Sarah escrita por AnaCarol
Notas iniciais do capítulo
"Cause all of this is all that I can take / and you could never understand the demons that I face" (Just a Little Girl - Trading Yesterday)
-Com licença, professora... – Eu estico minha cabeça para dentro da sala. Todas as cabeças se viram até mim, e posso ouvir alguns murmúrios.
-Oh, Sarah... Você está bem atrasada hoje! – A adulta reage, baixando o dedo da lousa. -Estamos na terceira aula, querida. Desta vez eu você vai ter que esperar pelo recreio.
Eu assinto, enquanto ela pede para que eu feche a porta ao sair. Pela janelinha de vidro na porta, vejo que Robb me observa.
Ele move seus lábios numa pergunta: “O que houve?”.
Eu apenas balanço a cabeça em negação, o que o faz bufar e mexer a boca para formar: “Me conta...!”. Eu estou prestes a responder que nos falaremos no intervalo, mas a professora percebe a agitação de Robb dentro da classe, e começa a dar-lhe uma bronca. Quando termina com Robb, ela manda que eu saia logo de lá e pare de atrapalhar a aula.
Corro até o refeitório, onde espero por Robb na mesa de sempre. Estou sozinha no local, exceto pelas duas únicas tias da lanchonete e o zelador, então nem sequer me preocupo em silenciar meu estalar de dedos. Preparo minha mente para um tempo longo de espera, mas rapidamente escuto o sinal ressoar, e vejo a primeira silhueta andando no corredor.
Para minha surpresa, Robb é o dono da silhueta. Acho que é a primeira vez que o vejo sair da classe antes de todos.
-Oi... – Eu digo, procurando em sua face algum traço de raiva comigo. Infelizmente, eu encontro vários.
Ele toma seu assento usual e me encara, sem nenhuma palavra. Eu arqueio as sobrancelhas em resposta, mas não consigo permanecer no jogo por muito tempo.
-Tá legal, o que você quer saber?
-O que aconteceu desta vez? – Ele pergunta; o que me faz desesperadamente procurar por meu estoque de desculpas. Ai, se Wereo me deixasse dizer a verdade! – Quer dizer, chegar atrasada às vezes não tem problema... Mas você quer ser suspensa?
-Claro que não. – Eu respondo, resmungando algo tipo “não como se eles ensinassem algo que preste aqui”.
-Então o que foi? – Ele rebate, irritado.
Agora, existem duas versões da história: a verdade, que diz que eu fiquei um tempão a mais no ringue ajudando Wereo a expulsar um bêbado maluco que cismou que ali era sua casa, e então eu só fui dormir de madrugada. E existe a versão que contei para Robb, na qual eu chacoalho os ombros e digo:
-Fui dormir tarde.
Isso claramente o irrita, porque o garoto bate na mesa e respira pesadamente, como se estivesse se segurando para não gritar. Eu arregalo os olhos, assustada por sua raiva.
-Sarah. – Ele diz, levantando o olhar e me encarando intensamente. – É sério.
Eu solto um longo suspiro.
-Eu sei...
-Você anda usando drogas? – Sua voz se transforma num sussurro preocupado, e ele se inclina mais para perto de mim. Sua questão forma em meus lábios um sorriso debochado.
-Eu mal tenho dinheiro pra comprar comida, Robb. Não seja idiota.
Mas isso não o faz calar a boca.
-Não estou sendo idiota! – Ele protesta. – Já olhou pra sua mãe?
O refeitório inteiro parece ficar em silêncio assim que ele acaba sua frase. Meu queixo se torna pesado demais, e eu abro a boca, inconformada. Ele percebe imediatamente que aquela foi a pior coisa que ele poderia ter dito.
-O que você acha?! – Eu rosno.
-Eu... Eu não quis dizer isso, é que... – Ele começa a se desculpar, mas eu não me preocupo em ouvir mais do que isso. Levanto-me brutamente do banco e bato na mesa.
-Claro que você quis dizer isso! – Eu esbravejo. – Ou você acha que eu não vejo como ela se comporta nas reuniões de pais, em casa, ou em qualquer outro lugar? Que eu não vou dormir todos os dias, aliviada e ao mesmo tempo angustiada por não ter sido transferida para um abrigo para órfãos?!
Desta vez não é impressão: metade dos alunos da escola se silencia para escutar meu desabafo.
-Quem você acha que limpa os vômitos e expulsa os bêbados aproveitadores de casa?
-Sarah...! – Robb chama, esticando seu braço para pegar minha mão. Eu recuo, lançando a ele um olhar desapontado e bravo.
-Eu não preciso de gente como você me criticando! – Eu grito, agarrando brutamente o saco de papel marrom, amassado com uma só mão e atirando direto em sua face. Estou sendo movida puramente por raiva agora, e isso parece o contagiar, pois o garoto também se levanta com um estrondo e berra de volta.
-Gente como eu?!
-É! - Eu bato na mesa mais uma vez. – Gente que pensa que pode dizer e fazer qualquer coisa que quiser só porque tem dinheiro! Certo, então, você tem uma vida mais confortável que a minha, mas isso não te faz nada melhor do que eu! Só mais sortudo!
-Eu nunca disse isso, credo, Sarah, qual é o seu problema?!
-Você é o meu problema! - Eu respondo, só então percebendo que, apesar do exagero, a frase contém um pouco de verdade... - Estou cansada de te dever tanta coisa! E de não saber como te classificar: meu amigo, um cara que tem pena de mim, alguém que não tem mais nada pra fazer...?!
-Oh, me desculpe por querer te ajudar!
-Eu nunca pedi sua ajuda! Nunca pedi pra você se sentar comigo, nunca pedi pra você assassinar sua vida social e vir falar comigo! E mesmo que eu pedisse, qual seria a diferença, Huns?!
-Você poderia estar morta! – Ele grita.
-Você acha mesmo que eu não sobreviveria sem você? Há. Quanta humildade!
-Ninguém deveria viver sem um amigo. – Robb abaixa um pouco a voz.
-Cale a boca! – Eu rosno. Então, uma dor já conhecida por mim volta a me atingir. – Eu tinha um amigo!
-Então eu suponho que você não sobreviveria sem ele, né? – Sinto que sua voz diminui de intensidade, mudando para um tom desapontado.
Eu cerro os dentes, procurando por uma resposta que não virá. A primeira resposta que me vem à mente é que Sim, eu preciso de Alex; porém eu continuo aqui, mesmo depois da morte dele. Arrastando-me pelas ruas e corredores, em busca de algo que possa me distrair dos fatos infelizes, mas viva. Então apenas permaneço calada, esperando que ele continue a discussão.
Mas ele apenas levanta os olhos, a fim de encontrar os meus, e o faz facilmente. A tensão no ambiente só aumenta, a cada segundo que passamos em silêncio. E, mesmo sem estar contando, eu sei que eles são muitos... Isso, até que Robb se manifesta, começando por um engolir em seco.
-Então você devia voltar pra ele... – Ele diz, já virando suas costas para mim. – E ir para o inferno!
A essa altura, Robb já está pisando forte em direção à saída. E a única coisa a fazer é permanecer de pé ali mesmo, ouvindo seus passos ecoarem em minha cabeça, e torcendo para que ele não saia de minha vida do jeito como saiu pela porta.
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