O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado


Capítulo 67
VIII.5 Combate entre feiticeiros.




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O Outro Mundo era um lugar sombrio e desconhecido.

Fantasmas, espíritos, demónios.

Um lamento agudo e interminável uivou com as sombras que se adensavam numa espiral quente. Seria o Inferno? Zephir lutou com as sombras e dominou-as. A luz que brilhava nas estrelas do céu infinito descia sobre ele num banho de poder.

As criaturas das trevas pertenciam-lhe. Ele vagueava pelo meio delas, a apaziguar o seu desejo de sangue, a domá-las a seu bel-prazer. Era noite, como nunca tinha havido nenhuma. A escuridão artificial vinha do Outro Mundo, como uma cortina de morte sobre a Terra.

A magia estava com ele.

Ah, lua! Toda a força branca e pura brotava das mãos da Deusa e ele bebia dela o saber mágico que precisava para superar as duras provas que o aguardavam. O caminho até à glória era longo e espinhoso, mas agora tudo seria mais fácil, pois a lua estava com ele. Os olhos cinzentos dela vigiavam-no, protegiam-no, guiavam-no.

O Universo.

Um trono.

Uma voz.

Alguém chamava por ele. Por entre a penumbra pegajosa e incómoda do Outro Mundo que Zephir percorria, furava e voava, ouviu aquela voz que ele reconheceria mesmo que esta o chamasse do outro lado do planeta.

Soltou uma gargalhada demoníaca, todo ele faiscou. Ansiava por aquele encontro e foi satisfazer a sua ânsia. A Deusa acompanhava-o quando desceu a escadaria e postou-se no pátio principal do Templo da Lua.

- Bem-vindo, Toynara!

Na Terra, o dia esvaía-se numa amena e agradável tarde de primavera. Mas ali, naquele recanto, era noite cerrada. Uma noite fria de tempestade. Atrás de Toynara choviam relâmpagos, troavam trovões e havia uma ventania horrível a fustigar os dois sacerdotes.

Toynara regressava, mais uma vez, ao Templo da Lua.

- Pensas que já estás pronto para desafiar-me? – E Zephir riu-se. – Nunca estarás pronto! Nem que te treines durante cem anos.

- A Deusa está comigo.

- Ah! Enganas-te… Ela está comigo. E, nesta matéria, não há lugar à dualidade.

A magia desatou-se.

Toynara foi o primeiro a atacar. Usou o furacão que assolava o pátio. Controlou o vento, encheu-o de perigosos espíritos sugadores de almas, enviou tudo contra Zephir. Este defendeu-se com um simples movimento de braços. O vento desapareceu.

A seguir, Toynara semeou o pátio de imagens suas para confundir o outro. Mas Zephir não se deixou enganar.

- Um truque velho como o mundo… – murmurou.

E enviou uma teia prateada que apanhou Toynara. Ele esticou os braços para afastar a teia, debateu-se para se soltar, mas cada vez ficava mais enredado, pois os fios entretecidos apertavam-no e sufocavam-no. Aquela rede era mágica e não se desfazia com as mãos. Pensou num conjuro para se libertar. Ao pensar, distraiu-se, Zephir aproveitou e lançou-lhe um raio.

O raio atingiu Toynara em cheio, queimou-o. Dobrou-se numa convulsão, cuspindo sangue. Entendeu o perigo que o rondava, não podia voltar a ser ingénuo. Sabia que as possibilidades estavam todas contra ele, mas era o seu dever, a sua responsabilidade, enfrentar o proscrito. Fora ele que começara aquela revolta de Zephir – fora ele que o denunciara, que provocara a sua expulsão do templo, que o motivara àquela loucura que principiara com a destruição do templo.

Toynara apontou os braços para o céu, gritou as palavras mágicas e a teia desfez-se.

Seria até à morte, sabia-o, mas não hesitava perante essa crua evidência. Fora até ali para cumprir o seu destino e debilitar aquele herético, para que os guerreiros das estrelas fizessem a sua parte e talvez assim a Terra fosse salva.

Ao tentar novo feitiço, Zephir adiantou-se. Quando deu por isso, era tarde. Um espectro negro prendia-o nas suas garras geladas.

O rosto do feiticeiro brilhava de malvadez.

- Sabes o que é um zéfiro, Toynara? – Perguntou com a voz rouca. – Eu digo-te. Um zéfiro é uma brisa branda e agradável. É um vento de paz. Mas eu não trago paz comigo, trago a destruição!…

As garras do espectro rasgaram a pele de Toynara que gritou com a dor imensa que lhe percorreu o corpo. Através do sofrimento, conseguiu manter-se concentrado e combateu o espectro com outro espectro que fez surgir com um par de palavras simples. Os espectros anularam-se.

Zephir ficou impressionado com os progressos do seu antigo aluno. Fora um bom contra-ataque, digno de um grande feiticeiro.

Quando sentiu o chão debaixo dos pés, Toynara reuniu energia em duas esferas azuis e lançou-as contra o feiticeiro.

- Oh?! Ataques flamejantes?

Zephir estendeu um braço e criou uma barreira para absorver as duas esferas. Era o que Toynara pretendia. Abriu os braços, agitou-os em círculos. Então, o ar encheu-se de moléculas gigantes, brancas e esponjosas que se colaram ao corpo magro de Zephir

O feiticeiro berrou irado:

- Não!

As moléculas chupavam a energia vital e se se mantivessem coladas o tempo suficiente matavam o seu alvo. Era a sua derradeira oportunidade. Toynara sentia-se fraco e o confronto mal começara. O raio, primeiro, o espectro, depois, tinham-no debilitado mais do que contava.

Zephir tentou desfazer as moléculas brancas, mas enquanto desfazia dez, Toynara fazia aparecer vinte. Os braços do jovem feiticeiro não paravam, apesar das cãibras. Os círculos no ar eram intermináveis, tornando intermináveis as moléculas brancas, como uma praga.

Os gritos de Zephir passaram de irados a desesperados. Não se conseguia livrar das moléculas que o cobriam famintas. Todo ele era agora uma massa branca e borbulhante. Aos poucos, os seus gritos aflitos foram abafados, os seus gestos mágicos foram perdendo vitalidade e cessou de estrebuchar. Cedia vergonhosamente à magia de Toynara.

O cansaço arrebatou o jovem feiticeiro, perdeu as forças, deixou-se cair de joelhos com um gemido. Toynara apoiou-se nas mãos doridas. Ficou de gatas, a tremer, evitou o desmaio. Levantou a cabeça tonta e viu o corpo esquelético de Zephir tombar pesado como uma árvore a cair debaixo dos golpes do lenhador. Vacilante, pôs-se de pé. Não queria contemplar o fim do herético ajoelhado.

As moléculas brancas absorveram as últimas reservas de energia de Zephir. Ondularam, ferveram e gradualmente foram diminuindo de volume até se evaporarem. Dos trapos cinzentos que Zephir envergara subiram rolos de fumo branco que se dissolviam à medida que ganhavam altura, transportando a alma do feiticeiro que também se desfazia em nada.

Vencera. Toynara sorriu cansado.

Gargalhadas.

O sorriso de Toynara apagou-se.

Gargalhadas.

Olhou confuso para a carcaça vazia de Zephir, para o hábito cinzento amarrotado em cima da pele sem corpo. As gargalhadas continuavam. Seria uma alucinação? Ou seria o espírito de Zephir que se recusara a viajar para o Além e insistia em atormentá-lo?

- Não, Toynara. Ainda não sou um pobre e inofensivo espírito. Continuo vivo!

O choque de ouvir aquela voz foi tremendo. Terminou com o seu derradeiro fôlego. Toynara sentiu a fadiga conquistá-lo. A sensação foi física, como um golpe nas pernas e deixou-se cair.

- De pé, traidor! – Ordenou-lhe Zephir.

Das brumas fantasmagóricas que ululavam naquele lugar de conflito surgiu o poderoso Zephir que lhe sorria.

- Utilizei o teu truque, Toynara. Não me digas que um grande feiticeiro como tu não se tinha dado conta que combatia contra uma simples… imagem?

Subitamente, Toynara teve a consciência de que cumprira o seu destino. Compreendia que a sua missão no mundo dos vivos terminava e não sentiu aflição, nem cólera, nem pena. Apenas paz.

A cara de Zephir endureceu. Tornou a ordenar-lhe:

- De pé!

Disparou um potente raio com ambas as mãos. O raio cor de fogo envolveu Toynara numa labareda que o fez soltar um grito estridente. O rapaz levantou-se, apoiando o peso nas pernas feridas.

- Estás preparado, Toynara?

A voz de Zephir era cruel e monótona, como sempre. Toynara olhou-o. Se ao menos ele não tivesse aquela ambição desmedida, aquela loucura no sangue, seria capaz de admirá-lo e de venerá-lo. Seria até capaz de amá-lo. Em tempos, isso acontecera…

Zephir uniu os dedos das mãos, formando uma concha. Lentamente fez subir os braços. No chão subia, a acompanhar o movimento dos seus braços, um pequeno tornado negro a assobiar, que girava com uma velocidade imensa.

Toynara fechou as pálpebras. Amara Zephir, amara o Templo da Lua. E tivera de destruir um deles por amor ao outro. Claro, acreditava que, mesmo condenado, tinha, de algum modo, contribuído para a derrota de Zephir.

O tornado negro engoliu Toynara, o seu corpo perdeu-se na espiral do seu vento negro. Não se escutou um grito ou um queixume. O assobiar vertiginoso do tornado a girar era o único som que cortava aquela quietude mórbida. Quando o sangue começou a pingar, Zephir desfez o tornado.

As trevas, palco do confronto entre os dois feiticeiros, também se desfizeram e a luz do dia apareceu naquele esplendor ténue de um crepúsculo normal.

O corpo massacrado de Toynara caiu de borco no charco escuro do seu próprio sangue. Zephir observou-o intrigado. Percebia no rapaz a teimosa centelha da vida. Continuava relutante em abraçar a morte.

Toynara voltou a cabeça, enquanto esgravatava as lajes negras do pátio, o sangue debaixo dele a empapá-lo, a arrefecer.

- Não… Não ganhaste, Zephir. A vitória não é tua…

- Duvidas da minha vitória, Toynara?

- A Terra está protegida…

- É essa a tua última ilusão?

- A Terra está protegida… por poderosos guerreiros das estrelas.

- Ah!... Esses?

- Conheci-os, Zephir. Sei como são poderosos.

- Falas de Son Goku e dos seus amigos? Mas eu também os conheço. – Zephir soltou uma gargalhada ruidosa. – Oh, sim, que belos guerreiros protegem a Terra! Ainda não me conseguiram eliminar. Son Goku está desorientado, a minha magia é demasiado poderosa para ele. Simplesmente, não sabe o que fazer para acabarem comigo. Até cederam à minha chantagem. Entregaram-me sem contestar a rapariga da Dimensão Real e o Medalhão de Mu em troca de uma fedelha ranhosa.

Mas Zephir não sabia tudo. A vaidade cegava-o. Se ele tivesse analisado os sinais, saberia o que Toynara sabia… E era tão simples sabê-lo.

- Em breve, serei um deus, meu rapazola incauto. E o que poderão fazer esses guerreiros das estrelas contra um deus imortal? Nada!

Acalmou-se. Sentenciou:

- Pelo poder das trevas. Pelo poder do Makai.

Criou na mão esquerda uma bola amarela que cuspia chispas.

- Quero que saibas… que eu não sou o último – prosseguiu Toynara.

- Se julgas que te vou poupar a vida só porque aparentemente sabes coisas que desconheço, estás muito mal enganado. Não me interessam essas tuas pretensas informações.

- Com o meu desaparecimento, não morre o Templo da Lua. O Sumo-sacerdote… os sacerdotes… os monges… Todos aqueles que assassinaste…

- Não tenho remorsos.

- Vivem!

A bola tremeluziu na mão de Zephir. Toynara notou como ele se espantou, mas ocultou imediatamente as emoções, até a raiva, tornando-se esquivo como uma alma envergonhada.

- Eles vivem, Zephir. Ressuscitaram… com o poder milenar de Shenron e das bolas de dragão.

De rosto insondável como o de uma estátua de pedra, com um gesto mecânico e decidido, Zephir atirou a bola mortal.

O estrondo da explosão foi mínimo. Quando a pequena nuvem que formara se dissipou, apareceu o corpo exangue de Toynara. Os olhos vazios do jovem sacerdote fixavam-se em Zephir numa acusação muda.

O feiticeiro não se incomodou. O seu trabalho estava terminado. Toynara fora o primeiro e o último. Não considerou aquela derradeira revelação de que os anteriores habitantes do templo estavam vivos, incluindo o Sumo-sacerdote. Desprezou-a por considerá-la fruto da agonia de um moribundo.

Levantou a cabeça e viu Keilo e Ubo passarem nos céus. Soube que o momento decisivo tinha chegado. Iria até ao seu santuário recuperar a prisão esférica onde mantinha o espectro de Babidi, este iria ajudá-lo a criar o altar mágico onde usaria o medalhão.

A sua vitória seria completa e arrasadora. Zephir entrou no Templo da Lua.

Entretanto, no pátio principal, sobre as lajes pretas e frias, o coração de Toynara deixava de bater.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Ataque.



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