não ajudaria em nada agora. Sentou-se no chão e abraçou o burro, as lágrimas escorrendo devagar e silenciosamente. Foi quando seu olhar pousou no horizonte; a pedra da caixa de Pandora voltou a brilhar.

O ariano ouviu um ruído próximo a si; como a curiosidade é algo inerente a qualquer ser humano virou a cabeça na direção do barulho. Por que aquele aprendiz idiota não o deixava em paz para morrer? Nada mais o prendia ali mesmo. Arregalou os orbes ao ver diante de si o retrato de sua amada, com alguns furos e arranhões mas fora isso bem preservado.

- Pe-Perle... - Sua voz saiu num sussurro e isso o assustou sobremaneira. Quando ficara tão fraco? Arrastou-se até o quadro, alisando-o devagar, sorrindo para logo depois gargalhar de felicidade. Foi então que notou manchas vermelhas na moldura. “Daniel? Mas aquele moleque não...”, pensou confuso. Resolveu então tirar a limpo essa dúvida.

- Daniel! Venha aqui, agora! - Chamou com toda a força que tinha porém ninguém respondeu. Intrigado Shion foi procurar sua aprendiz. Afinal, por mais molenga e mentirosa que ela fosse nunca deixara de responder às suas solicitações. Encaminhou-se para uma passagem escondida sob a escada entre o primeiro e o segundo andar e desceu até sair no pé da torre, numa porta invisível pela parte externa. - Moleque, onde você está?

Não demorou a encontrá-la. Estava encostada a uma árvore e parecia dormir. Ao chegar mais perto contudo percebeu que ela tinha o rosto cheio de pequenos arranhões, os braços com cortes - alguns profundos - e hematomas, as pontas dos dedos completamente feridas e cobertas de sangue. Ao lado achava-se o fiel burrico, lambendo delicadamente os machucados.

- Oh Zeus, o que eu fiz...? - Perguntou-se Shion, tocando a face da aluna. Sara despertou de imediato e olhou-o

-Oi mestre... - Disse com a voz fraca e um sorriso meigo, para logo depois tornar a desfalecer.

Aquilo desarmou o cavaleiro de uma vez por todas. Segurou o ombro da garota e a crina do animal e todos desapareceram no ar.

Santuário de Athenas

- Venham rápido! Ele precisa de um médico urgente! - Gritava um soldado para outros. A seus pés havia um homem de longos cabelos verdes e braço imobilizado respirando com dificuldade.

-Hum, pare Daniel, não quero brincar de cachorrinho hoje... - Resmungou a brasileira, abrindo devagar os olhos. O que encontrou contudo foi a cara de seu bichinho, que aproveitou para dar-lhe mais uma lambida. - Argh, Shion! - Reclamou debilmente. - Ai, que dor... O que aconteceu?

Sentou-se devagar para se situar. Percebeu que estava no chão da sala da Casa de Libra. Olhou por uma janela; era noite fechada. Por quanto dormira? Horas? Dias? Sacudiu a cabeça, tentando lembrar de algo. Recordou de pedras, uma escada, ser arrastada, o animal tentando acordá-la. E por fim uma palavra doce sussurrada: Desculpe...

 

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Notas finais do capítulo

Beijos.



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