O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado


Capítulo 63
VIII.1 A troca.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo narrado na primeira pessoa.



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Era um livro velho e sem graça, com letras na capa preta onde se podia ler que pertencera a Babidi, a criatura que viera até à Terra, no passado, para despertar Majin Bu. Era agora utilizado por Zephir, o manual que seguia para conquistar o Universo, segredara-me Trunks. Nada mais que um simples murmúrio, pois estávamos todos solenemente a presenciar a cena como se fosse um ritual muito sagrado.

Devia-o ser para Toynara.

Quando Bulma lhe entregou o livro e lhe explicou do que é que se tratava, o jovem sacerdote sorriu. Mas não era um sorriso de satisfação, era mais de maldade e tive medo dele.

Encostei-me a Trunks para me aconchegar no calor do corpo dele e assim sentir-me a salvo das intenções esquisitas e das ideias secretas que Toynara devia estar a alimentar enquanto folheava o livro para ler atentamente as suas páginas, decorando-as certamente. Trunks deixou que eu me aconchegasse. Já não estava aborrecido comigo. Demonstrara-o sem qualquer dúvida quando eu tinha regressado à Capsule Corporation no início da tarde, com Gohan e Pan. Abraçara-me, entalara-me a cara entre as mãos, perguntara-me ansioso:

- Estás bem, Ana? Está tudo bem contigo? Não estás ferida? Estás mesmo bem?

Quisera chorar, emocionada. As arranhadelas nas mãos e nos braços já não me incomodavam e eu não me importava com os farrapos da minha roupa. Não lhe conseguira responder. Os meus olhos encheram-se de lágrimas, ele entendera que eu estava assustada, voltara a abraçar-me, derretera-me nos braços dele, fechando os olhos, esquecendo o mundo todo, esquecendo-me até de Gohan com uma Pan febril nos braços, de Goten, que tinha acabado de chegar e que estava com o amigo.

Depois, Gohan entregara o livro a Goku, que também estava na Capsule Corporation. Vegeta ordenara-lhe que trouxesse imediatamente Toynara do Palácio Celestial para que viesse ler aquele livro. Goku sumira-se com a Shunkan Idou, mas levara o filho e a neta para que Dende os curasse, apoquentado com o estado lastimoso que apresentavam. Antes, Bulma perguntara por Bra, Gohan dissera-lhe que não a tinha visto. Ela voltara-se para Vegeta e implorara-lhe que fosse procurar pela filha, Vegeta recusara-se, alegando que Bra descendia da casa real dos saiya-jin e que sabia desenvencilhar-se sozinha, mesmo que só tivesse sete anos como argumentara Bulma e que haveria de regressar pelo seu próprio pé. Bulma enfurecera-se, berrara, esperneara, mas não conseguira demover Vegeta da sua posição. Goten encolhia-se ao meu lado e ao lado de Trunks. E então, Goku regressara com Toynara e também com Piccolo, com Gohan e Pan totalmente restabelecidos. Entregaram o livro a Toynara que fizera aquele sorriso e fomos todos para o laboratório. Bulma amuara, pois ficara a saber que Bra tinha ido com Pan até ao Templo da Lua. Vegeta acrescentara mais um argumento à sua tese: Bra teria conseguido fugir e regressava a casa, em breve estaria ali com eles. Bulma gritara-lhe que não queria mais conversas por aquele dia e Vegeta ignorara-a pomposamente. A cara de Goku a presenciar aquela discussão era engraçada. Goten e Trunks mostravam-se embaraçados, Gohan estava indiferente, ou assim queria parecer, junto a Piccolo, dando a mão a Pan. Mas a cara engraçada de Goku mudara quando soubera que Ubo fora enfeitiçado e que lutava agora do lado de Zephir e que tinha sido ele que me tinha raptado. O olhar tornara-se sombrio e recolhera-se em pensamentos, cabisbaixo, braços cruzados, um pé assente na parede e eu não gostara de o ver assim. Era tão estranho ver Son Goku triste e preocupado.

***

No laboratório, num silêncio forçado, observávamos Toynara a ler o livro mágico. Aquilo não passava de um exercício monótono e entediante, enquanto fingíamos, muito mal, que não estávamos, efetivamente, a observá-lo.

Fiquei curiosa se lia mesmo todas as palavras, pois folheava-o com rapidez, maquinalmente, demorando sensivelmente o mesmo tempo em cada página, como um autómato. Talvez lesse apenas os títulos, os grandes temas, os feitiços mais importantes. Ou talvez tivesse uma capacidade enorme de reter o que ali estava escrito apenas se passasse os olhos por cima da imagem da página, aproveitando-se da vantagem de possuir uma rara memória fotográfica. O que quer que fosse que o fazia ser eficiente naquela leitura que se exigia célere, contudo, nunca o saberíamos, pois Toynara era mais misterioso e inacessível que Zephir. Pois desse Zephir sabíamos que queria conquistar o Universo a todo o custo e de Toynara não sabíamos qual era a sua verdadeira motivação. Vingança e honra pareciam-me demasiado evidentes e, por isso, inverosímeis naquele caso. As duas noções auto excluíam-se.

Tinham passado duas horas quando Toynara fechou o livro devagar. Pousou a mão na capa preta, tapando o nome de Babidi com os dedos.

Piccolo disse:

- Toynara?

O jovem sacerdote encarou o namekusei-jin com uma altivez que me arrepiou. Pressionei-me de encontro a Trunks, tanto que ele gemeu ligeiramente. Ao meu lado, Goten corou.

- Diz-nos o que encontraste no livro que nos poderá ser útil.

- Tanta coisa… - respondeu evasivo.

- Começa pelo Medalhão de Mu.

Toynara estreitou o olhar vazio. Novo arrepio. Decididamente não gostava daquele rapaz. Apertei instintivamente, como se o quisesse proteger e preservar, o triângulo dourado que usava ao pescoço.

- Neste livro existe um capítulo inteiro sobre esse medalhão. Foi assim que Zephir aprendeu tudo quanto existe para saber do amuleto. Tomou conhecimento da Dimensão Real, da Dimensão Z, da existência do deus Mu e do seu poderoso medalhão, do laço entre as duas dimensões, o sangue de amizade, a proibição de interagir. Depois, a fortuna também lhe sorriu, pois uma das metades do medalhão estava guardada no Templo da Lua e conseguiu, inesperadamente, percorrer metade do caminho até à glória final.

- Queremos saber se, nesse capítulo, também explica uma maneira de utilizar o medalhão contra quem pretende transformar-se num deus – insistiu Piccolo.

- Hai.

Vegeta espevitou-se.

- Nani? Utilizar o medalhão contra Zephir?

- Como, Toynara-san? – Perguntou Gohan.

- Comecemos pelo início. O livro contém vários avisos sobre a mistura entre as duas dimensões. O mais importante é sobre o tempo. Calculo que todos vocês devem saber que um dia na Dimensão Z equivale a um mês na Dimensão Real.

- Hai, sabemos isso demasiado bem – resmungou Vegeta.

- Sabem também que todos aqueles que pertencem à Dimensão Z ficam para sempre na Dimensão Real ao fim de um ano, pois a porta entre os dois mundos fecha-se definitivamente ao fim desse tempo. Existe ainda o aviso inverso, ou seja, quando alguém da Dimensão Real viaja para a Dimensão Z ao interagir com alguém desta última dimensão. Na essência, o aviso acaba por ser o mesmo. O tempo limite é sempre um ano. Ninguém da Dimensão Real pode ficar mais de um ano na Dimensão Z.

Trunks saltou atrás de mim. Fiquei gelada, fechei os olhos, apertei mais o triângulo dourado.

- Porquê? - Quis saber ele.

- Ao fim de um ano nesta dimensão, o peso do tempo apodera-se da pessoa da Dimensão Real. Se um dia na Dimensão Z equivale a um mês na Dimensão Real, ao fim de um ano, terão passado trezentos e sessenta e cinco meses, o que equivale, se não me falharem as contas, a cerca de trinta anos.

- E o que é que acontece?

- Os dias equivalentes ao tempo na Dimensão Real passam no tempo de um segundo e esse golpe é mortal. - Olhou para mim sem qualquer resquício de emoção. - Se alguém da Dimensão Real ficar na Dimensão Z mais de um ano, perde a vida.

Gaguejei num murmúrio:

- N-nani?!...

Senti uma aflição horrível no coração, o sangue a secar nas veias, o corpo a murchar.

A conversa na sala converteu-se numa tagarelice longínqua.

- Esses detalhes não interessam agora - disse Vegeta impaciente. - Quero saber como é que podemos utilizar o medalhão para destruir o feiticeiro.

- Ah… - disse Goku. – Também estás interessado nessa solução?

- Estou interessado em todas as soluções, Kakaroto!

- Ainda bem.

- Não quer dizer que utilize as mais – e vincou – fáceis!

Goku levantou um sobrolho. Toynara explicou:

- Bem, primeiro, o feiticeiro precisa da pessoa da Dimensão Real para unir as duas metades do amuleto. Mais ninguém o poderá fazer… Depois, o Medalhão de Mu unido deverá ser colocado num altar especial também por essa pessoa e invocar, no processo, o nome daquele que pretende a bênção do medalhão. Um feixe de luz mágica será criado e concederá o dom da imortalidade e da divindade àquele cujo nome foi invocado.

Encontrei os olhos de Trunks.

- Mas… - prosseguiu Toynara. – Mas para criar o altar mágico, Zephir precisa deste livro. O conjuro do altar é muito difícil e tem passos minuciosos a seguir. Basta um pequeno erro e o altar não fica perfeito. Acredito que Zephir não decorou o conjuro, nunca considerou que o livro lhe pudesse ser roubado.

- Como é que sabes que Zephir ainda não criou o altar? – Perguntou Bulma.

Eu não podia ficar na Dimensão Z. Se ficasse, morreria.

- Existe uma ligação entre o medalhão e o altar. Assim que este for criado, os raios do sol desenhado no medalhão mudam de cor, ficam alaranjados, simulando brilho. Ora, parece-me que isso ainda não ocorreu.

Trunks olhava-me e eu olhava-o a ele. A nossa tragédia nada significava naquela sala, na Dimensão Z, para Toynara, para nenhum deles.

- E se o altar não ficar perfeito, o que é que acontece? – Perguntou Piccolo.

- O Medalhão de Mu poderá conceder tanto a divindade, como a morte. Dependerá da escolha da pessoa da Dimensão Real.

Goku franziu a testa. Perguntou:

- Isso quer dizer exatamente o quê?

- O Medalhão de Mu unido tem a figura de um triângulo equilátero. Se o altar for criado sem erros, surgirá neste um espaço com essa forma, para aí ser colocado o medalhão. Mas se o conjuro apresentar falhas, o altar terá um espaço em forma de losango. Aplicando o Medalhão de Mu com o vértice principal para cima, a luz emitida será benéfica e concederá a divindade. Pelo contrário, se for aplicado com o vértice principal para baixo, a luz será maléfica e trará a destruição.

- Hum - Vegeta carregou no sorriso cínico.

- Pelo que nos acabaste de contar - disse Goku apreensivo. –, a Ana tanto poderá ajudar Zephir, como nos poderá ajudar.

A voz de Goku puxou-me repentinamente para o presente. A imagem de Trunks desfocou-se, ele afastou-se, deixei de o ver. Encostou-se outra vez à parede, ao lado de Goten. Pestanejei para despertar, colar a alma vazia ao corpo desfalecido, tentando fingir que ainda era a mesma de há dois minutos atrás, antes de saber que o meu tempo naquela dimensão estava contado.

- Exatamente – confirmou Toynara. – Se ela utilizar corretamente o medalhão, Zephir não sairá vitorioso.

A ironia das coisas. Estavam a dizer que eu tinha o poder de salvar o Universo da tirania de Zephir, que eu podia ser uma heroína, mas nunca até ali me havia sentido tão desesperada.

- Se esse maldito feiticeiro tentar raptá-la novamente – disse Vegeta –, desde que mantenhamos o livro connosco, não nos devemos preocupar. Podemos até deixá-lo levá-la. No fim de contas, se for necessário, ela poderá destruí-lo.

- De qualquer modo, não devemos deixar este assunto somente nas mãos da Ana – disse Goku. – Zephir é, acima de tudo, o nosso problema.

- Eu não me esqueço dessa verdade! – Protestou Vegeta eriçado. – E não desejo soluções fáceis, Kakaroto. Volto a dizê-lo!

- Eu sei… Acredito que ela, no momento de usar o medalhão no altar o volte para baixo para destruir o feiticeiro. Afinal, ela está do nosso lado. Mas, e se alguma coisa correr mal? E se Zephir conseguir criar o altar perfeito? E se Zephir enfeitiçá-la para que lhe obedeça e utilize o medalhão corretamente?

- A magia de Zephir não atua nela – revelou Toynara.

- Como é que sabes? – Perguntou Goku admirado.

- Ela é opaca… Possui uma aura diferente. Se eu não consigo utilizar a minha magia nela, Zephir também não consegue.

Apertei os dentes. Aquele rapazinho dissimulado já tentara lançar-me um feitiço? Cada vez gostava menos dele. No entanto, ao fazer a revelação, Toynara não olhara para mim. Não me evitava, apenas me desconsiderava.

- Desculpem se acabo com o vosso entusiasmo – disse Bulma –, mas creio que continua tudo na mesma. Apenas temos conhecimento de mais uma hipótese para derrotar Zephir. O mais importante até foi conseguir tirar-lhe o livro mágico.

- Fui eu que o trouxe! - Exclamou Pan de braço no ar.

Gohan mostrou-lhe uma cara zangada.

- Calada, Pan-chan.

A miúda obedeceu ofendida.

- E Zephir não poderá saber de tudo isso? – Perguntou Piccolo. – Que o altar imperfeito funcionará contra ele?

- Hai. Afinal, teve tempo suficiente para estudar o livro, para lhe decorar os mistérios. Mas confia que a rapariga utilize o medalhão da forma que o beneficiará, nem que para isso tenha de a forçar a fazer o que pretende. Ele é maligno, imaginará algo asqueroso para tê-la do lado dele. Além disso, conta com os seus poderosos guerreiros para o protegerem.

- E agora conta com mais um guerreiro – suspirou Goku.

Bulma encolheu-se e começou a roer as unhas.

- Para ser franco, não me agrada deixar este assunto nas mãos dela, ou de outra pessoa qualquer – disse Vegeta. - Nem mesmo de ti, feiticeiro, mesmo que eventualmente nos digas que encontraste nesse livro um qualquer feitiço que te permita derrotar o nosso inimigo pela magia, que gostam tanto de exibir como força superior a tudo o resto. Devemos contar sempre que teremos de eliminar Zephir pela força, derrotando os seus guerreiros. Todos os guerreiros!

- Vegeta, mas…

- Não existe mas, Kakaroto. Não temos margem para erros, a partir do momento em que temos uma duas metades do medalhão, a intrometida e o livro de magia. O cerco aperta-se, as possibilidades são cada vez mais reduzidas. Zephir sabe isso, melhor do que nós e vai atacar a qualquer momento.

- ‘Tousan – disse Gohan. – Vegeta-san tem razão. Zephir sabe que terá de agir já ou perde a oportunidade.

- Ana-san.

Goku olhava para mim.

- Contamos contigo, ouviste?

Baixei a cabeça atrapalhada.

- Hai. Sabem que vos ajudarei… sempre e em tudo o que me for possível. Vocês são… especiais. – Acrescentei num sussurro que ninguém ouviu, nem mesmo Trunks que estava tão próximo. - Para mim…

Depois, Goku sorriu-me e tive vontade de chorar, fugir, gritar, mas sufoquei todos os sentimentos que me apertavam violentamente a alma que nadava em desilusão quente e amarga.

Nisto, ouviu-se uma voz.

- Saudações, príncipe dos saiya-jin!

Vegeta levantou a cabeça para o teto, crispando o rosto tenso.

A voz apresentou-se:

- Fala-te o mais poderoso dos feiticeiros da Terra.

As palavras pingaram do teto, como plumas caindo sem pressas e assim que tocaram no chão encheram a sala e tudo se transtornou. Vi Goku ficar tão tenso quanto Vegeta, Bulma empalidecer, Piccolo reagir, Gohan proteger Pan colocando-a atrás de si, Goten suster a respiração, Trunks apertar os punhos. Toynara, contudo, inadaptado e altivo, quedou-se impassível.

-Zephir! – Rosnou Goku entre dentes.

Continuou, dirigindo o seu discurso a Vegeta:

- Príncipe dos saiya-jin, sei que abrigas na tua casa uma hóspede muito especial que o destino encarregou de a tornar igualmente especial para mim. Preciso dela, sabes muito bem disso. Tentei arrancá-la da tua proteção, mas a sorte sorriu-te sempre. Por isso, venho propor-te uma troca.

E calou-se durante tanto tempo que Vegeta viu-se forçado a perguntar:

- Que troca?

- Tenho comigo alguém que é tão especial para ti quanto a tua hóspede o é para mim.

Bulma sufocou um grito com as mãos.

- Não…

- Quem? - Perguntou Vegeta deitando uma rápida olhadela à mulher.

- A tua filha.

A imagem de Bra adormecida num banco de pedra, num recanto escuro dos subterrâneos do Templo da Lua bailou no teto da sala e dissolveu-se logo de seguida, desfazendo-se em gotas de luz que também caíram sem pressas.

Vegeta cerrou os punhos com mais força e Trunks deu um passo em frente.

- Descansa, príncipe dos saiya-jin. Não lhe vou fazer nenhum mal. Como te disse antes, venho propor-te uma troca. Entrego-te a tua filha, sã e salva, e tu entregas-me…

Fiquei zangada. Não passava de um mero adereço.

- …a rapariga da Dimensão Real.

Deixou as palavras assentar devagar, para que fossem pacientemente absorvidas sem qualquer indício de dúvida e depois completou:

- Com o Medalhão de Mu.

- Kuso! – Exclamou Goku.

Vegeta não respondeu.

A voz monótona de Zephir tornou a soar.

- A proposta está feita, príncipe dos saiya-jin. Se pretendes ver novamente a tua filha, vem até ao Templo da Lua com a rapariga da Dimensão Real na próxima hora. Se não apareceres dentro desse prazo, a tua filha tornar-se-á em mais um dos meus esbirros e viverá para sempre entre as trevas.

A seguir veio o silêncio, que também pairou na sala como coisa física. Soltei então o triângulo dourado que tinha estado sempre a apertar.

Bulma gritou:

- Vegeta, o que é que vais fazer? Zephir quer enfeitiçar a tua filha!

Trunks gaguejou, a olhar para Vegeta, a olhar para mim.

- ’Tousan, não podemos… Mas não podemos entregar-lhe a Ana. E com o medalhão.

Pan puxou pelas calças do pai.

- Não percebo… Mas ela tinha fugido do templo… Porque é que foi voltar?

- Provavelmente, nunca conseguiu sair do templo – disse-lhe Gohan. E num assomo protetor, agarrou na filha, carregou-a ao colo, apertou-a com força.

Tinha o olhar de Vegeta cravado em mim e nem sei com que forças consegui aguentar aquele olhar sem vacilar, sem hesitar. Sentia-me desfeita, assustada, mas estranhamente calma e resignada. Sabia qual iria ser a decisão do príncipe dos saiya-jin e aceitava-a com um estoicismo que me confundia. Não tinha necessidade de mostrar o que não era, mas ali eu não era eu – era parte da lenda, da maior lenda do Universo.

- ‘Tousan?

- Vegeta, estamos a decidir sobre a vida de Bra. Eu não a quero perder desta maneira!

- ‘Tousan, não entregues a Ana ao feiticeiro. É demasiado arriscado. E se ele consegue fazer o altar perfeito?

- É demasiado arriscado deixar a Bra com Zephir. Ela só tem sete anos, é uma criança! Não condenes a nossa filha às trevas.

Goku interveio:

- Vegeta, pensa bem. Mesmo com essa possibilidade de termos um altar imperfeito, devemos afastar a Ana de Zephir. Seria demasiado arriscado. Proponho que deixemos passar o prazo que ele nos deu. Ele que fique com Bra… Depois, atacamos. Ao eliminarmos Zephir, todos aqueles que ele domina com a sua magia voltam ao normal. Também podemos pedir a ajuda de Toynara para desfazer os feitiços de Zephir, se acabar com ele não for suficiente. Temos o livro…

- Kakaroto! – Cortou Vegeta num berro sem nunca, nunca deixar de olhar para mim. – Estamos a falar da minha filha, miserável!

- ‘Tousan! – Insistiu Trunks.

- Vegeta, por favor – implorou Bulma.

O príncipe dos saiya-jin respirou fundo.

- Kakaroto! – Tornou a chamar com uma voz imperiosa que vibrava na sala, dentro de mim. – Vou partir para o Templo da Lua com a intrometida e tu vais levar-nos até lá com a tua técnica da transmissão instantânea. Compreendido?

Goku tentou protestar:

- Mas…

Vegeta ergueu um dedo diante do rosto de Goku.

- A minha decisão está tomada. Zephir que fique com a intrometida e com aquele medalhão. Quero a minha filha de volta. E nem mais uma palavra!

Ao despegar de mim aquele olhar negro, cortante, consegui mover-me, timidamente, recuperando as funções vitais. Agarrei-me com unhas e dentes à minha coragem, arranquei a voz das profundezas do meu peito e disse:

- Eu vou.

Todos olharam para mim, um mar de olhos que me submergiu novamente, quase levando, naquela vaga monstruosa de olhares, a pouca coragem que conseguira convocar.

Vegeta disse com secura:

- Ótimo! Ainda bem que concordas com a minha decisão. Tornarás as coisas mais fáceis.

Foi a minha vez de lhe devolver o mesmo olhar cortante.

- Espero que não me deixem muito tempo com Zephir. Conto que me venham salvar… está bem?

Depois olhei para Trunks que estava pálido.

- Claro, Ana-san – disse Goku e colocou as mãos em cima dos meus ombros e sorriu-me com tanta meiguice que as lágrimas começaram a subir descontroladas, peito acima, até aos olhos. Pisquei-os para empurrar as lágrimas para baixo. Não queria que Vegeta me visse chorar.

Piccolo disse:

- Esta situação poderá acabar por ser-nos favorável. Zephir não contará com um ataque depois de termos aceitado a sua chantagem.

- Hai – concordou Goku soltando-me os ombros, voltando-se para o namekusei-jin. – Ao ter a Ana-san e as duas metades do Medalhão de Mu, Zephir estará certamente mais preocupado com o altar mágico do que com a defesa do Templo da Lua.

- Vamos embora! – Exigiu Vegeta impaciente.

Goku sorriu-me outra vez.

- Preparada?

- Hai.

- Ei… Não tenhas medo. - confortou-me. – Tu pertences a nós, Ana.

Vegeta tocou nas costas de Goku, Goku tocou-me no braço. Era quente, impossivelmente real. Fiquei tonta, a boca seca, o estômago apertado. Levou a outra mão à testa. Fechei os olhos, aspirando o odor dele e de Vegeta, dos dois saiya-jin de sangue puro. Era diferente do cheiro de Trunks. Mais selvagem… muito perigoso. Não me despedi de Trunks. Não fui capaz, mas ele também não se despediu de mim. Senti uma lágrima quente a escorrer lentamente pela minha face, naquela parcela de tempo em que viajávamos através do espaço como partículas luminosas. Depois, subitamente, o ar fresco do exterior entrou-me pelas narinas. Senti o rasto da lágrima gelar na pele, apagando os vestígios da minha momentânea falta de coragem.

Estávamos nas margens de um lago que se estendia como um espelho quieto junto a uma floresta. Diante de nós estava um conjunto decrépito de edifícios castanhos, rodeado por um muro parcialmente em ruínas.

Numa abertura do muro, onde antes estivera um portão, aguardava uma pequena comitiva. Os dois demónios ladeavam um homem magrizela e alto vestido com um hábito cinzento que tinha uma criança pela mão. O homem veio até nós a caminhar suavemente, como se pairasse e não caminhasse. Era Zephir. Nunca o tinha visto e agora não lamentava o facto, pois parecia ser alguém desagradável, sinistro e medonho.

O vento passou numa rajada forte e breve.

- Eu sabia que virias, príncipe dos saiya-jin.

Vegeta cruzou os braços.

- Trouxe-te o que pretendes, feiticeiro – disse altivo.

- Nunca falto à minha palavra. Também tenho aqui o que pretendes.

- Entrega a minha filha, feiticeiro.

Zephir olhou para mim.

Goku sussurrou-me:

- Vai. Não te esqueças do que te disse.

E eu fui.

Zephir soltou a mão de Bra. Andámos as duas ao mesmo tempo, passámos uma pela outra. Não vi, mas creio que Bra apanhou a mão de Vegeta, Vegeta tocou em Goku, Goku uniu os dedos à testa e saíram dali com a Shunkan Idou.

Fiquei sozinha.

Atravessei o muro, onde já não estavam os dois demónios, e o feiticeiro conduziu-me até uns aposentos austeros. Evitei olhar para aquele homem horroroso, que me infundia um asco terrível. Estaquei junto a uma cama estreita encostada à parede. Mordi o lábio inferior, cabisbaixa, torcendo as mãos.

- Bem-vinda ao Templo da Lua.

Não devolvi a saudação.

Zephir arrancou-me o amuleto com um safanão e soltou uma risada.

- Finalmente! O Medalhão de Mu é meu.

Depois, apertou-me o pescoço.

- E tu também és minha. Totalmente minha!

Não conseguia respirar, sorvia o ar aos poucos, estava à beira do desmaio, mas decidi não me deixar abater por qualquer ameaça física ou psicológica. Ele precisava de mim, desesperadamente, para conseguir o que queria: derrotar Son Goku e dominar o Universo. Nunca me iria fazer mal. Tentava atingir-me pela via mais fácil que era aterrorizar-me.

Tentava enfeitiçar-me, mas lembrei-me que não o podia fazer e isso devia ser um espinho cravado no seu orgulho. Desistiu, percebi que abandonava a teimosia de tentar subjugar-me com a sua magia, supondo que haveria, pelo menos, um feitiço que haveria de resultar. Os ombros descaíram, uma centelha de ódio inflamou-lhe o olhar. Soltou-me o pescoço. Eu comecei a tossir, enquanto recuava um passo.

Voltou-me costas. Apoiei uma mão no peito, enquanto procurava respirar normalmente, os pulmões enchendo-se e regalando-se com o ar fresco, bom, essencial. Com esse gesto, senti falta do triângulo dourado. Era meu… Fazia, de algum modo, já parte de mim. Vi a corrente dourada balançar junto ao braço de Zephir. Cobicei-o, quis recuperá-lo, mas contive o impulso.

- Vais ficar nestes aposentos até chegar o momento certo. O Templo da Lua nunca foi aberto a mulheres, mas durante os festivais sagrados da lua, nos tempos antigos, ouvi contar que eram escolhidas donzelas para representar a deusa-mãe. Tu… vais ser a minha deusa-mãe. Apesar de… já não seres uma donzela, minha querida.

Corei enojada.

- Não gosto dessas tuas roupas modernas. Aqui, vais vestir-te como uma sacerdotisa da lua.

Estalou os dedos, continuando de costas para mim.

- Em cima da cama estão as tuas novas vestes. Se não estiveres vestida condignamente quando nos voltarmos a encontrar, vou castigar-te severamente. Não tentes desafiar-me ou vais arrepender-te. Mesmo que sejas importante para mim, não hesitarei em fazer-te sofrer, minha querida.

Espreitei a cama. Por cima da coberta escura estava um vestido branco comprido, de manga curta, com o peitilho bordado com símbolos mágicos e uma representação da lua. Tinha também um xaile cinzento e umas sabrinas da mesma cor.

Zephir saiu do quarto, trancando a porta atrás de si.

Sentei-me desolada na cama. Agarrei no vestido e comecei a chorar, batizando-o com as minhas lágrimas, inaugurando com dor, solidão e desamparo aquela minha nova condição na Dimensão Z.

Pensei em Goku e confortei-me com as suas palavras.

“Tu pertences a nós”.

Sim, podia pertencer. Mas, um dia, teria de ir embora.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
O assalto final.



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