O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado


Capítulo 7
I.7 Resgate.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/324955/chapter/7

Se dissesse que não tinha ficado ligeiramente desiludido, mentia. Zephir nunca julgara que a pessoa que viesse da Dimensão Real fosse uma vulgar rapariga. Contemplou-a com a minúcia de quem observa uma obra de arte, decorando-lhe os pormenores, a habituar-se à ideia de que, apesar de ser uma vulgar rapariga, seria ela quem lhe daria a glória e o triunfo eternos.

A rapariga estava inconsciente, suspensa no ar, envolvida numa teia prateada que descia do teto até ao chão, construída pela sua magia, numa das muitas câmaras sombrias dos subterrâneos do templo. A cabeça pendia entre os ombros, tinha os braços levantados, as pernas ligeiramente afastadas.

Zephir ergueu um braço. A mão esquelética percorreu o espaço diante dela, acariciando o ar. Analisava-a, enquanto se debatia com um dilema. Iria despertar a prisioneira ou não? Talvez não… A rapariga estava ligada a Son Goku e aos seus amigos, interagira com um deles, ser-lhes-ia leal, haveria de combatê-lo, de lhe frustrar os desejos. Semicerrou os olhos.

- Hum!… Devo ter cuidado com esta rapariguinha. Não posso permitir que se volte contra mim. Tenho de pensar num feitiço para que me obedeça cegamente… Preciso do Makai. Quero ver-te, minha linda, com um M nessa bonita testa e assim já não haverá dúvidas a quem deves lealdade.

A dúvida de conseguir enfeitiçar um ser da Dimensão Real fê-lo baixar o braço com um estremeção. Não tinha a certeza se a sua magia atuaria nela, por isso, o mais ajuizado seria não correr riscos e mantê-la a dormir, enrolada na teia prateada, até chegar o momento de utilizar o Medalhão de Mu.

Não conseguia desviar o olhar da rapariga, contudo. Intrigava-o o que significava interagir e sabia que ela tinha a resposta. Aproximou-se, fazendo-se acompanhar dos espíritos da magia. E então, descobriu.

O seu rosto pálido ganhou alguma cor, quando sorriu, deslumbrado por ter deslindado o mistério. E a solução era tão simples! Zephir presenciava naquela rapariga a união entre duas dimensões, entre dois mundos. Do grande se faz pequeno… Do pequeno se faz grande… A junção de duas células, minúsculas partículas do Universo. A comunhão de dois lugares distintos, unidos pelo acaso do destino, num ser que começava timidamente a existir e que haveria de vingar e de crescer.

Isso era interagir. Dentro dela, palpitava uma nova vida.

- Sensei?

A voz de Julep acordou-o para a realidade. Encarou o demónio, com altivez, sepultando as emoções na tumba fria que era o seu coração, exibindo a pose imaculada do Sumo-sacerdote do templo. Kumis juntou-se ao irmão. Os dois fizeram uma vénia.

- Chamaste-nos, sensei?

- Hai.

Os kucris saltitavam pelos subterrâneos, nos seus roncos surdos, a preencher cada canto do Templo da Lua com a sua medonha presença. Entravam e logo saíam daquela câmara. O feiticeiro não se incomodava por tê-los perto. O mesmo não se podia dizer de Julep, que rosnou quando um dos kucris lhe roçou as pernas.

- Onde está Keilo?

- Foi treinar-se – respondeu Julep.

O demónio reparou na teia e, inevitavelmente, na rapariga.

- Sentes curiosidade em relação a ela?

- Sinto. – Sorriu com maldade. – Gostaria de saber se sangra como nós.

- Claro que sangra. Mas não a poderás fazer sangrar, a não ser que eu to ordene.

- Terá medo de mim?

- Muito provavelmente.

- Se ela está aqui, significa que Son Goku voltou.

A câmara encheu-se. A luz das tochas penduradas na parede tremeu.

- Hai, voltei.

Se ficou surpreendido, o feiticeiro não o demonstrou. Encarou Goku com naturalidade, com um laivo de superioridade e de uma incomensurável indiferença. Julep girou sobre os calcanhares e encontrou-os. Goku, acompanhado de Vegeta, de Trunks e de Piccolo. Kumis não quis voltar-se. Cruzou os braços, baixou a cabeça e sorriu, aguçando os sentidos para sentir-lhes os movimentos.

- O que é que fazes aqui? – Perguntou Julep.

- Venho acabar o que comecei. – Goku olhou para o feiticeiro. – Disse-te que voltava, Zephir. Disse-te que a vitória seria sempre minha e nunca tua. Venho cumprir o que disse.

Trunks descobriu o que se escondia no meio das sombras, num emaranhado prateado.

- Ana!

Vegeta agarrou-lhe num braço.

- Não te precipites – avisou-o.

Zephir respondeu:

- A tua confiança diverte-me, Son Goku.

Goku sorriu:

- Conhecemos o que pretendes. E estou aqui para impedir-te que prossigas com os teus planos. Viemos buscar a rapariga da Dimensão Real.

- E julgas que vou abrir mão dela, assim tão facilmente? – E soltou uma gargalhada

Piccolo virava-se para a entrada da câmara, a vigiar a retaguarda. Os kucris juntavam-se aos magotes nos corredores, guinchando. Preparavam um ataque.

Zephir indicou a teia prateada, a manga do hábito cinzento ondulou fantasmagoricamente.

- Se dizes que conheces os meus planos, então saberás o que pretendo fazer com ela… Mas ela é minha, Son Goku. Minha! E ninguém ma vai tirar.

- Isso é o que vamos ver! – Berrou Trunks e avançou um passo.

Vegeta barrou-lhe o caminho.

- Fica quieto!

Zephir reparou em Trunks. Lembrou-se do que tinha descoberto sobre interagir, percebeu que tinha sido o rapaz saiya-jin que o fizera. Mais um ponto fraco revelado.

- Os kucris estão a aproximar-se – anunciou Piccolo, a observar os bichos negros que entupiam a saída e as galerias.

Zephir completou:

- Para levares a rapariga, terás de passar pelos meus guerreiros, Son Goku. E depois, por mim.

- Os teus guerreiros não me assustam.

A voz de Goku vibrou na câmara.

Caiu o silêncio, assentando devagar como um cobertor pesado, preenchendo todos os cantos, espaços e buracos. Chegava a ser sufocante, juntamente com o calor que se sentia nos subterrâneos. O feiticeiro escondeu as mãos nas mangas largas e fixou os olhos terríveis e profundos no seu maior inimigo. Goku arrepiou-se ao escutar um uivo que vinha das profundezas das rochas que forravam as paredes daquele lugar.

Os demónios estavam parados, aguardavam a ordem. Julep voltava-se para eles, Kumis de costas, a inflar-se de energia.

Vegeta fartou-se.

- Kuso! Do que é que estamos à espera?

E investiu contra Julep como se fosse um aríete, esmagando-o contra uma parede. O demónio grunhiu, não esperava o ataque. Goku disse para Trunks:

- Vai buscar a rapariga. Rápido!

- Hai!

Piccolo arremessava a sua pesada capa contra três kucris mais audazes que se tinham lançado contra ele. Vegeta pontapeou Julep, desfazendo a parede, abrindo um rombo por onde desapareceram. Goku ergueu um braço, dirigia um disparo para Zephir, mas a mão de Kumis, que subitamente entrava na contenda, susteve-o.

- Tu vais ver-te comigo!

Goku sorriu.

- Muito bem, se assim o queres.

Defendeu os primeiros golpes do demónio. Um punho de Kumis entrou pela parede adentro, fazendo saltar rocha e poeira. Goku esgueirou-se pelo rombo por onde tinham saído Vegeta e Julep e o demónio seguiu-o.

Piccolo desfez os três kucris com um raio certeiro.

Instintivamente, Trunks transformou-se em super saiya-jin. A câmara tremeu com o seu poder. Ficou frente ao feiticeiro que continuava imóvel, imperturbável, assistindo aos confrontos como se não estivesse a ver nada, como se dormisse de olhos abertos.

Uma explosão abanou os subterrâneos. Piccolo envolvia-se numa luta renhida com os kucris, evitando que os bichos entrassem na câmara, protegendo a eventual via de fuga.

Trunks enfrentava Zephir sozinho. Cerrou os dentes, sentiu o pulsar do sangue na testa. Aquele ente maligno já o tinha comandado uma vez e odiava-o por esse facto que o envergonhava. O feiticeiro não se mexia e a sua apatia era assustadora, era como se ali não estivesse um ser vivo, mas um espírito informe do Outro Mundo vestindo aquele hábito cinzento.

Atrás do feiticeiro estava o emaranhado de fios brancos e brilhantes e, no meio dos fios, a Ana, sem sentidos, indefesa, alheia ao perigo que corria. Trunks não podia falhar. Concentrou-se, envolveu-se pela luz da sua própria energia, a câmara voltou a tremer. E depois, atacou.

- Estava a tentar recordar-me de ti… Agora, já sei quem tu és.

A voz monótona de Zephir fê-lo travar o ataque.

- Tu já foste meu, saiya-jin.

Um arrepio gelado desceu-lhe pela espinha.

- Foste tu que me deste o sangue de amizade.

Enfureceu-se, fechou o punho, as faíscas saltaram entre os dedos fechados.

- E deste-me também a rapariga da Dimensão Real. Foste tu que interagiste com ela. A tua ajuda tem sido preciosa e julgo que te devo um agradecimento pelos teus préstimos.

- Cála-te!

Piccolo gritou, desfazendo um bando de kucris com um raio amarelo que lhe saiu de ambas as mãos.

O feiticeiro sorriu.

- Se já foste meu… poderás voltar a sê-lo.

- Não irei cair novamente nas tuas estúpidas armadilhas.

- Veremos!

Com um gesto brusco, Zephir ergueu os dois braços. Trunks recuou um passo. Um tremor de terra sacudia tudo em redor, lançando pó e fazendo chover pequenas pedras, caídas do teto rochoso que se fendia. Aquela câmara estava a ficar demasiado instável e ameaçava desmoronar-se. Não podia perder mais tempo. Utilizaria a supervelocidade para salvá-la. Antes de o feiticeiro perceber o que tinha acontecido, já ele estaria no exterior, com a Ana nos braços.

Uma gargalhada de Zephir deixou-o estarrecido. Esfregou os olhos, para assegurar-se que estava a ver bem. Em vez de uma teia prateada com uma Ana, havia milhares de teias prateadas com milhares de Anas. A câmara tinha ganho abruptamente uma fundura incrível e perdia-se na escuridão. As paredes rochosas estavam forradas de teias com Anas. O feiticeiro desaparecera, entretanto, mas a sua voz continuava ali.

- E agora, saiya-jin? Qual delas é a rapariga verdadeira?

Arquejou, perplexo, sem saber o que fazer a seguir, se correr, se andar. Correr para a primeira teia e descobrir à bruta qual era a verdadeira ou andar pelo meio destas e escolher com paciência a que correspondia à teia certa.

- O tempo esgota-se, saiya-jin. E quando o tempo se esgotar, vou-me embora e levo a rapariga comigo.

- Mas… eu não sei…

Sentiu os braços apertados entre duas mãos fortes que o abanaram, fazendo chocalhar o cérebro dentro da cabeça. Sentiu a boca rebentar-se com um soco, o sangue entre os dentes. Teve a sensação esquisita de regressar de muito longe, colar uma cópia transparente, feita de acetato, ao corpo que estava naquela câmara dos subterrâneos do Templo da Lua. Ouviu o berro de Piccolo nos ouvidos:

- Desperta, baka! Não te deixes enfeitiçar!

Empurrou furioso o namekusei-jin.

- Eu não estou enfeitiçado.

- Estás a cair no jogo do feiticeiro e dizes-me que não estás enfeitiçado?

Piccolo apanhou-lhe o queixo, apertou-o entre a manápula verde, sentiu as unhas compridas a arranharem-lhe a cara.

- O que é que estás a ver ali? Diz-me!

Trunks respondeu entre dentes:

- A teia com a rapariga da Dim…

- Quantas teias? – Cortou Piccolo.

Relutante, respondeu:

- Muitas… Demasiadas.

- Esse é o jogo do feiticeiro. Não o jogues… Mantém a mente lúcida.

Soltou-lhe o queixo, Piccolo voltou-se novamente para a entrada da câmara onde mais kucris se juntavam, enlouquecidos e ameaçadores, grunhindo antes de se agruparem em pequenos bandos para atacarem.

Trunks estava ofegante. As teias eram aos milhares.

- Procura pela aura dela. De certeza que a conseguirás encontrar.

- Hai.

Limpou o fio de sangue dos lábios, fixando a ilusão, decidido a quebrá-la.

As gargalhadas de Zephir reverberavam pela câmara, sobrepondo-se numa cascata insuportável, crescendo de tom, ondulando como se fossem uma maré de gargalhadas. Trunks concentrava-se, procurava pela alma dela. Alcançá-la… Tocá-la… Ela estava perto, sempre o estivera.

Zephir reapareceu. Não apenas num canto obscuro, mas em todos os cantos. Milhares de feiticeiros, como os milhares de teias, como os milhares de Anas. Trunks não se deixou envolver no feitiço. Utilizou a sensação de há pouco de se ter unido a si próprio. Descolou o acetato, enviou-o como escudo, entregou-o aos espíritos famintos que o feiticeiro comandava e que o raptavam da realidade.

Com um salto e um grito impregnados de raiva, estendeu os braços, alcançou uma teia prateada. As mãos agarraram num corpo, sólido, morno. Um corpo que conhecia bem, as curvas, os pequenos segredos. Fora apenas uma vez, mas depois dessa vez era como se a tivesse conhecido desde sempre.

Olhou para baixo, para o que segurava entre os braços. Encontrou o rosto adormecido dela. No ar que os rodeava havia uma chuva prateada, a teia mágica que quebrara.

A escuridão entremeada pela luz trémula das tochas regressou à câmara. As outras teias e as outras Anas e os outros feiticeiros desfizeram-se em rolos de fumo cinzento. Trunks apertou a Ana contra ele.

- Piccolo-san. Já a tenho!

Piccolo exibiu os dentes, num esgar.

- Ótimo! Leva-a para o Palácio Celestial e depois volta para cá.

- Tenho de voltar? Deveria ficar com ela e protegê-la. O feiticeiro quererá recuperá-la.

- Escuta, miúdo. Vais ser mais útil aqui, acredita. Son e Vegeta estão a lutar contra os dois demónios, eu estou entretido em fritar estes bichos irritantes, mas o saiya-jin de Zephir aproxima-se rapidamente. E quando Keilo aparecer, vamos precisar de toda a ajuda possível.

Focou a sua atenção nas sombras dos corredores. Mais kucris estavam a chegar.

- Vai depressa para voltares depressa. Talvez consigamos resolver este assunto ainda hoje.

Trunks acenou que sim com a cabeça.

Com o corpo inanimado da Ana entre os braços, saiu daquele lugar que detestava com a intenção de voltar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
O segredo dos demónios.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.