Shion sentia uma agradável pressão sobre o peito. Abriu lentamente os olhos e deparou-se com uma massa de longos cabelos negros diante de si. Foi tomado de tão grande susto que se virou rápido na cama, caindo de cara no chão. Os fios escuros mexeram-se em torno de si mesmos e revelaram um rosto doce e tranqüilo adormecido.

- DANIEEEEEEEEEEEEEEEEL!

Com o grito foi a vez de Sara cair estatelada do outro lado da cama. Sentou-se esfregando o nariz e olhando tudo à sua volta de maneira confusa até encontrar o rosto do Grande Mestre possuído de raiva.

- Que... Que pensa que está fazendo...? AQUI?

- Hã... Eu... Dormindo? - Arriscou e teve a nítida impressão de ver uma nuvem negra se formar sobre a cabeça do cavaleiro. Nesse momento Shion lembrou-se do sonho que tivera e perguntou, temendo a resposta.

- Você... Ouviu algo... Enquanto eu dormia?

- Quem é Perle? - Devolveu sem pensar. O homem olhou-a como se fosse um ser abstrato e deteve-se em seus lábios. Sara engoliu em seco, denunciando-se.

- EU TE MATO, MOLEQUE!

Foi a deixa para a garota sair correndo do quarto com um furioso Mestre em seu encalço. Atravessou toda a extensão do andar em que se encontravam e pulou sem pestanejar da varanda direto para o lado de fora; seguiu em disparada vendo rajadas de luz passarem a milímetros de seu corpo e explodirem mais a frente. Estava quase chegando à ponte quando a mesma se desintegrou num estrondo. Parou assustada e sentiu um golpe em suas costas, lançando-a em direção ao vazio.

- E TRATE DE VOLTAR SOZINHO, INÚTIL! - Foi a última coisa que ouviu antes de tudo escurecer.

Horas depois

Acordou com dores por todo o corpo e, milagrosamente, sem nenhum osso quebrado. Olhou ao redor e descobriu-se em uma aresta do paredão de rocha. Levantou-se sacudindo a poeira do corpo e observando os machucados; apenas alguns arranhões e um corte no braço que sangrava pouco. Nada de grave.

- Obrigada Athena, por me livrar dessa! - Agradeceu alto pelo salvamento. Levantou as vistas e percebeu que estava muito longe do topo.

- SHIOOOOOOON! - Gritou à procura do burrico. Um zurro foi ouvido distante. - Fique me esperando, eu já chego aí! “Só preciso descobrir como agora.”, pensou. Examinou mais detidamente o lugar onde estava e suspirou. As pedras eram completamente lisas tanto para cima como para baixo. Não havia arestas onde pudesse se apoiar e tivera muita sorte em cair na única aparentemente existente no local. Ao lado estendia-se um caminho comprido e estreito, onde um passo em falso ocasionaria a queda no precipício. “Muito providencial...”, pensou. E seguiu por ele.

Andou sem olhar para baixo, a trilha tornando-se cada vez menor, rezando pelos deuses para que ela terminasse numa saída. Já estava na ponta dos pés quando avistou uma brecha no rochedo e nem hesitou em atirar-se para dentro dela. Encontrava-se agora em uma caverna escura e úmida, a qual parecia nunca ter sido explorada. Caminhou tateando as pedras, tomando cuidado para não se ferir e procurando uma saída. Após muito andar avistou um pequeno ponto luminoso à frente e não hesitou em ir a seu encontro. Ao chegar mais perto, estancou estupefata.

- Um altar...

Havia pelo menos 5 velas sobre uma pedra lisa que servia como mesa, coberta por uma toalha branca de renda. Mais acima, pendurado na parede da caverna havia um grande quadro de uma bela mulher. Era morena, de longos cabelos negros e olhar doce; trajava um vestido azul simples, cuja saia ia até os pés; estava sentada sob uma árvore e mirava o vazio, como se esperasse algo. Na moldura estava escrito em letras douradas: “Perle”.

- Ela era minha prometida. Íamos nos casar quando estourou a Guerra Santa... - Sara gelou ao ouvir aquelas palavras atrás de si e não se moveu. Shion continuou, como se falasse mais para ele mesmo que para a aluna. - Ela me esperou, sempre esperou... Mas eu nunca vim, o Santuário era mais importante, os jovens cavaleiros eram mais importantes, tudo era mais importante que ela. E um dia eu voltei... E Perle tinha ido embora... E nunca mais poderia encontrá-la...

A brasileira arriscou um olhar para o rosto de seu mestre e descobriu-o banhado em lágrimas.

- E agora... Agora há você! - Grunhiu o homem, voltando-se para a moça, que se afastou um passo.

- E-eu?

- SIM! TU! Imaginei que poderia estar aqui, se ainda estivesse vivo. Parece que Zeus gosta um pouco de sua insignificante existência para ainda mantê-lo aqui na Terra. - Comentou com um sorriso sarcástico e sua expressão voltou a ficar séria.

- O... O que eu fiz?

- Você existe! Olhe, olhe bem para o rosto dela, moleque!

Sara observou atentamente a pintura e percebeu de pronto o quão parecida era com a mulher.

- Os mesmos cabelos, a mesma pele, esses olhos... Se fosse uma garota eu diria que minha Perle havia ressuscitado para me ver! - Exclamou Shion com os olhos marejados. - Mas não! É a você que esse corpo pertence, um moleque inútil, mentiroso, cuja única coisa que sabe fazer é desonrar seu destino como cavaleiro! ERA VOCÊ QUEM DEVERIA ESTAR MORTO! - Gritou irado.

Foi a deixa para a garota se afastar ainda mais. O rosto do Grande Mestre era uma máscara da loucura e sabia que nada poderia fazer para trazê-lo de volta à realidade naquele momento. Foi então que o ariano avançou sobre ela, desferindo-lhe uma série de socos que a atiraram longe. A menina bateu contra a parede de pedra se sentiu o sangue escapar por entre os lábios.

- Sabe que se você morrer aqui ninguém vai lamentar? - Comentou sardônico.

- Mas... Athena...

- Ora, ela acreditaria que não foste capaz de resistir aos treinos. Nem sempre os escolhidos cumprem todo o treinamento. - Disse dando de ombros.

Então era isso. Aquele homem pretendia fazer daquela caverna seu túmulo e não haveria quem o desmentisse sobre a versão de sua morte. Apenas sua mãe e seu irmão chorariam por ela, sem saber o destino que lhe fora reservado. Mas ver as lágrimas nos olhos dos dois em sua mente foi o suficiente para fazê-la se levantar e encarar o ser insano em que se transfigurara seu mestre.

- Pois eu não vou morrer... Não vou deixar ninguém esperando como você deixou!

A raiva explodiu em Shion, que saltou como um touro enfurecido sobre sua aluna. A brasileira tentava se defender e começou a perceber que conseguia. O treinamento de Dohko, por mais estranho que parecesse, a fazia capaz de segurar muitos dos golpes que lhe eram aplicados. Os que vinham pelos lados era só fazer o movimento de esfregar ou pintar as paredes lateralmente, dependendo da altura; os que vinham de baixo para cima ou e cima para baixo o movimento mais preciso era passar tinta verticalmente.

“Valeu, mestre Dohko!”, pensou Sara, agradecida e lutando com tudo. Não demorou e logo o homem cansara-se de tentar atingir sua oponente sem sucesso.

- É, não me deixa escolha, pirralho... - Falou, interrompendo a contenda e se concentrando. - Duvido que saiba se defender disso. EXTINÇÃO ESTELAR! - E lançou seu ataque contra a aluna.

“Eu já vi isso antes...”, pensou e lembrou no ato do incidente envolvendo Hebe e Mu. Tudo ocorreu numa fração de segundos e foi o tempo suficiente para que a morena saltasse em direção ao altar, desviando. O cosmo lançado porém não fez o mesmo e atingiu em cheio a parede da caverna, provocando um enorme estrondo e o surgimento de uma imensa cratera. Ao mesmo tempo sentiu pequenas pedrinhas baterem em sua cabeça. “O-oh...”.

E então aconteceu. Estalactites começaram a cair sem parar, grandes pedregulhos faziam mira sobre os invasores daquela gruta milenar. Nem com o desabamento contudo Shion se condoeu.

- Essa será sua cripta. E olhe só, vai ficar muito melhor coberto de pedras. - Ironizou.

- E o retrato dela também! - Devolveu a garota, procurando uma saída.

- PERLE! - Gritou correndo para junto da pintura. Assim que a tocou uma avalanche de rochas voou sobre sua pessoa, cobrindo-o completamente. A aprendiz só teve tempo de encontrar uma abertura pequena na parede, exatamente do seu tamanho agachada e foi nela que se refugiou antes que tudo viesse abaixo.