Fundamento da Rosa escrita por DarkWasabi


Capítulo 7
Capítulo 7 – A Casa dos Doces




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Junho, 1930

O breu desvanecia e Jennifer acordara de um sono profundo. Ela estava deitada em um chão de terra úmida e macia, já não estava mais no dirigível. Do pouco que conseguia enxergar naquela noite, era a silhueta obscura do homem alto que havia entregado o livro feito à mão a Jennifer. Mas ele logo se afastara dali, deixando-a só. Por algum motivo, algo a dizia que aquele rosto lhe era familiar, aos poucos começava a se lembrar. Então, levantando-se lentamente, averiguou o local que estava.

Quando a menina desafortunada acordou, ela estava em um jardim de rosas.

...O lugar era estranho, porém familiar.

Olhando em volta, a menina notou que seu fiel companheiro havia sumido.

A solitária menina desafortunada ficou muito triste...

Cercada por uma cerca viva repleta com número imensurável de rosas rubras, Jennifer caminhou em direção aos sons que ouvia de passos sobre o chão de terra ressecada e cascalho daquela vereda. Era a única forma em que conseguia guiar-se devido à escuridão da noite, e mesmo não se importando muito com o seu destino, esta já se contentaria em apenas reencontrar-se com Brown. Um vento gélido tocava-lhe o rosto fazendo com que ela sentisse uma imensa vontade se distanciasse do jardim. E deixando aquela noite mais sombria, Jennifer ouviu passos de galocha sobre a grama perto de onde estava. Os ruídos se afastavam com o tempo e a jovem acabou por seguindo-os. No recôndito daquela floresta, os berros das cigarras e pássaros ecoavam junto dos passos do homem fazendo com que a travessia de Jennifer parecesse interminável.

Por entre os galhos ressecados das árvores mortas, a jovem pode observar um feixe de luz opaco e amarelado atravessando-os. Aproximando-se, ela notou que a luz era oriunda de uma casa grande feita de uma madeira que aparentava estar úmida e cujos portões estavam abertos. Passando por este, ela virou-se para a direita, indo para o jardim lateral da casa. No jardim, que estava em um estado decrépito e imundo, havia uma pilha de terra que era, outrora, um buraco. Em cima disso, uma pá enferrujada e pesada. Jennifer logo pegou-a pensando que poderia ser-lhe útil mais tarde.

Tomada por uma vontade impávida de adentrar aquela casa, Jennifer o fez sem hesitar. Lá dentro, os papeis de parede rasgados e empoeirados. Ao se aproximar da porta que estava à frente da entrada da casa, ela foi tomada por uma memória repentina de outrora em que um homem ébrio que estava curvado com suas mãos agarrando seus cabelos com força. Este sentava-se em um sofá deteriorado diante de uma mesa com garrafas vazias de bebidas. Assustando-se com o que se lembrara, Jennifer virou-se à direita e foi andando pelo corredor, passando por diversas portas, sendo que uma delas estava obstruída por várias tábuas de madeira pregadas a esta. No entanto, a porta do lado, que ficava em frente a um guarda-roupa cujo conteúdo era um casaco lamoso e uma boina empoeirada, tinha uma placa escrita com giz de cera anil “Barracas do Soldadinho”. Ao entrar, Jennifer notou que era um quarto escuro e vazio, havia apenas algumas caixas vazias e uma janela aberta cujas cortinas esverdeadas estavam completamente rasgadas. Jennifer saltou para fora dela, caindo na varanda. Olhando para os lados, conseguiu ver outra janela que dava ao quarto com a porta selada.

O recinto que Jennifer acabara de entrar estava tão escuro quanto o de outrora, com um papel de parede azulado com nuvens estampadas que também era rasgado e embolorado. Ela conseguia ver diversos brinquedos puídos largados pelo chão de madeira daquele quarto que parecia pertencer a uma criança. Um boneco sombrio de um soldado que mirava a parte inferior de uma mesa perto de Jennifer. E debaixo dessa mesa havia um pedaço de jornal antigo.

21 de junho de 1929

Outro Desaparecimento Inexplicável.

Houve outro desaparecimento misterioso de uma criança recentemente. Seguintes crianças desaparecidas relatadas entre os dias 7 e 14, a polícia está agora investigando este caso como tanto como possível sequestro quanto uma pessoa desaparecida. Os moradores locais são aconselhados a não permitirem que as crianças saiam sem vigilância e tomarem cuidados perto de todos os indivíduos suspeitos.

Sentindo-se assustada com aquela situação, Jennifer decidiu voltar pela janela, porém no caminho topou com uma miniatura de um dirigível, que começou a se mover no chão.

O grande dirigível graciosamente elevou-se aos céus, carregando sonhos de uma nova era.

Entretanto, sua glória foi de curta-existência e abruptamente terminada por um trágico acidente.

...Ela não tinha certeza, mas a garota desafortunada não conseguia tirar os seus olhos do dirigível tombado.

Abismada com o ocorrido, Jennifer retorna ao corredor, ouvindo um sussurro medonho e grave vindo de trás de uma porta trancada. Olhando pelo buraco da fechadura, ela pode notar que era o mesmo homem bruto que estava sentado na outra sala, embora este estivesse agora deitado para cima em um sofá e com os seus braços cruzados enquanto balbuciava palavras incompreensíveis. Parando para ouvi-lo, Jennifer reparou que ele estava recitando um poema que parecia ser-lhe bem familiar e macabro

Cão Errante anda pelas ruas a cada dia,

Coletando ervilhas enquanto ele caminha para lá e para cá:

Grandes, pequenas ervilhas, cada qual tipo de ervilha.

Na segunda-feira, ele encontra uma ervilha.

Venha terça-feira, ele ensaca a ervilha.

Venha quarta-feira, ele mostra a ervilha para o seu filho.

Venha quinta-feira, a ervilha chuta e grita.

Venha sexta-feira, ele tritura a ervilha.

Venha sábado, ele enterra a ervilha fora: a ervilha está no chão.

E no domingo, ela não pode ser encontrada.

Boa noite, o jovem de ervilha.

Boa noite, o jovem de ervilha.

Enquanto Jennifer ouvia o homem repetir os versos do poema, ela abria uma porta que dava às escadarias de um porão. Lá embaixo, a voz parece ficar mais alta e clara. Diante de uma porta de madeira deteriorada que se abria lentamente, estava o homem sentado em uma pequena cama dentro daquele pequeno recinto. Ao notar a presença de Jennifer, ele suspirou e disse:

– Ah, bem-vindo à sua casa. Está quase na hora de você dormir. Boa noite, Joshua... – antes de sair trancafiando a jovem dentro do quarto apertado.

A alcova, cujas paredes eram feitas de tijolos brancos, estava quase totalmente escura, iluminada apenas com uma pequena luminária da cômoda que ficava ao lado da cama e um basculante que traziam as luzes de fora da casa. Havia também um guarda-roupa fechado, e em cima dele um urso de pelúcia empoeirado e com um dos olhos faltando cujo sorriso de escárnio parecia estar voltado a Jennifer, o qual ela acabara levando consigo. Além disso, uma pilha de cartas se encontrava debaixo dos cobertores da cama. A jovem rapidamente acutilou-lhes os envelopes e começou a lê-las.

10 de novembro

Para o Sr. Joshua, o urso em perigo.

Meu nome é Wendy. Eu sempre te vejo do céu.

Sr Joshua, por que você está preso aí embaixo?

27 de novembro De W ao J

Meu Príncipe com ânsia de resgate

Foi um prazer lhe conhecer, meu querido Príncipe. Que encontro esplendoroso! Sim... Eu apenas gostaria que houvesse um mundo para você e eu: o Príncipe e a Princesa...

Não se preocupe. Eu vou te libertar

9 de Janeiro De W ao J

...Oh meu pobre, amável, Príncipe.

Você está preocupado porque aquele homem as vezes parece louco, certo? Bem, não se preocupe. Eu sei onde ele esconde aquela coisa horrenda. Então, vamos fugir juntos. Você pode confiar em mim. Tudo dará certo.

20 de Janeiro De W ao J

Meu Príncipe,
Por favor, não se preocupe. Eu farei qualquer coisa por ti. Apenas... Prometa seu amor por mim. É tudo o que eu demando.

27 de Janeiro De W ao J

Obrigada, meu eterno Príncipe.

Amanhã à noite, eu libertar-te-ei enfim. Que nós vivamos juntos para sempre.

eterno

amor verdadeiro.

eu sou sua

Depois de ler todas aquelas cartas, uma lágrima escorria sobre o rosto de Jennifer. Parecia-lhe que todos os ocorridos e coincidências de outrora fizessem sentido agora. Com isso, ela estava decidida de que deveria sair dali o quanto antes. A jovem correu para tentar abrir o armário para tentar achar algo útil, visto que a única porta havia sido trancada. As duas portas do guarda-roupa pareciam estar emperradas devido às péssimas condições em que se encontravam. Usando a força bruta para abri-lo, Jennifer acabou empurrando o armário com tanto ímpeto que acabou fazendo com que o urso caísse no chão, diante dela. Assim, ela o levou consigo.

Então, a menina desafortunada, e presa, ouviu uma voz delicada. Uma voz que parecia muito familiar. Alguém estava observando Jennifer através do basculante. Para sua surpresa, era Wendy com um sorriso terno.

– Eu vim como havia prometido. Parece que ele foi a algum lugar. Fique aqui, eu vou te ajudar. – suplicou antes de correr para ajudar a jovem

Enquanto Jennifer esperava pela chegada de Wendy, ela se apoiou na cama, sentindo algo debaixo dos lençóis. Uma camisa branca amarrotada, uma calça azul escura, um par de sapatos sujos de um garoto haviam sido asseadamente colocados sobre a cama. E por algum motivo, Jennifer sentiu uma breve dor no seu peito. Ao virar-se em direção ao armário, ela notou um recorte de jornal antigo pregado à parede de tijolos.

23 de junho de 1929

Dirigível de Luxo Desaparecido!

O maior dirigível de luxo da Inglaterra, o qual acabava de zarpar em seu primeiro voo- um voo celebrado pelo país com grande fanfarra- foi relatado hoje por ter saído de sua rota e está atualmente desaparecido. É especulado que a embarcação divergiu de seu trajeto para evitar um sistema de baixa pressão aproximando-se do sul, porém seu paradeiro ainda é desconhecido. Devido à forte tempestade que cobria a área desde ontem, houve muitas dificuldades na procura do dirigível.

Espantada com a notícia, Jennifer acabou deixando a pá caindo no chão, ecoando por todo o quarto. Assim como o som da porta atrás da jovem sendo destrancada.

– Jennifer, eu destranquei a porta. Vou ficar de vigia, então venha logo. – suplicou a voz que parecia ser de Wendy

Correndo às pressas, Jennifer subiu as escadarias que levavam ao patamar superior e ao abrir a porta se deparou com a menina com o cabelo curto e loiro, vestindo branco com o aspecto limpo no fim do corredor, esta tão nervosa quanto a outra. Então, ela sussurrou cautelosamente para a jovem com o intuito de não chamar a atenção do homem que já estava à beira da insanidade.

– Vamos fugir antes que aquele homem retorne. – disse Wendy arqueando as sobrancelhas e tremendo de medo – Antes de nós irmos, nós deveríamos achar aquela coisa perigosa e levá-la conosco. É para o nosso próprio bem.

Wendy foi guiando Jennifer pelos corredores escuros daquela casa sorrateiramente como se já conhecesse o local. As duas garotas chegaram, então, à sala de estudos cujo interruptor não funcionava. E em uma grande escrivaninha repleta de papéis amassados, cigarros, tinta, encontrava uma pequena fotografia extremamente desbotada e um pouco queimada que podia-se vagamente notar um homem forte segurando um menino no colo cujo laço se parecia com o encontrado na cama do quarto do porão. E atrás da foto, os nomes “Gregory” e “Joshua”. E soterrado debaixo dos livros e papéis, encontrava-se o item terrível que Wendy se referia, um revolver metálico realmente pesado e que parecia estar carregado.

–Estou bem agora. Vamos agora, que tal? - balbuciou Wendy enquanto guardava a arma cuidadosamente dentro de sua bolsa, indo na frente.

Antes de sair, Jennifer tropeçou em um livro com aspecto sujo e cheirando a rum, que estava no chão em frente a porta. Na sua capa lia-se “O Diário de Gregory”.

Domingo, 1º de Junho. Céu límpido.

Hoje eu capinei o campo. O trabalho foi bom.

Segunda, 2 de Junho. Céu límpido.

Hoje eu capinei o campo. O trabalho foi bom.

Terça, 3 de Junho. Nublado.

Capinando de novo. Estou pensando em levar o meu filho comigo para os campos

Quarta, 4 de Junho. Céu límpido.

Hoje eu capinei o campo. O trabalho foi bom.

Quinta, 5 de Junho. Chuva na tarde

Capinei o campo de novo.

Joshua não está se sentindo bem, então trabalhei no campo sozinho, como sempre.

Sexta, 6 de Junho. Céu límpido.

Hoje eu capinei o campo. O trabalho foi bom.

Sábado, 7 de Junho. Chuvoso.

Capinando de novo. Amanhã de manhã eu vou na cidade vender ervilhas, então hoje a noite eu devo fazer preparações, é um dia ocupado, afinal.

Domingo, 8 de Junho. Céu límpido.

Eu fui ao mercado e vendi as ervilhas e cenouras. Eu gostaria de ter poder alimentar algo nutritivo ao Joshua, mas as vendas não foram boas, então não pude comprar muito.

Segunda, 9 de Junho. Céu límpido.

Joshua andou se comportando mal. Ele comeu os doces do armário sem permissão.

Terça, 10 de Junho. Nublado.

Capinando os campos novamente. Estava frio hoje. Eu terei que dar um cobertor ao Joshua para que ele não pegue um resfriado.

Quarta, 11 de Junho. Nublado.

Joshua está doente. Ele tem uma leve febre, então eu o alimentei com uma sopa quente de ervilha.

Quinta, 12 de Junho. Chuvoso.

Eu passei o dia desenhando um livro para Joshua. Eu tenho certeza de que ele vai gostar desse.

Sexta, 13 de Junho. Nublado.

Hoje eu limpei o celeiro. Joshua me disse que gostou da minha última historia. Nada me agrada mais do que ver o meu filho feliz.

Sábado, 14 de Junho. Nublado.

Limpei o celeiro de novo. Eu andei negligenciando os campos, então eles estão uma sujeira. Eu tenho que tirar todos os insetos e ratos de lá.

Domingo, 15 de Junho. Céu límpido.

Mais capinação. Eu queria ter levado o Joshua comigo no campo, mas suas tosses pioraram, então ele teve que ficar de cama.

Segunda, 16 de Junho. Nublado.

Eu pensei em uma boa ideia para uma história. Vou tirar o dia de folga para me concentrar em refina-la


Terça, 17 de Junho. Céu límpido.

Eu capinei hoje. Joshua me disse que ele gostou da minha última história. Não há nada que eu amo mais do que ver um sorriso em seu rosto.

...

Estranhando o conteúdo do diário de Gregory, ela prosseguiu seguindo Wendy, deixando-o ali mesmo. As duas foram andando não só rapidamente, mas também com cuidado para não fazer nenhum ruído, já que o assoalho era realmente antigo e rangia muito. Como Jennifer ficara para trás por causa do diário, ao abrir a porta da frente, viu apenas a silhueta de Wendy sendo engolida pelas sombras enquanto corria pelos campos.

– Joshua...? Joshua... – soava uma voz grave que parecia vir do jardim lateral

A jovem, já tremula de medo, começou a ouvir passos nas folhas secas vindo em sua direção. Com isso começou a correr indo pelo mesmo caminho que Wendy havia ido. Ao olhar para trás, viu Gregory irado urrando e com sua foice de capinar, começou a correr atrás de Jennifer. O homem gritava por Joshua, assim como a jovem se escondia dentro de um arbusto e esperou até que Greg desistisse de ir buscá-la, regressando à sua casa praguejando.

Após a perseguição, Jennifer finalmente reencontrou-se com Wendy no jardim secreto o qual a jovem acordara outrora, repleto de rosas avermelhadas. Assim que a menina notou a presença da outra, esboçou um sorriso em seu rosto.

– Estou tão feliz... – disse Wendy emocionada – Agora, nós poderemos ficar juntas para sempre! Sabe, eu tenho um favor a te pedir. Você poderia trocar o seu urso pelo meu broche?

Ao fazer como a menina queria, a jovem recebeu um lustroso broche avermelhado em troca do urso empoeirado.

– Estou tão feliz! – continuou Wendy – Nós deveríamos dar-lhe um nome. O que você acha de... “Joshua”? Joshua... Sim, esse nome é lindo. Vou mimá-lo tanto quanto eu te mimo... Então, vamos renovar o nosso pacto.

Essas foram as últimas palavras de Wendy antes que ela estendesse seu braço livre do urso para segurar a mão de Jennifer e a visão da jovem começasse a ficar turva e perdesse a consciência.

Eterno

Amor verdadeiro,

Eu sou sua,

...

Ao acordar, Jennifer estava novamente em frente ao altar com as velas todas apagadas. Caída no carpete, a jovem sentia alguém segurando a sua mão. Ao abrir seus olhos, vagarosamente, o menino do ônibus e cujas roupas se pareciam com a da casa de Gregory soltou-lhe as mãos repentinamente como se por impulso e saiu em disparada para a porta para fora do quarto berrando:

– Você deveria voltar a falar com a Amanda, com quem você pertence!

No caminho para a porta para fora da sala, Jennifer começava a pensar sobre como muito já lhe fazia sentido depois de tudo o que ela passara na casa de Gregory, o homem que havia entregado-lhe um livro feito a mão há algum tempo. Porém sentia que ainda faltava uma parte muito importante para que ela pudesse, enfim lembrar-se de tudo e que esse pesadelo pudesse terminar.


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