O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado
Notas iniciais do capítulo
Capítulo narrado na primeira pessoa.
Encostada ao parapeito, contemplava a noite de um mundo que iria abandonar em breve através da janela fechada do quarto e mergulhava num mar de silêncio que me isolava do exterior.
Tinha tomado um duche e trocado de roupa, porque me parecia que o cheiro dos dois saiya-jin tinha ficado entranhado no tecido e que qualquer nariz com um olfato mais apurado o haveria de sentir e saber o que andara eu a fazer naquela tarde, apesar de não ter acontecido nada de concreto, apenas um beijo meio inocente e um assédio meio consumado.
A porta do quarto abriu-se. Não me voltei. Sabia que era ele. Não o via desde a manhã e ali chegava o nariz com um olfato mais apurado. Ainda bem que tinha tomado aquele duche e vestido outra roupa, pensei.
A voz dele vibrou atrás de mim, perigosa como um veneno doce:
- Não foste jantar.
Chegava a altura de abandonar o silêncio. Respirei fundo e respondi, ainda voltada para a janela:
- Não estava com fome.
- Trouxe-te alguma coisa para comeres.
Olhei-o por cima do ombro. Carregava sobre a mão um tabuleiro com algumas caixas com comida, um pacote de sumo e uma garrafa de água, numa posição profissional de empregado de mesa. O quarto estava quase às escuras, alumiado apenas por um pequeno candeeiro de uma mesa de apoio que se encostava à parede e foi aí que ele deixou o tabuleiro.
- Devias mesmo comer qualquer coisa, sabes?
Não acendeu outra luz, éramos duas sombras que se interpelavam uma à outra, e agradeci-lhe por isso. Não me apetecia escapar da escuridão, mesmo com o fim do silêncio.
- Continuo sem fome - respondi.
Ele cruzou os braços, eu regressei à contemplação do mundo através da janela.
Eu disse:
- Estás aborrecido comigo.
- Tenho razão para estar. Não achas que devíamos ter tomado essa decisão juntos?
Concordei, meneando a cabeça devagar:
- Talvez… Mas talvez não quisesse que interferisses, pois iria hesitar e depois…
- E depois? Ainda falta tanto tempo para se fechar um ano completo.
- Acho que seria mais…
- Doloroso? Não estás sozinha nisto, Ana.
- Nem me deixes explicar as minhas razões.
- Não as compreendo.
- Não as queres compreender.
- Ah, para… Não quero discutir contigo esta noite.
Uma ordem irrefutável, a autoridade do pai e a veemência da mãe. Calei-me. Realmente, eu também não queria discutir com ele.
Escutei-lhe os passos sobre o soalho. As minhas unhas cravaram-se no parapeito, enquanto a minha respiração se alterava e a minha pele começava a reagir centímetro a centímetro, antecipando o que se preparava.
- Quero que tu comas alguma coisa, Ana… A sério. Não te quero com fome, não precisas massacrar o teu corpo, quando também massacras o teu espírito.
Crispei ligeiramente a testa, estranhando aquela afirmação. Mas acontecia ser verdade que eu não tinha fome, tinha outras apoquentações que me roubaram o apetite. Não era uma questão de massacre intencional.
Abraçou-me por trás, passando os braços pela minha cintura, apertando-me contra ele. Encaixou o corpo dele no meu e começou a beijar-me o pescoço e a nuca. Perguntou-me num murmúrio ofegante:
- O que é que estás a fazer aí?
Respondi, sentindo-me encher com aquele desejo louco que sentia por ele:
- Estou a ver as estrelas.
- Daqui? A cidade tem demasiada luz, não se consegue ver as estrelas…
- Mas eu sei… que estão lá… todas – expliquei com a voz entrecortada.
- O que é que estás a dizer a essas estrelas invisíveis?
- Adeus.
Agarrou-me no cabelo, puxou-o, obrigando-me a dobrar o pescoço, olhar para cima e para ele. Mordeu-me a orelha.
- Esquece as estrelas.
Virou-me com brusquidão, rodopiei como um pião sobre a ponta dos pés. Aprisionou-me contra o parapeito, entre os braços que apoiou na janela. Vi-me sentada, encostada ao vidro, com ele no meio das minhas pernas. Continuou a beijar-me o pescoço. Enterrei as minhas mãos na cabeleira dele, repuxando-lhe as madeixas lilases, ofegando com ele.
- Ah… Tu consegues tudo o que queres… – disse eu oferecendo-lhe o pescoço para que ele o trincasse, como se me estivesse a oferecer a um sacrifício ritual. – Já me tinha esquecido…
- Sempre, Ana. Sempre!
Arrancou-me da janela, depositou-me em cima da cómoda próxima derrubando os frascos e os adereços que estavam no tampo, enchendo o soalho de cacos e de vidro. O ruído da catástrofe excitou-me. Gemi, enrolando as pernas na cintura dele, puxando-o mais para mim.
Devia ser o tal cheiro. Enlouquecia-o, enlouquecia-me a mim também.
Despiu-me a blusa, beijando-me cada vez mais aflito, afirmando que me desejava perdidamente.
- Trunks… Oh, não pares. Dá-me as estrelas, Trunks. Dá-me as estrelas do teu mundo.
- Dou-te tudo o que tenho, tudo o que sou…
- Não pares!
Amou-me primeiro na cómoda. Depois, no chão e, por fim, na cama. Imparável e esfomeado, desesperado, mas também triste, tentando reter o momento, entesourá-lo e cristalizá-lo, com a mesma angústia que eu sentia, que o segurava com medo que ele se desfizesse em moléculas de ar, ele apertando-me com receio que eu me esfumasse em nada.
Éramos dois seres de mundos distantes que se tinham entregado a uma paixão proibida que ameaçara o Universo com o caos e a ulterior destruição. Dois seres que procuravam ansiosamente completar-se, porque se sabiam dissonantes, fabricados por criadores diferentes, que não se deviam nunca ter tocado. Um sonho louco, afinal o meu sonho louco.
Mas, tal como qualquer sonho, não passávamos de uma doce ilusão, uma deliciosa fantasia intangível.
Suávamos os dois, cansados, repletos, após termos atingido o clímax e termo-nos derretido um para o outro. Trunks olhou para mim.
Aquele olhar azul durou uma eternidade.
E, depois, obrigou-me a comer porque queria continuar.
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Próximo capítulo:
Entrega.